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Futuro líder do PCP? “Não, de todo.” Pode até “não haver secretário-geral”

17 out, 2019 - 00:00 • Susana Madureira Martins (Renascença) e Maria Lopes (Público)

Com um grupo parlamentar reduzido a dois terços, João Oliveira vai manter-se à frente da bancada comunista e um dos pivots das negociações com o Governo. Desvaloriza a ausência de acordo escrito com os socialistas e promete voltar à carga com a lei laboral.

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Futuro líder do PCP? “Não, de todo.” Pode até “não haver secretário-geral”

Não se adivinham tempos muito fáceis nas negociações para os orçamentos, admite João Oliveira, tendo em conta que o PCP perdeu peso negocial no Parlamento. Mas lembra que ter um papel assinado em 2015 também não impediu o PS de se juntar à direita quando lhe deu jeito.

Vai continuar a ser líder parlamentar?
Não temos ainda essa questão decidida mas em princípio sim, manterei as minhas responsabilidades no grupo parlamentar.

A não existência de um acordo escrito com o governo do PS acalma o PCP e os críticos internos da designada geringonça?
Essa pergunta parte de duas bases que não são completamente exactas. O que aconteceu em 2015 com a posição conjunta assinada correspondeu a uma fase que foi preciso ultrapassar para vencer a resistência do então Presidente da República que só à segunda tentativa é que nomeou um Governo que tinha condições para entrar em funções.

Mas é uma posição mais confortável para o PCP?
Isso é uma questão importante: houve um erro de análise nestas eleições que foi pegar naquilo que tinha acontecido em 2015 como se fosse um guião e aplicá-lo à realidade de 2019. Ora, a circunstância é completamente diferente. Aquilo que foi preciso fazer até que António Costa fosse indigitado primeiro-ministro em 2015 agora não foi preciso porque ele foi indigitado três dias depois das eleições. Não se trata de uma questão de opção, trata-se de uma questão de desnecessidade.

Não haver nada escrito não é deixar o PS de mãos livres?
O facto de o PS andar ou não de mãos livres não depende tanto das convergências a que se chegue em soluções, seja em que matéria for. Resulta mais da circunstância da nova composição da Assembleia da República. Com a maioria absoluta, os riscos de retrocesso naquilo que se conquistou nos últimos quatro anos seriam muito mais significativos. Conseguiu-se evitá-la. Não se conseguiu outro objectivo essencial que era a CDU ter mais força para influenciar de modo mais incisivo as decisões que são tomadas na AR.

O documento de 2015 era um caderno de medidas que tinham que ser tomadas. Não havendo agora essa clarificação não deixa uma margem demasiado ampla ao PS?
A questão não está em saber o que fica ou não num papel, porque havendo intenção de convergir e havendo iniciativa para essa convergência... O PCP vai apresentar no arranque da legislatura um conjunto de propostas decisivas para alguns avanços que foram alcançados nestes quatro anos poderem ir mais longe. Que posição vai ter o PS em relação a essas iniciativas do PCP?

Boa parte dessas propostas foi chumbada pelo PS, como a legislação laboral...
Está a pegar numa, eu posso pegar noutras, como a do PART - Programa de Apoio à Redução Tarifária nos Transportes Públicos, com o alargamento da oferta dos transportes que queremos que vá mais longe. Que posição vai o PS ter em relação a essa questão? Ou em relação aos aumentos dos salários e das pensões? Ou do investimento nos serviços públicos? Nada disso fica limitado por não haver uma posição conjunta assinada. Havendo vontade do PS de convergir... pode-se avançar em tudo isso.

O PS também tem as mãos livres para entendimentos com o PSD.
E em que é que a posição conjunta evitou isso nos últimos quatro anos? Deixe-me usar um conceito que nos ajude a ultrapassar esta dúvida: há algum fetiche criado em torno do papel que verdadeiramente não se justifica. Aquele papel foi um instrumento necessário num determinado quadro para um objectivo, que era a indigitação de um Governo. Mas não limitou em nada a iniciativa do PCP nem do PS.

