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​Eleições em Espanha

Fernando Jáuregui: “À alemã é melhor que acordo à portuguesa”

08 nov, 2019 - 23:16 • José Bastos

“A razão para o aumento dos votos na extrema-direita é a regressão da sociedade espanhola por causa da Catalunha e da imigração”, diz o colunista que defende um acordo PSOE-PP para a governabilidade de Espanha.

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Os dados estão – espera-se – quase todos já lançados. Depois da campanha eleitoral mais curta da história recente de Espanha, os espanhóis preparam-se para votar este domingo. Uma campanha fugaz, nivelada e dominada, pela Catalunha. A novidade parece ter sido não ter havido novidades num momento de grande descrédito da classe política espanhola resultado de quatro eleições gerais desde 2015. Mas quando os focos acenderem de novo este domingo à noite a novidade será o reforço da extrema-direita? Será o Vox o partido que mais distorção irá gerar no desenho partidário espanhol?

“A razão para o aumento dos votos na extrema-direita é haver uma clara involução, uma regressão, da sociedade espanhola alimentada basicamente pela questão da Catalunha e também pela imigração”, diz à Renascença, Fernando Jaurégui, um dos mais prestigiados colunistas políticos de Espanha.

Autor de vários livros sobre a política espanhola, comentador da TVE e da Cadena Cope e antigo director de vários jornais, Fernando Jaurégui defende uma solução “ao centro” PSOE-PP para permitir a governabilidade em Espanha. “Se os alemães foram capazes de fazer um acordo desse tipo, ao centro, porque é que nós não somos? Eu prefiro um acordo 'à alemã' que 'à portuguesa'. Gostaria de um acordo 'à portuguesa', mas aqui não vejo condições”, diz.

As sondagens estão proibidas desde terça-feira, mas estão a ser feitas. Os últimos dados conhecidos dão o Vox a devorar o Ciudadanos e até o sistema de repartição de lugares pode prejudicar o PSOE e a coligação Unidas Podemos. Até onde pode ir a surpresa?

Um dos elementos mais absurdos que ocorrem nas campanhas eleitorais em Espanha - e a verdade é que estão cheias de elementos surrealistas - é a proibição de sondagens alguns dias antes do dia de votação. De tal forma que na segunda-feira passada teve lugar o importante, porque único debate televisivo, entre os cinco principais líderes partidários e não foi possível saber a influência desse confronto de ideias na intenção de voto dos eleitores. Não foi possível por não se podem publicar consultas de opinião. Ridículo. Mas, em qualquer caso, claro que se publicam por baixo do pano, publicam-se na internet, até há um jornal de Barcelona o "Periódico da Catalunha" que se publica em Andorra e aí já revela as sondagens e todos as podemos ver.

Assim sendo, os últimos dados apontam para o PSOE, o Partido Socialista, a vencer as eleições, mas por uma maioria claramente insuficiente para poder governar por si só. Em segundo lugar teremos o Partido Popular, líder da oposição a aumentar o número de assentos parlamentares atuais, mas a não chegar aos 100 deputados.

E agora chegamos ao dado curioso e importante: o terceiro partido seria o Vox, o partido da direita radical, a extrema-direita, nas últimas semanas a transitar numa ascensão incrível, ainda de acordo com estas sondagens.

O VOX que poderá ter entre 40 a 50 deputados, um número significativo de um total de 375 no Congresso dos Deputados. A seguir vem o Ciudadanos. Se as sondagens acertam o Ciudadanos é um partido que pode perder até 50 deputados ou mais o que, a confirmar-se, digo eu, levará à demissão de Albert Rivera em plena noite eleitoral. Uma tal perda de votos significaria que - como muitos de nós pensamos - Albert Rivera cometeu erros crassos nas suas posições e, no fundo, boa parte da responsabilidade de que estejamos agora de novo a repetir eleições, as quartas em quatro anos, é do partido Ciudadanos que não aceitou 'ajudar' Pedro Sánchez numa solução governativa.

