Emissão Renascença | Ouvir Online
A+ / A-

Em 2013, quase metade das empresas financiadas pela banca estavam “moribundas”

14 out, 2019 - 18:07 • Sandra Afonso

Dados são do Banco de Portugal e reportam-se ao período em que a troika ainda estava em Portugal. Há regiões com um terço dos trabalhadores em empresas denominadas “zombie”, ou seja, que sobrevivem artificialmente e não têm hipótese de ser produtivas.

A+ / A-

Em 2013, quando a troika – a equipa composta por Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia – ainda estava em Portugal, para evitar a bancarrota do país, quase 45% das empresas financiadas pela banca já não eram produtivas.

São dados do Banco de Portugal, um ano antes de terminar o programa de ajuda financeira a Portugal. Antes da crise, em 2008, a banca já estava a financiar empresas moribundas, que representavam 30% do crédito empresarial.

O estudo de Nuno Azevedo, Márcio Mateus e Álvaro Pina, publicado esta segunda-feira, admite a existência de um ciclo vicioso, com a “proliferação de empresas de baixa produtividade, que tende a congestionar os mercados, prejudicando a entrada ou o crescimento de concorrentes mais eficientes”.

Estas “empresas de muito baixa produtividade”, com créditos por liquidar, aumentaram entre 2008 e 2013. Menos de metade deste crédito está associado a empresas “zombie”. Por sectores, a construção e o imobiliário são os mais afectados neste período.

Com menos crédito disponível em Portugal, os empresários foram obrigados a procurar alternativas. Algumas empresas portuguesas aumentaram o financiamento nos mercados de capitais internacionais e as PME reforçaram os capitais próprios “através da retenção de lucros”.

Segundo os autores, uma grande percentagem deste crédito concedido a empresas não produtivas “pode refletir más decisões no momento da concessão dos empréstimos, mas também o impacto de acontecimentos posteriores, como uma crise económica profunda, na sequência de uma longa acumulação de desequilíbrios pela economia portuguesa”.

Por outro lado, os bancos podem ter mantido estes créditos não produtivos, para atrasar o reconhecimento das perdas e a carteira de fraca qualidade, adiando o abate destes empréstimos que, nalguns casos, não seriam reembolsáveis e acabaram por implicar a adopção de várias medidas de correção e proteção, sobretudo a partir de 2016.

No entanto, apesar da reorientação dos empréstimos para empresas com menos risco, “ainda existe uma afetação ineficiente de crédito na economia portuguesa: uma grande percentagem do crédito por liquidar concedido por bancos residentes a empresas não financeiras encontra-se afeto a categorias de empresas que têm, ou é provável que tenham, uma produtividade muito baixa”, o que pode dificultar o investimento e o crescimento das melhores empresas.

Os autores defendem “uma melhor afetação de crédito e uma maior capitalização das empresas”, como a melhor solução para “um sistema bancário mais resiliente e um crescimento económico mais forte”.

Há regiões com um terço dos trabalhadores em empresas "zombie"

Sem intervenções externas, seria natural que as empresas não produtivas encerrassem ou acabassem por se reestruturar, para se manterem no mercado. Assim, continuam de portas abertas, graças a apoios locais, estatais e europeus, sobrevivem com crédito que não conseguem pagar e retiram competitividade às concorrentes.

Em Portugal, o peso destas empresas foi de 6,5% em 2008, aumentou para 8,5% em 2013 e voltou a descer a partir de 2013. Em 2015 rondava os 6% - porém, se tivermos em conta variáveis específicas como a dimensão ou o número de trabalhadores, pode ultrapassar os 20%.

Na verdade, em Portugal, as empresas “zombie” são responsáveis por uma parte significativa do emprego. Em alguns setores, “mais de 1 em cada 5 trabalhadores estão empregados numa empresa zombie; em algumas regiões, esse número aumenta para uma em cada três”.

Os números são avançados num estudo de Ana Fontoura Gouveira e Christian Osterhold, que alertam para os custos sociais destes encerramentos.

Há ainda que ter em conta o capital físico que se pode perder, “em algumas indústrias, mais de 25% do capital tangível é detido por empresas ‘zombie’”. Estas empresas são, em média, maiores do que as ditas saudáveis e, por isso, têm mais recursos que podem usar como garantia junto dos bancos.

O estudo sugere que sejam consideradas “medidas que potenciem a correção das assimetrias de informação no mercado de financiamento bancário, por exemplo através de sistemas eficazes de garantias públicas ou através da promoção de opções alternativas de financiamento”.

Tópicos
Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+