Um ano de "Coletes Amarelos"

Coletes Amarelos. Um "movimento histórico" que falhou os seus objetivos

16 nov, 2019 - 12:45 • Redação com Lusa

Jerome Rodrigues, um lusodescendente que perdeu um olho numa das manifestações, tornou-se um dos rostos do movimento. Um ano depois da primeira manifestação, reconhece que pouco mudou na sociedade francesa

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Este domingo completa-se um ano desde o aparecimento do movimento de protesto dos "coletes amarelos". Um movimento que dividiu o país e a opinião pública e que criou um grande desafio à governação de Emmanuel Macron. Um ano depois, ativistas e analistas olham para movimento e classificam-no como "histórico" - apesar de, consideram, não ter levado grandes mudanças na vida política e social em França.

Ainda assim, a mudança chegou à vida dos que se manifestaram. Foi o caso de Jerome Rodrigues, um lusodescendente que perdeu um olho numa das manifestações.

"Sou uma personalidade pública. E isso mudou muita coisa", disse à Lusa Jerome Rodrigues. Uma bala de borracha atingiu um dos seus olhos. Desde aí, tornou-se um ícone da resistência e uma das principais figuras do movimento.

Uma fama que trouxe muita coisa negativa. "Houve um impacto muito negativo, tenho o Governo nas minhas costas, sou assediado na Internet e até já me mandaram para Portugal nas redes sociais. Eu, que nem sequer tenho nacionalidade portuguesa!", revela à agência de notícias.

O "colete amarelo", que conta com quase 50 mil seguidores nas redes sociais, tem viajado um pouco por toda a França para falar das suas ideias e tornou-se figura assídua na televisão francesa. "A parte positiva é fala com muita gente, aprender muito", salienta.

Uma mudança que não aconteceu

A vida do lusodescendente mudou, mas é o primeiro a admitir que as reivindicações do movimento estão ainda por ser conseguidas.

"Mudanças não [houve], porque não ganhámos quase nada. Mas a maneira de contestação é diferente. Mostrou um contrapoder que já não era feito pelos sindicatos ou a oposição política", diz.

A mesma perspetiva de Jerome é adoptada por Luc Rouban, diretor de investigação no Centre National de la Recherche Scientifique e na Sciences Po Paris, e especializado na transformação do Estado e nas elites.

"Os 'coletes amarelos' falharam. Conseguiram obter recuos por parte do Governo nalgumas questões de impostos, mas tudo que dizia respeito às mudanças do sistema político e à saída de Emmanuel Macron não teve qualquer resultado", indicou o investigador, precisando que muitas das reivindicações eram "utópicas" e que os franceses, apesar de tudo, gostam da V República.

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As imagens dos protestos numa das primeiras manifestações do movimento

Para este investigador, medidas do Governo em resposta ao movimento como o Grande Debate, que levou a debates entre eleitos e cidadãos em toda a França, diminuição de certos impostos ou mesmo a subida do salário mínimo, foram apenas algo pontual, decidido por um Presidente que está "encurralado".

"Ele [Emmanuel Macron] está agora numa posição defensiva e está encurralado. É obrigado a continuar as suas reformas, porque senão não tem nada para apresentar, e ao continuá-las, é também obrigado a compensá-las com medidas pontuais para assegurar o equilíbrio social", diz o académico.

Mesmo com as suas fraquezas, para Priscillia Ludosky, a "colete amarelo" que iniciou o movimento ao lançar a petição pública contra o aumento dos combustíveis, viveu-se algo histórico.

"Permitiu a pessoas completamente diferentes empenharem-se numa causa comum e aprender a trabalhar em conjunto. E hoje, tentam mudar as coisas juntas. [...] É um movimento histórico, que ficará na História independentemente do que digam", disse à Lusa Priscillia Ludosky.

Luc Rouban concorda com o facto de ser histórico, mas qualifica-o também de original.

"É certamente um movimento histórico. Mas é um movimento original que se distingue dos movimentos sociais que são normalmente estruturados por categoria profissional ou à volta de um problema específico. E também não é político, porque recusam qualquer filiação quer a partidos, quer a sindicatos", destacou.

Segundo Luc Rouban, a grande herança do movimento é estar a levar vários setores da sociedade a mobilizarem-se.

"Agora assistimos a uma nova etapa em que as pessoas se estão a aperceber que tentar mudar o sistema político pondo-se à parte não muda grande coisa, porque os 'coletes amarelos' desapareceram rapidamente do mapa, mas há uma nova vaga de movimentos sociais clássicos junto dos estudantes, dos hospitais ou da polícia", explicou o politólogo.

Com dificuldades de organização interna, os coletes amarelos querem agora constituir um lóbi cidadão de forma a continuarem a lutar por uma maior participação direta na democracia, sem deixar as ruas.

Este sábado voltaram às ruas. Autoridades francesas já detiveram mais de 40 pessoas.

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