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Estudo

Sem filhos e emocionalmente exaustos. Um retrato dos tripulantes dos aviões

24 set, 2019 - 02:55 • Ana Carrilho

Este é um dos resultados de um estudo encomendado pelo Sindicato Nacional de Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAP) a um grupo de académicos sobre as condições de vida e de trabalho dos tripulantes de cabine.

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Metade dos tripulantes de cabine não tem filhos e, entre os que têm, 70% têm só um. Este é um dos resultados de um estudo encomendado pelo Sindicato Nacional de Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAP) a um grupo de académicos sobre as condições de vida e de trabalho dos tripulantes de cabine e a que responderam mais de 1.300 associados.

Um facto preocupante, consideram os especialistas, já que a média de idade destes profissionais é de 36 anos. Ou seja, encontram-se no período fértil da sua vida.

Na conferência de imprensa em que o estudo foi apresentado, Henrique Oliveira, professor do Instituto Superior Técnico, alertou para o baixo índice de fertilidade do pessoal de voo: 1,1 contra 1,8 da população em geral. “Ter menos filhos é abdicar de um dos aspetos de realização humanas mais importantes, é um sacrifício muito grande”. E fazendo contas rápidas, frisou que, se o resto da população tivesse esta performance, Portugal quase se extinguiria em menos de um século.

Há vários fatores a contribuir para esta realidade: horários muito irregulares, cansaço extremo (80% dos inquiridos anseiam fortemente por pausas ou folgas, mas admitem que não conseguem descansar devidamente). É a mesma percentagem de tripulantes que diz sentir falta de maior convívio familiar e de vida social. Um terço da amostra (1.300) não tem casa própria e dos que são proprietários, só 20% tem casa paga. Três quartos estão endividados. 73% afirmou ter um relacionamento duradouro, mas entre estes, quase 80% dos companheiros têm um emprego fixo.

Ansiedade, cansaço, stress ou, simplesmente, voar também se refletem ao nível biológico. Um dos associados do SNPVAC referiu os baixos níveis de testosterona, disfunção eréctil que afetam muitos tripulantes masculinos e os abortos espontâneos ou as menopausas precoces, no caso das tripulantes que contribuem para o menor número de filhos nesta classe profissional.

Novos, fortes e bonitos… para aguentar o desgaste rapidíssimo

Raquel Varela, historiadora e uma das autoras do estudo encomendado pelo SNPVAC, frisa que não é por acaso que as companhias contratam pessoas jovens, fortes e bonitas para a função de tripulante de cabine.

A imagem é importante e “esta não é uma profissão de desgaste rápido, é rapidíssimo. É preciso selecionar com a melhor aparência para aguentar menos oxigénio no ar, turnos descoordenados e horários frequentemente prolongados além do ‘jet lag’ e do assédio moral Não há muitas profissões onde exista esta combinação”, conclui Raquel Varela.

Por outro lado, questiona-se sobre a média de idade (36 anos): é pela expansão do tráfego e das viagens aéreas ou porque os tripulantes começam a adoecer a partir dos 45-50 anos? Uma questão a que confessa não poder responder por enquanto. Mas a historiadora vaticina que, “com estas condições de trabalho, daqui a dez anos vão começar a rebentar. Isto é um aviso sério para aquilo que era o vosso poder (serem novos fortes e bonitos) se tornar o vosso caixão!”.

O estudo revela que mais de 90% dos tripulantes estão num estado de “exaustão emocional” preocupante, mas os casos mais graves encontram-se entre os profissionais dos voos de médio e longo curso, atingindo igualmente homens e mulheres. Descansam pouco e 15% admitem que têm pesadelos com acidentes ou atentados.

Os tripulantes da Ryanair são os que apresentam um esgotamento emocional mais elevado, mas a Azores Airlines e a Easyjet também apresentam resultados negativos.

A TAP apresenta-se melhor do que a média das companhias, ainda assim, se não forem tomadas medidas, há um grupo que pode, futuramente, evoluir para níveis mais avançados de esgotamento.

Um em cada dois tripulantes da Ryanair é alvo de assédio moral. O que faz com que o nível seja 320% acima da média, frisa o matemático Henrique Oliveira. A média anda nos 15%, mas ultrapassa os 52% na companhia aérea “low cost” irlandesa.

A TAP, neste aspeto, é um exemplo: apresenta os valores mais baixos e os autores consideram que estes são “dados muito seguros, já que a amostra para esta companhia é elevada (mais de mil entre os 1.300 inquiridos).

O inquérito foi realizado entre 20 de março e 2 de maio e contou com uma amostra inicial de 1.361 respostas, tendo sido validados 1.312 inquéritos.

Entre os inquiridos, 67,7% são mulheres e 32,3% são homens, abrangendo vários grupos profissionais como comissários, chefes de cabine e supervisores. Mais de 68% tem pelo menos uma licenciatura. Os restantes têm o 12ª ano.

Segundo Raquel Varela, o estudo deverá ter continuidade já que há outros/novos fatores que merecem uma análise mais aprofundada.

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