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Parte I

Derrocada em Borba, um ano depois. "Uma lição para evitar mais tragédias"

16 nov, 2019 - 17:10 • Rosário Silva (texto e fotos)

A tragédia de 19 de novembro de 2018, que provocou a morte de cinco pessoas faz um ano na próxima terça-feira um ano. Autarca fala numa experiência "brutal" e diz que "há várias possibilidades que podem ser equacionadas" para a "estrada da morte". Governo promete mais dados sobre pedreiras em risco em todo o país.

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Segunda-feira, 19 de novembro de 2018. Borba estava no rescaldo de uma das suas maiores celebrações. No dia anterior tinha terminado a Festa da Vinha e do Vinho. O presidente do município preparava-se para fazer, no final desse dia, juntamente com os vereadores, um balanço de mais uma edição do evento.

“Às quatro e meia da tarde, telefonaram-me da Câmara a dizer que tinha caído a estrada”, conta António Anselmo. O autarca pensou que “fosse uma outra, mais perto de Vila Viçosa, que de vez em quando tinha abatimentos”. Afinal, era a estrada municipal (EM) 255, que liga Borba a Vila Viçosa.

Nesse dia, há quase um ano, um troço de cerca de 100 metros colapsou, causando a morte de dois operários de uma empresa de extração de mármore que àquela hora operavam uma retroescavadora numa pedreira em atividade. A derrocada arrastou outras três pessoas, ocupantes de duas viaturas que, na altura, passavam no local e que acabaram por cair no plano de água de uma segunda pedreira, esta já desativada.

“Peguei no vereador Espanhol [vice-presidente do município] e fomos ao sítio e aquilo era qualquer coisa do outro mundo”, recorda o autarca, num encontro improvisado, várias vezes adiado, que acabou por juntar os jornalistas após insistentes pedidos de entrevista.

Uma estrada há muito sinalizada

Não obstante ter passado de nacional a municipal em 2005, a estrada 255 continuava a ser a via de ligação privilegiada pelas populações de Borba e Vila Viçosa. A preocupação com a segurança rodoviária, tendo em conta a proximidade das empresas do setor com a estrada e a constante circulação de veículos pesados e ligeiros, existia desde meados dos anos 1990, quando foi decidido o Plano Regional de Ordenamento do Território da Zona dos Mármores (PROZOM).

O plano só ficaria pronto oito anos mais tarde e por essa altura, em Borba, já o Plano de Urbanização do concelho apontava para a construção de uma variante à EN 255. Seria construída em 2003, reduzindo, assim, os riscos para as populações e dando-lhes uma alternativa à antiga municipal.

A falta de segurança no troço voltaria à ribalta em 2014, quando a Rádio Campanário, rádio local sediada em Vila Viçosa, noticiou que estaria a ser avaliado o encerramento total da estrada, fundamentado em estudos quer da Universidade de Évora, quer do Instituto Superior Técnico. A noticia foi avançada depois de uma reunião onde participaram empresários do setor, o presidente da Câmara de Borba e elementos da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG).

Sem se alargar em comentários sobre se tinha conhecimento do perigo da estrada, António Anselmo diz agora que só teria feito diferente se “tivesse informação correta e por escrito”, o que até então não tinha acontecido, garante.

“Depois do que se passou toda a gente sabe de pedreiras, toda a gente sabe de estradas”, ironiza. “Qualquer presidente de Câmara, com informação escrita, acha que não fechava a estrada? Claro que fechava, mas tinha de haver informação escrita e correta”, insiste o autarca. “Lamentavelmente foi precisa esta tragédia, onde morreram cinco pessoas, para de um momento para o outro se desencadear um processo que, na minha opinião, já devia ter sido feito há muito tempo.”

Há 191 pedreiras em situação crítica

Entre outros, o presidente da Câmara de Borba refere-se ao pedido do Governo, feito prontamente após a tragédia, para a inspeção urgente ao licenciamento, exploração e fiscalização das pedreiras, tendo avançado, de imediato, com 150 mil euros do Fundo Ambiental para colocar sinalização naquelas em que foram detetados riscos.

O primeiro levantamento exaustivo deste género em Portugal avaliou 1.426 pedreiras licenciadas pela Direção-Geral de Energia e Geologia e concluiu que 191 pedreiras estão em situação crítica.

Face a este panorama, no início do ano foi aprovado um Plano de Intervenção nas Pedreiras em Situação Crítica, a executar de 2019 até 2021, com o objetivo de verificar a situação real e adotar medidas prioritárias.

Trata-se de um investimento na ordem dos 14,3 milhões de euros suportados pelos exploradores das pedreiras ou pelos proprietários dos terrenos onde estas se localizam, estando, no entanto, disponíveis 2,2 milhões de euros anuais de fundos públicos, através do Fundo Ambiental, para “situações de manifesta urgência”.