Naturalmente, o PS tem hoje mais deputados do que tinha em 2015, mais força e condições muito mais favoráveis para levar a sua avante, mesmo sem maioria absoluta. Nós, tendo menos força, também temos menos capacidade para influenciar as decisões que são tomadas na AR.

Como lê a posição do Bloco da noite eleitoral de completa disponibilidade para qualquer tipo de acordo. O Bloco tem sede de poder?
Acho que deve ser deixado à inteira liberdade dos partidos fazerem aquilo que entenderem. Se há partidos que querem entender-se com o Governo para terem um programa de governo conjunto pelo qual assumam responsabilidade ou até participarem no Governo... eu julgo que cada partido deve ter a liberdade de assumir isso.

O PCP já decidiu como vai encarar a apresentação do programa do Governo? Está fora de questão uma moção de rejeição?
Vamos encará-lo exactamente como encarámos há quatro anos: é da responsabilidade do Governo.

E o PCP não gostava que o Governo PS incluísse algumas prioridades suas?
O que nós gostávamos mesmo que acontecesse era que houvesse um Governo que assumisse um programa para fazer uma política patriótica e de esquerda.

E isso é possível com o PS?
Eu já estava a antecipar a sua pergunta... Julgo que ninguém tem ilusão de que seja um Governo do PS a protagonizar um programa com uma política patriótica e de esquerda... Naturalmente o programa do Governo do PS será do PS e não do PCP.

Com uns pozinhos do PCP?
Nem poderá ser um programa de Governo com que o PCP se pudesse comprometer ou que pudesse responsabilizar o PCP.

Mas a pergunta é se vai apresentar ou não uma moção de rejeição. Isso depende do que for o programa?
Olhe, nós nunca o fizemos [ao PS]; seria a primeira vez. Julgo que seria uma altura e um contexto estranho para o fazermos. Naturalmente vamos ver o que traz e tomaremos as nossas decisões.

Na reunião que tiveram, António Costa deu alguma garantia de que vai incluir bandeiras e propostas do PCP?
Não. O PS conhece as nossas posições, sabe aquilo que valorizamos e que, sendo reflectido no programa de governo podia ser valorizado positivamente. Também conhecem as nossas posições absolutamente antagónicas.

Mas houve algum entendimento?
Não, ficou admitida a possibilidade de haver alguma discussão sobre alguns aspectos mas sem a ideia de que se o PCP se vai pôr a construir o programa de Governo do PS.

Que aspectos são esses?
Não vamos fazer nenhuma discussão com uma lista de medidas.

Nem haverá conhecimento prévio do programa?
Admitiu-se a possibilidade de haver algum contacto antes da entrega do programa mas nada com a perspectiva de que vamos construir um programa conjunto. Isso nem há quatro anos aconteceu, muito menos aconteceria agora.

E qual a tendência para o orçamento? O que é prioritário que lá esteja e que não esteja?
Não fizemos ainda essa discussão. Temos noção de que o quadro dos últimos anos não será o mesmo em relação à discussão do OE. A variação da expressão eleitoral de cada partido também determina essa abordagem ao orçamento.

Mas tem linhas essenciais?
As questões dos direitos dos trabalhadores, o aumento geral dos salários, onde se inclui o salário mínimo, não são de discussão do OE, são de discussão no quadro da contratação colectiva e medidas de decisão do Governo.

António Costa já se disse disposto a fazer uma valorização dos rendimentos.
Estou a dar este exemplo porque é uma questão central para nós, que não é do orçamento, mas tem um peso que ultrapassa em muito outras matérias do orçamento. Há uma variedade grande - salários, pensões, investimento nos serviços públicos, sobretudo na saúde, na resolução de problemas transversais às carreiras da administração pública.

Na fiscalidade também?
Naturalmente, também, algumas no OE, outras podem ter tratamento à margem do OE, como os grupos económicos que criam riqueza em Portugal e vão pagar impostos à Holanda ou Luxemburgo. É um problema que se podia resolver com uma decisão da AR de alteração de um artigo do código do IRC e mesmo que só entrasse em vigor noutro ano poderia dar um sinal.

