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Venezuela

"Já não estou preso mas a minha cela não está vazia, há gente inocente a ser torturada"

10 out, 2019 - 14:07 • Vasco Gandra, correspondente em Bruxelas

Em entrevista à Renascença, o ativista venezuelano Lorent Saleh diz que se "mantém o estado de terror" no seu país-natal, de onde foi expulso há um ano.

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"Já não estou preso mas a minha cela não está vazia, há gente inocente a ser torturada"

Laureado com o Prémio Sakharov em 2017, juntamente com outros membros da oposição democrática da Venezuela e representantes de prisioneiros políticos, o ativista Lorent Saleh esteve detido durante quatro anos pelo regime - sem acusação nem julgamento.

Mais de metade desse período foi passado nas celas do sinistro centro de detenção conhecido por "A Tumba", nas caves do edifício do Serviço Bolivariano Nacional de Serviços de Informação, em Caracas.

Em outubro do ano passado, o líder estudantil foi libertado e expulso, mudando-se para Espanha, onde vive atualmente. Em Bruxelas esta semana para vários encontros com eurodeputados, sentou-se com a Renascença para conversar sobre a situação no seu país-natal.

Qual é, neste momento, a situação política e social na Venezuela?

Na Venezuela mantém-se o estado de terror. Na Venezuela não há um conflito político, o que há é uma crise humanitária. As instituições do Estado estão sequestradas por grupos criminosos. Não são dois bandos que disputam o poder, mas sim o crime organizado que tomou o poder político e mantém sequestradas as instituições do Estado.

Pediu aos eurodeputados ações muito concretas da parte da União Europeia e dos seus Estados-membros. Que ações podem ser essas?

Ponto um, é necessário que tomem mais sanções contra funcionários responsáveis por crimes de lesa humanidade. Creio que é necessário que se possa criar uma comissão que investigue todas as operações criminosas que servem para financiar o regime na Venezuela. Outra recomendação: aqui na Europa estão os embaixadores ilegítimos representantes da ditadura venezuelana e poder-se-ia retirar as credenciais a essas pessoas.

Em 2017 foi-lhe atribuído o Prémio Sakharov juntamente a outros ativistas da oposição venezuelana. Mudou alguma coisa na vossa luta?

Sim, sem dúvida. O Sakharov não é só um reconhecimento, é também um abraço, um apoio, um balão de ar. É dizerem-nos que não estamos sozinhos. Ao mesmo tempo é dizer aos violadores dos Direitos Humanos que estão a ser observados e que a Europa está do lado das vítimas e dos defensores dos Direitos Humanos. Graças ao Sakharov posso estar aqui. Há um ano, a minha mãe estava a pedir a minha liberdade e agora estou aqui. O Sakharov é um legado, um instrumento muito importante e poderoso. Agradeço muito à Europa esse reconhecimento.

Esteve preso no centro de detenções "A Tumba". Pode contar como foi esse momento da sua vida?

Estar numa prisão de uma ditadura é realmente muito difícil. Mas também descobri muitas coisas. Descobri coisas essenciais em que não reparamos quando estamos em liberdade, como a importância de poder ver o sol, o céu ou as estrelas, ou de estar com a família. Passei quatro anos a desejar ver a noite ou as cores. Isto era algo que não imaginava que fosse tão importante.

Estar preso numa ditadura é um inferno terrível em que muitas pessoas vivem hoje. Eu estou aqui, já não estou preso mas a minha cela está ocupada, não está vazia e aí há gente inocente que está a ser torturada, submetida a tratos desumanos e degradantes.

Ainda hoje não sabe porque foi detido. Nunca foi julgado...

Nunca. Ainda aguardo por um julgamento. Nunca passei uma audiência preliminar. Na Venezuela não há Estado de Direito, não há Justiça. É um Estado que persegue e atropela a população civil e que, repito, utiliza o terrorismo para se manter no poder.

Os presos políticos servem para isso. Não é só para neutralizar um individuo, é para, através do dano que se faz a um determinado jornalista, neutralizar todos os restantes jornalistas. Através da detenção de um professor atingir todos os professores. É por isso que a maioria dos presos políticos nem sequer são dirigentes políticos mas gente da sociedade civil, como médicos, professores, engenheiros.

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