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Web Summit 2019

Denunciante da Cambridge Analytica: "Continuamos incrivelmente desprotegidos"

05 nov, 2019 - 17:29 • João Pedro Barros

Brittany Kaiser, denunciante do escândalo da Cambridge Analytica tornada ativista pela proteção de dados, esteve na Web Summit para falar sobre manipulação e o que as gigantes tecnológicas podem fazer para a combater.

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Brittany Kaiser não acredita que as grandes empresas tecnológicas deem o primeiro passo para prevenir e combater a desinformação em grande escala e para dar aos utilizadores o controlo total sobre os seus dados. Porém, diz que, se quisessem, poderiam resolver o problema com nova tecnologia.

Em 2016, Brittany Kaiser, denunciante do escândalo Cambridge Analytica, estava em plenas funções na empresa que, viria a saber-se em 2018, utilizou dados de milhões de perfis do Facebook para fins políticos, nomeadamente a campanha de Donald Trump nos Estados Unidos. Entretanto, passou a ser uma ativista pela proteção de dados – mas diz que pouco mudou no mundo.

“Nos Estados Unidos e no Reino Unido, usam-se táticas para suprimir votantes, desincentivá-los e desinformá-los, tanto como em 2016. Trabalhei durante três anos e meio na empresa, fiz a campanha que levou Trump à presidência. Continuamos incrivelmente desprotegidos”, garantiu na sala de imprensa da Web Summit, esta terça-feira, na ALtice Arena, em Lisboa.

Ao segundo dia da 4.ª edição da Web Summit em Portugal, esta terça-feira, Kaiser falou em táticas que têm especialmente como alvos “mulheres e minorias” e sugeriu várias medidas que podem ser tomadas nos campos legislativo e da literacia digital. No entanto, o grande atalho para que este tipo de campanhas e de surtos de “fake news” diminua está nas mãos das grandes empresas tecnológicas, em quem claramente não confia.

“Gostava que elas dessem o primeiro passo, mas podemos ver que, em relação ao Facebook, não vão fazer isso a não ser que sejam forçados”, sublinhou. Já o Twitter decidiu banir completamente a publicidade política a partir de meados deste mês, uma decisão que Kaiser apelida de “corajosa”, mas que não pode ser a solução.

“Espero que não seja permanente. Precisamos de publicidade política para fazer as pessoas ir às urnas e interessarem-se por temas políticas. É triste que tenhamos de chegar a esse ponto para evitar a manipulação. Espero que as grandes empresas tecnológicas façam um investimento a sério”, declarou.

Vender os nossos dados?

A ativista não defende uma limitação restritiva dos dados que podem ser recolhidos, mas pede sim transparência absoluta. Por exemplo, propõe que os dados possam ser monetizados pelos seus detentores, assegurando que já existem empresas a desenvolver modelos de negócio sustentáveis nesse sentido.

“Se me derem 25% de desconto no pequeno almoço não me importo de partilhar os meus dados”, uma mercadoria que, como assinala a revista “The Economist”, é o “novo petróleo”.

“Não é justo que seja o único produto do qual os consumidores não podem retirar qualquer lucro. Devemos ter a posse da nossa informação. Já pouco podemos fazer em relação ao passado, mas é importante que possamos proteger o nosso futuro e o dos nossos filhos e netos”, frisou.

Há outros caminhos para proteger a privacidade e prevenir a desinformação, salienta Brittany Kaiser. Um deles é a educação e a sensibilização desde a infância para estas questões. A outra passa pela tecnologia.

“Se o Facebook investisse, poderia resolver o problema. Sou uma grande defensor do uso de “blockchain” [uma tecnologia também conhecida como “protocolo da confiança” e que usa a descentralização como segurança] e de encriptação avançada. Mas quem opta por uma transparência radical, como eu, deve ser remunerado por isso”, esclareceu.

Denunciantes como Rui Pinto devem ser protegidos

Quanto ao Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), aplicado na União Europeia, Kaiser considera que deve ser simplificado. “Quem é que aqui já leu as informações antes de instalar uma aplicação ou aceitar cookies? As pessoas não percebem o que leem, não há um consentimento informado”, assinalou. Na sala de imprensa ninguém admitiu ler as letras graúdas, quanto mais as miúdas.

Por último o caso do denunciante português Rui Pinto, do caso “Football Leaks”. Brittany Kaiser admitiu não conhecer bem o caso, mas encoraja a União Europeia a autorizar “proteção adicional” aos informadores.

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