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Síria. Trump ameaça “obliterar” economia da Turquia se país "ultrapassar os limites"

08 out, 2019 - 14:35 • Redação

O nordeste da Síria está em pé de guerra. A invasão da Turquia pode levar à libertação de 12 mil jihadistas do Estado Islâmico e empurrar os curdos para os braços de Damasco.

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O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçou esta terça-feira “obliterar” a economia turca caso Ancara faço algo que o chefe de Estado norte-americano considere que "ultrapassa os limites" no que toca à situação na Síria.

Numa mensagem publicada no Twitter, um dia depois de ter prometido represálias se Ancara "puser em risco as vidas das tropas norte-americanas" na Síria, Trump afirmou que “tal como já disse antes, quero apenas reafirmar que se a Turquia fizer algo que eu, na minha grande e singular sabedoria, considerar que ultrapassa os limites, destruirei e obliterarei a economia da Turquia”, acrescentando entre parênteses que “não seria a primeira vez!”.

O recado americano surge depois de Trump ter sido alvo de várias críticas internas, tanto de democratas como de republicanos, por ter anunciado a retirada de forças americanas daquela região, o que deixa a Síria à mercê de uma invasão turca que põe em risco os curdos, grandes aliados do Ocidente no combate ao Estado Islâmico.

Este anúncio causou grande alarme no nordeste da Síria, uma região governada por uma federação de grupos étnicos e religiosos que formam as Forças Democráticas da Síria. Liderada pelos curdos, a região inclui também a participação de grupos árabes e cristãos, entre outras minorias, e orgulha-se de ser a única zona democrática e igualitária da Síria, tendo representação paritária em todos os cargos oficiais.

Para a Turquia, contudo, o problema é mesmo a influência curda. Enfrentando uma insurreição curda no seu próprio país, os turcos temem que o estabelecimento de uma zona autónoma com maioria curda do outro lado da sua fronteira servirá de base para o Partido dos Trabalhadores Curdos poder lançar mais ataques dentro da Turquia.

As Forças Democráticas da Síria foram importantes aliadas da coligação internacional liderada pelos Estados Unidos, que levou à derrota territorial do autoproclamado Estado Islâmico no início deste ano. Com o apoio da aviação ocidental, os soldados das FDS travaram todos os combates no terreno e sentem-se agora traídos pela retirada americana.

Não obstante as suas ameaças económicas, a saída de Trump poderá mesmo encaminhar as FDS para os braços de Bashar al-Assad e da Rússia. As duas fações não se reconhecem oficialmente, mas têm evitado entrar em conflito direto enquanto tinham como inimigo comum os terroristas islâmicos do Estado Islâmico e outras forças aliadas à Al-Qaeda e apoiadas pela Turquia.

12 mil jihadistas

Uma eventual invasão por parte da Turquia põe diretamente em risco a segurança de 12 mil jihadistas do Estado Islâmico que estão em prisões guardadas pelas FDS.

Falando dos soldados que guardam os presos, cerca de dois mil dos quais são europeus, o general curdo Mazloum Kobani Abdi afirmou que esta passou a ser uma prioridade secundária, comparada com a proteção da fronteira com a Turquia. “As suas famílias estão todas na zona da fronteira, por isso eles têm de ir defender as suas famílias”, afirmou, em declarações à NBC News.

Numa declaração enviada à Renascença, um dos grupos cristãos que apoia a federação no nordeste da Síria não poupa críticas à ação e às intenções da Turquia. “O povo desta zona, e as FDS – com os seus aliados americanos – defenderam este território contra o Estado Islâmico e o regime autoritário de Assad com o sangue de milhares de curdos, siríacos e árabes. Sobre esse sacrifício criaram uma coexistência territorial pacífica”, lê-se, no comunicado da União Siríaca Europeia, que apoia o Conselho Militar Siríaco, parte das FDS.

“A agressão da Turquia é uma ameaça clara e presente à estabilidade da administração do Nordeste da Síria. Assegurará o regresso do Estado Islâmico. Deixar os detidos e combatentes do Estado Islâmico ao cuidado da Turquia seria um erro desastroso. A Turquia já revelou a insinceridade da sua política na Síria ao apoiar o Estado Islâmico e armar grupos rebeldes controversos. O resultado da invasão turca será a fuga ou libertação de milhares de jihadistas”, diz, o que por sua vez se traduz numa ameaça regional mas também internacional: “Uma invasão turca levará a mortes, deslocações, um grande fluxo de refugiados e imagens de viagens perigosas em busca de paz e esperança na Europa”, conclui.

Rússia e Irão à espreita

Com a saída dos Estados Unidos, e ameaçados diretamente pelos turcos, os sírios do Nordeste poderão ter de se voltar para Moscovo para receber o apoio que lhes permita manter a sua autonomia.

Os primeiros sinais nesse sentido já foram dados, com representantes curdos a dizer que estão dispostos a negociar com Damasco, e com o regime de Assad, que é apoiado diretamente por Moscovo e pelo Irão.

Mas este processo não será fácil e poderá exigir sacrifícios por parte do Nordeste da Síria. Damasco teme a influência da experiência democrática naquela região e não a pretende ver alargada, nem quer aceitar um estado autónomo, ao estilo federal. Poderá ter de o fazer, contudo, se a Rússia insistir, uma vez que Assad depende muito de Moscovo precisamente para fazer frente à ameaça da Turquia.

Tudo pode vir a depender, então, das relações entre Putin e Erdogan. Estas têm tido altos e baixos ao longo dos últimos anos, incluindo incidentes militares em que a Turquia abateu aviões russos por cima da Síria e o assassinato do embaixador russo em Ancara, mas Moscovo também vendeu recentemente um sistema de mísseis à Turquia. Putin quererá certamente tirar proveito da saída americana para aumentar a sua influência regional.

Por enquanto a Rússia apenas disse que não tinha sido informada dos planos americanos e turcos, mas que estava muito atenta. Já o Irão foi mais direto, dizendo que uma invasão turca terá graves consequências na região, numa ameaça direta a Ancara. “Uma ação destas não só não acabará com as preocupações da Turquia, como levará a danos materiais e humanos em larga escala”, disse o Ministério dos Negócios Estrangeiros.

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