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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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​Jorge de Sena

06 nov, 2019 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


As relações entre Jorge de Sena, uma personalidade superior, e o meio cultural português foram e ainda são difíceis. Sena não perdoava a mediocridade – e, em resposta, boa parte do meio cultural do país tentava ignorá-lo.

Na Biblioteca Nacional, em Lisboa, inicia-se hoje um colóquio sobre a crítica literária de Jorge de Sena. Este intelectual foi, em vida (morreu em 1978) e depois, um tanto ignorado em Portugal. Há mesmo quem compare as várias e justas celebrações do centenário de Sophia de Mello Breyner Andresen com as escassas iniciativas a propósito do centenário de Jorge de Sena, quatro dias mais velho do que Sophia.

A verdade é que Sophia e Sena eram admiradores mútuos e grandes amigos. Em 2006 foi publicado um livro (ed. Guerra & Paz) bem interessante, com a correspondência entre ambos. E são de esperar novas iniciativas para comemorar o centenário do nascimento de Jorge de Sena.

Trata-se de uma figura invulgar, que deixou uma enorme obra, apesar de ter morrido aos 58 anos. Sena era engenheiro de formação, mas foi professor universitário no Brasil e nos Estados Unidos em áreas ligadas à literatura; foi também poeta, romancista, dramaturgo, profundo conhecedor de Camões e Fernando Pessoa, etc.

A relação de J. Sena com o Portugal dito culto sempre foi complicada. Por um lado, Sena não se coibia de criticar, por vezes ferozmente, a cena cultural do país. Ele próprio o disse: “não perdoo a ninguém a mediocridade, a estupidez, a vileza, a malignidade, a incultura, a suficiência, a intolerância, o espírito de compromisso, a cobardia moral". Alvo de críticas violentas, boa parte do meio intelectual português não encarava Sena como “persona grata”.

A revista “O Tempo e o Modo” dedicou-lhe em 1968 um número inteiro – mas era uma exceção. Depois do 25 de Abril de 1974 Jorge de Sena veio a Portugal na esperança de ser convidado por alguma universidade. Mas fecharam-lhe as portas, nomeadamente as da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Este lamentável facto acentuou a amargura de J. Sena. Doía-lhe profundamente não ser reconhecido na sua pátria.

Sena foi – hoje é difícil negá-lo – uma pessoa superior. Talvez devesse não valorizar tanto o reconhecimento dos portugueses, ou melhor, a falta dele. Mas este sentimento é muito português. Desde logo em Camões.

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