“Ficámos pasmados com os números que vimos nesse levantamento, não só no Alentejo mas em todo o país”, alude o autarca de Borba. “A Empresa de Desenvolvimento Mineiro fez a sinalização de todas as pedreiras em risco e, neste momento, é o que estamos a fazer aqui em Borba, mas também em Estremoz e Vila Viçosa”, acrescenta, alertando para a necessidade de “mais fiscalização”, como forma de evitar uma repetição da tragédia de 19 de novembro de 2018.

Sobre este caso, o ministro do Ambiente declarou recentemente que o Governo "fez o que tinha de ser feito", remetendo mais revelações para esta terça-feira, dia em que se marca um ano da derrocada.

“Aquilo que tivemos de fazer, fizemos", garantiu João Pedro Matos Fernandes aos jornalistas. "Em primeiro lugar, cuidar depressa daquilo que era a indemnização das famílias das vítimas e está feita e liquidada. E, em segundo, fazer uma transformação grande no que são as condições de segurança de pedreiras com o seu espaço exterior”, adiantou o ministro, acrescentando que esse trabalho será dado a conhecer no “aniversário fatídico do acidente de Borba”.

Contas saldadas. Indemnizações pagas

Para o presidente da câmara de Borba, “o Estado teve uma atitude muito correta ao assumir o pagamento da indemnização aos familiares das vítimas”.

"O Estado quando quer funciona bem e quanto ao resto iremos esperar com muita ponderação e com muita atenção”, remata António Anselmo.

“O resto” é o processo judicial que está em curso. Quanto às indemnizações, os 19 familiares e herdeiros das vítimas mortais da derrocada receberam do Estado, sete meses depois do acidente, um montante global de 1.626.706 euros, num processo que foi conduzido pela Provedora da Justiça, Maria Lúcia Amaral, a pedido do primeiro-ministro, António Costa, num processo saudado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Nove arguidos no caso da pedreira de Borba

No que respeita ao processo judicial, António Anselmo diz não saber se é arguido, depois de o Ministério Público (MP) ter revelado que já constituiu nove arguidos, um deles uma pessoa coletiva, no âmbito do inquérito ao acidente que provocou cinco mortos.

“Está tudo em segredo de Justiça e eu não sei nada. Quando houver notícias falarei, mas neste momento está em segredo de Justiça e não tenho nenhuma informação oficial de coisa nenhuma.”

Em comunicado, o MP divulgou, a 11 de novembro, que “até ao momento, e para além dos exames médico-legais relativamente às cinco vítimas mortais, foram ouvidas 21 testemunhas, constituídos nove arguidos, sendo um deles uma pessoa coletiva, foram concluídos exames periciais e analisada inúmera documentação”.

Na nota, publicada na página do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Évora, o MP refere ainda que há ainda diligências em curso para que o inquérito fique concluído e seja encerrado.

São diligências "tendentes à obtenção de elementos de prova documental que se reputam como essenciais à descoberta da verdade e à qualificação jurídico-criminal dos factos e ainda elementos de prova pessoal", sublinha o MP. O inquérito conta com a participação da Polícia Judiciária (PJ).

A lição que se aprendeu aqui em Borba servirá para evitar mais tragédias”

A convicção é do presidente do município. “A gente aprende sempre com as coisas más e para mim, em termos pessoais, foi brutal”, recorda o autarca.

Há um ano, esteve sempre no centro da “exposição mediática” e foi com mágoa que recebeu muitas declarações proferidas a seu respeito. A que mais o magoou e que não lhe sai da memória: “O presidente da Câmara matou cinco pessoas.”

“É evidente que isto marca, mas temos de ter coragem e estamos cá para os bons e os maus momentos”, refere, lamentando, porém, que Borba tenha ficado conhecida “pelo pior quando temos tantas coisas boas”.

António Anselmo garante que “nunca na vida me irei esquecer de uma coisa destas”, ao mesmo tempo que pede “mais atenção” para que não volte a ser necessário colocar na prática o ditado “casa arrombada trancas na porta, como dizem no Alentejo”.

Sobre o futuro da estrada municipal 255, ainda cortada ao trânsito e sinalizada com acesso permitido apenas a fábricas e pedreiras em funcionamento, o autarca refere que, ainda antes das eleições legislativas de outubro, houve uma reunião com o ministro das Infraestruturas, na qual ficou decidido que se deve "esperar que o processo em si esteja concluído e depois logo se toma uma decisão”.