O facto de nenhum dos candidatos ter confrontado Santiago Abascal, líder do Vox, no debate da TVE, é uma das razões a justificar a aparente subida da extrema-direita? O eleitorado rejeita este cordão sanitário em democracia?

Não, não creio. A razão para o aumento dos votos na extrema-direita é haver uma clara involução, uma regressão, da sociedade espanhola alimentada basicamente pela questão da Catalunha e também pela imigração. O VOX tem essas abordagens clássicas de empregar "mão dura" na Catalunha, aplicar aos catalães os artigos mais duros da Constituição, expulsar os imigrantes, dizer 'um não' à igualdade de género, enfim, o não há lugar a alterações climáticas. Mas vamos fazer o quê? Há muitos espanhóis que pensam assim e que se sentem constrangidos pela imigração, pelo que sucede na Catalunha, porque já começam a ter dificuldades e surgem muitas desigualdades económicas. Creio serem estes os fatores.

Então porque é que ninguém confrontou o VOX no debate da TVE? Porque o Partido Socialista decidiu ignorar o partido o mais que pode. Porque Unidas Podemos, a coligação à esquerda do PSOE também o decidiu ignorar e os outros dois, PP e Ciudadanos, podem vir a precisar do VOX. PP e Ciudadanos sabem que vão ter de aliar-se com o partido liderado por Santiago Abascal num eventual quadro de maioria à direita, cenário em que não acredito. O debate televisivo foi anedótico e não teve demasiada importância. O verdadeiramente importante na subida do VOX é esse 'involucionismo', esse elemento de regressão de valores em curso na sociedade espanhola.

Casos como o facto de há dias Pedro Sánchez ter colocado em causa a independência do Ministério Público deixando entender que ele próprio os controla será mais um a aumentar a fatura do 'fator Catalunha' nas urnas?

O efeito do 'fator Catalunha' nas urnas não é nesta altura ainda totalmente claro. Não o podemos saber. Como não temos um grau de fiabilidade elevado nas sondagens que vamos conhecendo não podemos antecipar com rigor esse efeito. Em qualquer caso parece ter um efeito decisivo. Este sábado, jornada de reflexão, vai ser a oportunidade em que muitos catalães destes que têm passado o dia manifestando-se, incendiando contentores, e por aí fora, planeiam organizar grandes momentos de agitação nas ruas.

Admitamos que corre mal. Quando alguém brinca com fogo um dia acaba por se queimar. Pode haver um morto. Esse dado poderia ter um efeito devastador sobre as possibilidades eleitorais de Pedro Sánchez. Não acredito que possa haver uma tragédia desse tipo. Mas não deixo de dizer que se passa na Catalunha está a provocar um fenómeno de 'involução' no corpo social espanhol e isso terá o efeito correspondente nas urnas no crescimento do Vox.

Já o que disse Pedro Sánchez em relação aos procuradores do MP e a poder extraditar da Bélgica Carles Puigdmont foi claramente um erro. O próprio Sánchez já o reconheceu ao dizer que abordou a questão com demasiada ligeireza. Mas também não deixa de ser verdade que em Espanha a separação de poderes teorizada por Montesquieu é vista de forma um pouco ligeira. Quero eu dizer que aqui a interpretação não é tão clara como em França, ou na Alemanha ou até em Portugal. Aqui é evidente que os governos - não apenas o de Sánchez, mas todos - sempre tentaram dar ordens à Procuradoria Geral do Estado. Sempre.

É também óbvio que aqui o papel do parlamento, do legislativo, também não é aquele que Montesquieu defendia, mas o poder judicial tão pouco está a ser exemplar, entre outras coisas, porque o Supremo Tribunal e o Conselho do Poder Judicial - o órgão de governo dos juízes - já ultrapassaram o fim do seu mandato em 10 meses. O mandato já devia ter sido renovado há 10 meses e lá continuam como se nada se tivesse passado. Se Montesquieu levanta a cabeça e vê a separação dos três poderes em Espanha vai certamente sair a correr assustado...