E no IRS, alterações aos escalões?
Sim, temos um conjunto de medidas fiscais, no IRS o prioritário é a intervenção pelo mínimo de existência, que permite que os salários mais baixos tenham desagravamento fiscal. Foi iniciativa nossa no OE2018 e esse é um caminho a prosseguir.

Se o PS voltar a apresentar Eduardo Ferro Rodrigues para a presidência da Assembleia da República, qual é a posição do PCP?
Não temos essa questão decidida. Em 2015 acompanhámos a proposta mas neste momento não temos nenhuma apreciação feita, não posso dar nenhuma resposta. Não vejo que haja um problema de princípio em acompanharmos a reeleição.

Desta vez, o PCP vai ter uma vice-presidência da Assembleia. Quem será? António Filipe?
Também ainda não temos essa questão decidida internamente, portanto não me atrevo a adiantar. O António Filipe foi o nosso último vice-presidente e continua a ser um dos deputados mais experientes da AR, que ficará muito bem servida se for essa a nossa proposta.

O último comunicado do Comité Central foi especialmente duro com membros e ex-membros do PCP, a quem até responsabiliza pelo fraco resultado eleitoral. Porquê essa referência? Está à vista mais alguma cisão no partido?
Isso não está dito em lado nenhum. O comunicado do Comité Central fala da persistência na vida política nacional de traços que são inseparáveis de processos que os sectores mais reaccionários têm em curso, onde se coloca não apenas a campanha dirigida contra o PCP mas outros traços que são muito preocupantes, nomeadamente o branqueamento do fascismo. Isso não é um problema pequeno. Em momento nenhum responsabilizamos militantes ou ex-militantes do PCP pelo resultado eleitoral. São coisas simultâneas: ao mesmo tempo que se lança uma campanha de tentativa de enlamear o PCP, passa-se uma esponja por aquilo que foi o passado de 48 anos de ditadura fascista que tivemos em Portugal.

Não há aqui nenhum ajuste de contas com membros ou ex-membros do partido, nem o congresso do próximo ano vai servir para isso?
Não temos essas práticas de ajustes de contas. Aquilo que mais valorizámos nesta campanha eleitoral foi o esforço hercúleo e a enormíssima campanha eleitoral que conseguimos fazer que, ainda assim, conseguiu que tivéssemos 12 deputados a mais do que aqueles queriam que nós tivéssemos. Não tenho a mínima dúvida que muitos daqueles que estão por trás dessas operações tinham verdadeiramente o objectivo de pura e simplesmente liquidar a expressão eleitoral do PCP. Aqueles 12 deputados do PCP são 12 deputados a mais a travar-lhes os planos.

Há quem acuse a direcção do PCP de estar a fazer um desvio para a direita com a aproximação ao PS nestes quatro anos. Como responde a isso?
Acho que são coisas que têm mais expressão na comunicação social do que propriamente na realidade.

Há algum tabu no partido sobre a liderança de Jerónimo de Sousa? Ninguém quer falar sobre a sucessão do secretário-geral, nem o próprio.
Não há tabu nenhum; há é uma grande coerência na abordagem dessa questão. Não me aproximo sequer de quem tem uma maior experiência sobre a vida do meu partido; o meu partido já leva 98 anos de existência e eu estou muito longe disso.

O secretário-geral leva 72…
Da experiência que tenho, não há alteração rigorosamente nenhuma na forma como essas questões são tratadas. É no momento certo, em função dos nossos próprios critérios, das nossas opções e da forma como nós consideramos essas responsabilidades do secretário-geral, que nem sequer são aquelas que existem noutros partidos. Por exemplo, uma coisa que os estatutos prevêem é até a possibilidade de não haver secretário-geral. É uma decisão do Comité Central e há-de ser tomada no momento em que ela tiver de ser tomada.

Foi um dos dirigentes mais aplaudidos no último congresso, em Almada. É um bom sinal para o futuro?
Tenho ideia de que nós não tínhamos lá nenhum “palmímetro” a medir essas coisas. Acho que isso são circunstâncias conjunturais que não permitem nenhuma leitura desse tipo.

Vê-se no futuro como líder do PCP?
Não. De todo, de todo.

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