09 nov, 2019 - 10:16 • Lusa
O primeiro-ministro condecora este sábado Carlos do Carmo com a medalha de mérito cultural pelo seu "inestimável contributo" para a música portuguesa, no dia em que o fadista dá o seu último concerto, "Obrigado!", no Coliseu de Lisboa.
"Num gesto simultâneo de agradecimento e de reconhecimento pelo inestimável trabalho de uma vida dedicada à divulgação do Fado e da música portuguesa, difundindo em Portugal e no estrangeiro a cultura e a língua portuguesas, ao longo de mais de cinquenta anos, entende o Governo Português prestar pública homenagem a Carlos do Carmo, concedendo-lhe a medalha de mérito cultural", lê-se no texto biográfico que será impresso no diploma que acompanhará a medalha de mérito cultural.
Carlos do Carmo foi agraciado com o Grau de Comendador da Ordem do Infante Dom Henrique a 4 de setembro de 1997, pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio, e com o Grau de Grande Oficial da Ordem do Mérito a 28 de novembro de 2016, pelo atual chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa.
Num artigo que é publicado este sábado no semanário Expresso, intitulado "Inverno não ainda, mas outono", António Costa refere que Carlos do Carmo escolheu a noite deste sábado para dar o seu último concerto.
"Com 45 anos de carreira bem vividos e a um mês de comemorar 80 anos de vida, temos de respeitar esta escolha. Hoje, no Coliseu de Lisboa, não nos despedimos, nem iniciamos a saudade. Festejamos mais esta etapa da carreira e da vida do Carlos do Carmo, como que uma nova estação do ano", escreve o primeiro-ministro.
"Inverno não ainda, mas outono", o título deste artigo, foi o primeiro verso do poema de Ary dos Santos que Caros do Carmo selecionou para encerrar a coletânea de 80 canções que este ano editou como Oitenta.
De acordo com o primeiro-ministro, o outono "é a estação em que a natureza se renova e acolhe novas sementeiras".
"E seguramente que o mais notável contributo de Carlos do Carmo para a Cultura portuguesa é a forma como militantemente renovou o fado e o preparou para novas colheitas. Sim, Carlos do Carmo não é só um notável fadista, que o público, a crítica e um Grammy consagraram. Desde logo, porque canta muito mais que o fado, como os tributos que presta aos seus ídolos Brel ou Sinatra bem demonstram. Mas porque é mesmo um militante do fado", considera o líder do executivo.
António Costa sustenta depois que foi com militância que Carlos do Carmo "libertou o fado do estigma de símbolo da ditadura e o renovou no Portugal de abril".
"A militância que prossegue, que mobiliza novos compositores e poetas, que encoraja e acarinha novos intérpretes, que valoriza os instrumentistas, que conquista novos públicos. A militância que levou a UNESCO a reconhecer o fado como património imaterial da humanidade. É com este espírito que sonhou o Museu do Fado como uma verdadeira escola para o futuro, porque depois do tempo, tempo vem, e o fado também se há de continuar a renovar e para renovar é preciso aprender o que de velho se faz novo", acrescenta o primeiro-ministro.
Obrigado, mas é tempo de "acalmar"
"É altura de acalmar", disse o fadista em entrevista à agência Lusa, recordando que começou a cantar há 57 anos.
"É só uma saída de cena, dos palcos", sublinhou Carlos do Carmo, afirmando que a decisão "não foi difícil" de tomar, "foi pensada" e "este era o momento".
"Tomei-a no ano passado. São 57 anos a cantar, quase no mundo inteiro. São poucos os países onde não cantei. Foi muita viagem, [foram] muitos hotéis, muitos palcos, é muita coisa e é uma altura boa de acalmar. E como gosto muito de ouvir cantar bem, ainda me vou desforrar a ouvir quem canta bem", disse o fadista à Lusa.
Carlos do Carmo recusa-se a salientar qualquer uma das salas onde já cantou, "pois seria até ingrato, não era justo estar a escolher um ou outro" palco, mas destacou "o peso da emigração", que sempre o recebeu "como um rei".
"Passei momentos muito bonitos em grandes salas, em salas mais modestas. Às vezes estava em Paris e aparecia alguém que me perguntava se eu não me importava de ir cantar ao seu restaurante com os meus guitarristas, e eu ia cantar para 50/60 pessoas, e isso dava-me muito prazer, não tive esses preconceitos", declarou.
O fadista afirmou que "é muita coisa vivida, [são] muitas experiências", num percurso profissional de 57 anos.
Carlos do Carmo, distinguido em 2004 com um Grammy Latino de carreira, cantou no Olympia e no Auditório Nacional, em Paris, no Le Carré, em Amesterdão, no Place des Arts, em Montreal, no Canadá, nas óperas de Frankfurt e de Wiesbaden, na Alemanha, no 'Canecão', no Rio de Janeiro, e no Memorial da América Latina, em S. Paulo, no Brasil, no Royal Albert Hall, em Londres, entre muitas outras salas.
Referindo-se ao concerto, já esgotado, Carlos do Carmo disse que foi "todo construído" pelo filho Alfredo de Almeida, que é o seu agente, o que lhe acontece pela primeira vez na carreira.
"Não dei um palpite. Nunca me aconteceu na minha carreira, pois sou sempre eu que faço o guião, o alinhamento", enfatizou, acrescentando que os dois concertos anteriores, em Braga e no Porto, "correram muito bem".
A acompanhá-lo vai estar um trio já habitual, composto por José Manuel Neto, na guitarra portuguesa, Carlos Manuel Proença, na viola, e Marino de Freitas, na viola baixo.
Carlos do Carmo, que completará em dezembro 81 anos, é, segundo a "Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX", uma "figura marcante no estabelecimento de mudanças na tradição fadista", sendo uma das "suas maiores referências, com reconhecimento nacional e internacional".
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, anunciou a presença no concerto "Obrigado!", "um adeus ao público português", a revisitação de um percurso de mais de 50 anos do cantor.