O presidente do município adianta que há várias possibilidades que podem ser equacionadas. “Há quem pense na reconstrução, há quem pense num passadiço muito grande, que permita circular pessoas ou até bicicletas, mas vamos ver. Tem de haver uma solução."

"Está a passar um ano e aquilo não pode ficar assim para o resto da vida”, destaca. "Estou convencido de que o Governo estará atento a isso."

Sem estes seis quilómetros de estrada antiga, as populações de Borba e Vila Viçosa apenas têm como alternativa a variante entre os dois concelhos, que liga a autoestrada 6 (A6).

A mais complexa operação de proteção civil, de sempre, em Portugal

Eram 15h49, de 19 de novembro de 2018, quando o alerta chegou ao quartel dos bombeiros voluntários de Borba. Antevendo a gravidade da ocorrência, a queda da estrada 255 entre Borba e Vila Viçosa, o comandante da corporação seguiu atrás das duas ambulâncias que enviou para o local.

Começava, assim, de acordo com Joaquim Branco, “a maior operação de proteção civil no país, não pela sua dimensão, mas pela sua complexidade”, e que “envolveu um número recorde de operacionais, todos coordenados, para resgatar os corpos”.

13 dias, 651 operacionais, 402 veículos, 70 mil metros cúbicos de água barrenta drenados e o resgate de cinco vitimas mortais. Os números confirmam a dificuldade desta operação de resgate na pedreira de mármore atingida pelo desabamento de 100 metros do troço da estrada municipal 255.

Uma operação “pensada diariamente” e dirigida, “de forma eficaz” pelo Comandante Operacional Distrital de Évora, José Ribeiro, e desde a primeira hora, classificada como de “elevada perigosidade”, pela Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC), mas que decorreu sem qualquer incidente.

Foram praticamente duas semanas de trabalhos executados de “grande complexidade e exigência técnica”. Por exemplo, chegaram a estar instaladas no local, três bombas que auxiliaram na retirada de 770 metros cúbicos de água, com o objetivo de diminuir o nível, com a agravante da chuva que caiu durante alguns dias na zona, dificultando as operações.

O balanço realizado pela ANPC destaca o ambiente adverso em que as operações decorreram, tendo em conta “o risco iminente de novas derrocadas, quer devido às condições meteorológicas que se fizeram sentir na região ao longo de toda a ação”.

Os operacionais só conseguiram descer à pedreira um dia após a derrocada, atendendo à inconstância dos terrenos, e depois de ter sido feita uma avaliação pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil. Aliás, a segurança dos operacionais foi sempre acautelada, visto as manobras de resgate efetuadas no fundo da pedreira serem muito perigosas.

“Um dos grandes problemas foram as condições de segurança”, recorda o comandante dos voluntários de Borba, Joaquim Branco, de 56 anos, e com uma experiência de mais de três décadas ao serviço dos bombeiros. “No decurso dos trabalhos havia pequenos aluimentos de terra e perante isso não podíamos arriscar e colocar os operacionais no terreno”, confirma.

O elevado grau de resiliência, a especialização dos meios operacionais e uma relevante cooperação entre todos, são aspetos que sobressaem desta operação inédita em Portugal, tendo contado com a utilização de equipamento tecnológico sofisticado. São disso exemplo, os equipamentos disponibilizados pela Marinha, pelo Instituto Hidrográfico e pelo INESC-TEC e, ainda, segundo a ANPC, os “equipamentos de monitorização em tempo real da escarpa (delsar e drones)”, do Laboratório Nacional de Engenharia Civil e da Engenharia Militar.

“Houve avanços, houve recuos, mas tudo se resolveu com um trabalho muito bem feito, de cooperação entre muitas entidades, que deram um excelente contributo para que esta operação tivesse sucesso no resgate dos corpos, para que as famílias em desespero fizessem o seu luto”, acrescenta Joaquim Branco.

O próprio comandante reconhece que preferia a estrada municipal à variante, afirmando que “nunca me passou pela cabeça que houvesse uma fragilidade na consistência daquela via.”

Acredita que, “após este acontecimento, as autoridades ficaram mais despertas em termos de fiscalização”, acordando para a necessidade de “verificar a sua segurança”, para que não se voltem a “confrontar com situações como esta”.

A comandar, há 12 anos, os bombeiros de Borba, Joaquim Branco sabe que a “data ficará marcada na história da nossa terra”, desejando que “nunca mais suceda nada semelhante”.

As vítimas mortais foram dois trabalhadores da pedreira que estavam a laborar no momento da derrocada, Gualdino Pita, de 49 anos, e João António Xavier, de 58; e três homens que seguiam em dois veículos na estrada 255: Fortunato Ruivo, 85 anos, do Alandroal, José Rocha, de 53 anos, e Carlos Lourenço, de 37.
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