30 out, 2019
É natural que as dezenas de deputados novos precisem de conhecer os cantos da casa; é menos natural que tudo pareça resumir-se a umas quantas querelas acerca de onde sentar os parlamentares, mormente os dos partidos novos, e sobretudo André Ventura, o representante do Chega. A deputada do Livre lá se arrumou na segunda fila, embora gostasse de um assento à frente; o deputado do Iniciativa Liberal, que é de direita, andou a protestar querer uma cadeira “mais ao centro” (o que é estranho); e o Chega senta-se entalado entre um corrimão de madeira e uma deputada do CDS, um partido minguado e traumatizado pelos resultados eleitorais. Parece que o CDS não gosta de ter o Chega ao lado, porque Ventura, para se sentar, tem de incomodar a segunda fila dos centristas. Em vez de se preocupar com ideias, parte do parlamento discute cadeiras – e grande parte do parlamento gostaria que o deputado do Chega se sentasse para lá do corrimão, eventualmente numa cadeirinha à porta, sozinho e isolado, para não contagiar a democracia. Não se percebe a histeria contra o homem, que vai ter, decerto, o efeito contraproducente de lhe dar (ainda) mais publicidade e, quem sabe, um pequeno grupo parlamentar daqui a quatro anos. Ventura não contou com o meu voto, mas os votos dele não são menos válidos do que os votos na deputada Joacine Moreira. E além disso, só por má fé se pode qualificar o Chega como “fascista” ou de “extrema-direita”, como por aí se diz. André Ventura é um populista antissistema, não alinhado e politicamente incorreto em algumas das coisas que diz. Só isto. É preciso não saber nada de história para ver nele um “camisa negra” disposto a marchar ou a matar.
A guetização da cadeira do Chega é, todavia, um caso interessante de linguagem e de viés ideológico. Mais do que um jornal, na semana passada, escreveu que Ventura se iria sentar “na extrema-direita do parlamento”, enquanto o Bloco de Esquerda se sentaria “nos lugares mais à esquerda do parlamento”. O lugar de Ventura tem um qualificativo ideológico óbvio; o do BE é somente um descritivo espacial. Ninguém tem coragem de dizer que o BE se senta na extrema-esquerda do parlamento, porque isso equivaleria a uma descrição ideológica dos bloquistas (ou da CDU) como um partido de posições extremistas e radicais. Nesta nuance de linguagem está um sério problema ideológico. Por mais social-democrata, ambientalista e responsável que a extrema-esquerda portuguesa hoje se autorretrate, o facto é que no parlamento português se sentam trinta e um deputados comunistas ou neocomunistas e zero deputados fascistas. Toda a gente se afadiga em torno de espetros “fascistas”, mas ninguém repara nos radicalismos pouco democráticos de algumas das propostas fraturantes que emanam dos “lugares mais à esquerda” em São Bento. Os porquês e injustiças deste desequilíbrio judicativo seriam longa conversa. Nem vale a pena lembrar o óbvio, ainda há pouco tempo afirmado no parlamento europeu, com a aprovação de uma resolução que equipara comunismo e nazi-fascismo no horror das suas tiranias e crimes. O problema, para os democratas que se sentam do centro-esquerda para a direita no hemiciclo português, é que a URSS ganhou a II Guerra, emergindo, branqueada, ao lado dos vencedores, e que o PCP e quejandos, monopolizando o rótulo e a luta “antifascista” que não foram só seus, se acham moralmente donos da democracia, para cuja vitória em 1976, no entanto, não contribuíram muito.