Se o resultado das eleições não desenha um quadro diferente do actual quem vai ter de dar o primeiro passo? Sánchez vai recorrer ao apoio parlamentar dos nacionalistas bascos e catalães e a que preço? Com promessa de viragem em direção a um modelo federal? Com autorização de um referendo?

Acredito que de nenhuma forma vai haver lugar a um acordo 'à portuguesa - como aqui se chamava - entre o Partido Socialista e as forças à sua esquerda. O nosso 'Unidas Podemos' não é a formação política de Catarina Martins, o BE, nem pouco mais ou menos e também não temos uma Partido Comunista com essa estrutura sólida como tem em Portugal. Essa hipótese de uma 'geringonça' não se vai dar porque já se demonstrou ser impossível de concretizar. Já um acordo com os independentistas catalães não convém a Sánchez e não vai ter lugar porque, creio, o corpo social espanhol não o iria tolerar.

Em função dos resultados das sondagens a não dar maioria absoluta a nenhuma dos blocos, de esquerda ou de direita, a única possibilidade de viabilizar um governo seria que o PP de Pablo Casado, a força política conservadora, se abstenha na segunda votação para eleger Pedro Sánchez como primeiro-ministro e permita, com contrapartidas, que o Partido Socialista governe, pelo menos, durante dois anos de legislatura. Esses dois anos seriam para empreender grandes reformas e uma espécie de regeneração da política espanhola que se encontra totalmente viciada. Estamos em crise há já quatro anos e o odor da baixa política cada vez se sente mais aqui em Espanha.

A cada dia é mais insuportável esta política de curto prazo, sem ideias, sem moral, sem patriotismo. Felizmente temos este domingo a oportunidade para retirar de cima esse lastro, essa lage muito mais pesada que a de Franco no Valle de Los Caídos e é chegada a hora de um acordo transversal. É chegada a hora de deixar de falar em direitas e esquerdas, das duas Espanhas a que nos condenou o grande poeta António Machado, e, sem mais delongas, chegar a um acordo transversal de governo e de reformas.

Não um governo de coligação, mas um executivo em que governe o mais votado - seguramente o PSOE - mas ajudado por outras formas de distinto sentido ideológico. A verdade é que se comparado o programa eleitoral do PSOE e do PP damos conta de que não são assim tão diferentes... Se os alemães foram capazes de fazer um acordo desse tipo, ao centro, porque é que nós não somos? Eu prefiro um acordo 'à alemã' que 'à portuguesa'. Gostaria de um acordo 'à portuguesa', mas aqui não vejo condições para isso...

... e, para resposta breve, a Catalunha?

... e acreditas que se pode ser breve a falar da Catalunha? Já se leva um século de conflito e ainda nada se resolveu. O problema da Catalunha terá de se resolver com diálogo. Felizmente as forças independentistas catalãs estão divididas. A cada dia que passa estão ainda mais divididas. Se o governo central for um governo forte que resulte de um acordo ao centro, se os constitucionalistas ficarem todos do mesmo lado poderá alcançar uma espécie de pacto para a Catalunha. Como dizia Ortega y Gasset seria um pacto de 'conllevancia', um pacto de implicação, de responsabilização.

Não existe solução definitiva para a Catalunha. Hoje por hoje não a vejo. O que existe são soluções a um horizonte de 20, 30 anos como fez em 1997 Adolfo Suaréz com Josep Tarradellas. Aplica-se uma solução alterando alguns artigos da Constituição, fazendo algumas concessões económicas e, claro, aplicando uma política de 'mão firme' quando necessário, porque entendo que uma tentativa de golpe de estado, como a que se tentou colocar em prática em Outubro 2017, tem de ser sancionada penalmente. Mas, neste caso na Catalunha, a política tem prevalecer depois dos juízes fazerem o seu trabalho.

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