05 out, 2019
No ano passado, o Papa Francisco convidou o padre José Tolentino de Mendonça para pregar o retiro quaresmal do Papa e da Cúria Romana. Concluídos aqueles exercícios espirituais, o Papa Francisco agradeceu ao Pe. Tolentino, afirmando em certo passo: “Recorrendo à sabedoria do Evangelho, bem como à sua preparação teológica, à inspiração poética e à sua experiência pastoral e pessoal, conduziu-nos a refletir sobre um dos desafios mais urgentes para a Igreja de hoje: recolocar a sede de Jesus no centro da oração pulsante do cristianismo. Apreciámos muito particularmente as suas sugestivas referências à sede da humanidade, que é semelhante àquela da qual Jesus falou na cruz”.
Estas palavras do Papa apontam para traços fundamentais da espiritualidade do padre Tolentino, que neste sábado é nomeado Cardeal, depois de ter sido designado Arcebispo e arquivista do Vaticano, bem como responsável pela Biblioteca Apostólica Vaticana. O agradecimento do Papa prefacia um livro com os textos do então sacerdote Tolentino, em português, que serviram de base ao referido retiro, em Roma, na Quaresma de 2018 - “Elogio da Sede”, ed. Quetzal.
É possível e até provável que a profundidade da fé em Cristo de Tolentino e a sua capacidade para dialogar com seriedade com a sociedade e a cultura contemporâneas, que o Papa e a Cúria tiveram oportunidade de apreciar ao vivo durante o retiro no Vaticano, estejam na origem deste padre, que é também um reconhecido poeta português, ter chegado em pouco tempo a Cardeal.
Sobretudo para quem não conhecer esta figura fulcral da vida religiosa e cultural do nosso país – e agora também do mundo – sugiro a leitura dos seus numerosos livros de espiritualidade, teologia e poesia.
No passado dia 22 de setembro, um domingo, a RTP2 transmitiu uma entrevista de Maria João Seixas a Tolentino, no primeiro programa da série “Desassossego”. Trata-se de uma série semanal onde Maria João conversa sobre a fé com vários interlocutores. No primeiro programa falou com o agora D. José Tolentino de Mendonça; a conversa não poderia ter sido mais cativante.
Claro que a fé religiosa não é suscetível de uma integral explicação racional. Ela brota das mais profundas interrogações que o mistério da vida e da morte coloca a todos nós, crentes e não crentes. Homem de fé, Tolentino sabe dialogar, sem superficialidades nem falsos consensos, com quem não partilha essa fé ou se debate com dúvidas – e não existe verdadeira fé sem dúvidas.
Sendo também um homem de cultura, Tolentino não é um “intelectual” no sentido pejorativo em que esta palavra por vezes é usada. Disse ele em Roma ao Papa e à Cúria: “Nós intelectualizamos demasiado a fé. Construímos um admirável castelo de abstrações. Não é por acaso que a teologia dos últimos séculos tenha ocupado tanto tempo a debater as questões levantadas pelo iluminismo, e passado ao lado daquelas que, por exemplo, o romantismo coloca, como as da identidade, coletiva e pessoal, da emergência do sujeito ou do mal de vivre. Preocupamo-nos mais com a credibilidade racional da experiência de fé do que com a sua credibilidade existencial, afetiva e antropológica. Acudimos mais à razão do que ao sentimento. Deixamos para trás a riqueza do nosso mundo emocional” (“Elogio da Sede”, pág. 48).