21 out, 2019 - 07:00 • Maria João Costa
Manuel Alegre considera que quem votou à esquerda pode sentir-se desiludido por não haver uma nova geringonça. O histórico socialista afirma, em entrevista à Renascença, que era preciso que "haver vontades conjugadas" para que existisse novo acordo firmado entre os partidos de esquerda.
“Tenho pena. Gostaria muito que o Partido Comunista, o Bloco de Esquerda e o Partido Socialista fizessem um esforço para dar mais consistência ao espírito da geringonça” afirma o autor de Sonetos, o livro agora editado e que reúne um conjunto da lírica de Alegre.
O escritor, homenageado este ano do Festival Escritaria organizado pela autarquia de Penafiel considera que “as pessoas que votam à esquerda gostaram da geringonça”. Na análise do antigo candidato à presidência da república, “não haver uma geringonça mais consistente contraria um pouco o sentido do voto das pessoas que votaram nos partidos da esquerda”.
Questionado sobre se esse eleitorado está desiludido, afirma que sim e explica que “estão todos desiludidos”. “Os que votaram nos três principais partidos da esquerda, votaram a pensar que a geringonça continuaria. Tenho pena. O voluntarismo tem os seus limites e é preciso que haja vontades conjugadas”.
Novos partidos de direita era expectável
Nesta entrevista Manuel Alegre fala ainda da chegada de novos partidos de direita ao parlamento. O antigo deputado da constituinte faz um retrato do “declínio dos partidos tradicionais” e conclui que “há sinais que obrigam a estar atentos”.
Perante esses “sinais de novidade que podem enriquecer o debate parlamentar”, Alegre lembra que “a extrema direita está já em quase todos os parlamentos por toda a Europa” e admite: “sabia que mais cedo ou mais tarde chegaria aqui”.
O socialista manifesta, contudo, uma preocupação com a transferência de votos da esquerda para a direita. “O que faz mais impressão é que, tal como aconteceu em França e em outros países, houve em determinadas zonas uma transferência direta do voto de esquerda para a extrema direita, nomeadamente em certas zonas do Alentejo e em certos bastiões tradicionais da esquerda”.
Nesta entrevista de vida no programa "Ensaio Geral", o poeta e escritor diz ainda que na origem deste novo desenho parlamentar está o descontentamento do eleitorado.
“Temos que refletir politicamente e travar esse combate no plano político. Isto não vai lá com proclamações, vai com pedagogia”, defende.
O antigo deputado pede atenção para com “o eleitorado jovem que está desinteressado ou faz algumas confusões”. Alegre acrescenta outro diagnóstico: “ainda há desemprego, as pessoas vivem mal, ganham mal, há zonas do país que estão abandonadas como o Alentejo. Sentem-se abandonadas pelo Estado. Tudo isso é terreno fértil para a exploração do populismo e demagogia. Tem de haver uma resposta de quem está no Governo, do Estado e dos partidos políticos”.
Na semana em que o Parlamento retoma a sua atividade, o histórico socialista e poeta é homenageado do Festival Literário Escritaria organizado pela autarquia de Penafiel.
Escritores Prémio Camões unidos contra Bolsonaro
Manuel Alegre defende que todos os escritores que já receberam o Prémio Camões deveriam tomar uma posição conjunta contra Jair Bolsonaro.
Em causa está a renitência do presidente brasileiro em assinar o diploma do prémio que será entregue ao músico e escritor brasileiro Chico Buarque, o vencedor de 2019.
Em entrevista ao programa "Ensaio Geral", que é emitido na sexta-feira, o poeta que venceu o Camões em 2017, afirma estar em causa um ataque à língua portuguesa. “Não é só contra o Chico Buarque, é contra o Prémio Camões e a língua portuguesa”, afirma Manuel Alegre, que classifica a situação como “um ato de grande subdesenvolvimento cultural”.
O autor de “O Canto e as Armas” mostra-se “triste” perante este episódio e defende que “todos os prémios Camões de língua portuguesa deveriam tomar uma posição comum porque isto não é só contra o Chico Buarque, é também contra o Prémio Camões, a língua portuguesa e a cultura portuguesa”
Manuel Alegre é o escritor e poeta homenageado este ano no Festival Literário Escritaria que decorre até domingo em Penafiel.