Urgência climática

"Nota 15". Portugal cumpre uma das 3 metas do clima para 2020

21 set, 2019 - 07:00 • Joana Gonçalves

A redução de emissão de gases com efeito de estufa é o único indicador que cumpre os valores limite estabelecidos pela União Europeia. Para o dirigente da associação ambientalista ZERO, as metas deveriam ser “muito mais ambiciosas”.

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A poucos meses de 2020, os últimos dados divulgados pelo eurostat sugerem que Portugal pode falhar as metas do clima estabelecidas pela União Europeia para o mesmo ano.

O consumo de energia continua a aumentar e a percentagem de energia proveniente de fontes renováveis está abaixo do objetivo dos 31%.

A emissão de gases com efeito de estufa regista um decréscimo notável face a 2005, mas tem vindo a aumentar desde 2013. Das três metas do clima para 2020 Portugal cumpriu apenas uma, em 2017.

No dia em que arranca a cimeira de ação climática convocada pelo secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, o dirigente da associação ambientalista ZERO, Francisco Ferreira, deixa um alerta.

“Nós temos que fazer um grande esforço de descarbonização ao longo desta década, entre 2020 e 2030, que é fundamental para conseguirmos cumprir o acordo de Paris. A União Europeia, na cimeira de Nova Iorque a 23 de setembro, deveria claramente apontar para esta fasquia bem mais ambiciosa”, afirma.

“Numa escala de 0 a 20 diria que Portugal merece um 15”

Apesar de ter cumprido menos de metade das metas no último ano de que há registo, Francisco Ferreira dá nota positiva a Portugal.

“Numa escala de 0 a 20 diria que Portugal merece um 15”. As razões para uma avaliação favorável, mas ainda distante da nota máxima são “simples de identificar”.

“Por um lado, temos um roteiro para a neutralidade carbónica em 2050, ou seja, temos um caminho, sabemos o que é necessário, começamos a concretizar cada vez mais investimentos nas energias renováveis. Por outro, estamos a falhar na eficiência energética, que é um elemento essencial”, explica.

De facto, a meta da eficiência energética para 2020 não foi cumprida em 2017, com Portugal a ultrapassar o consumo limite de 22,5 milhões de toneladas equivalentes de petróleo.

O dirigente da associação ambientalista adianta que a redução do consumo de combustíveis fósseis não será uma meta fácil de atingir.

“Relativamente aos biocombustíveis, a União Europeia obriga-nos a integrar 10% de biocombustíveis no gasóleo e na gasolina e nós temos essa meta. Mas até 2019, inclusive, estamos com 7%. Portanto, há aqui algumas folgas relativamente à meta das energias renováveis, que na prática se podem traduzir num benefício em relação à energia primária”.

Francisco Ferreira aponta ainda o crescimento do setor da aviação e a dificuldade na prevenção de incêndios florestais como dois entraves ao cumprimento dos objetivos fixados para 2020.

“Não temos conseguido prevenir suficientemente os incêndios florestais. Isso é crucial para retirarmos carbono da atmosfera e não contribuirmos ainda mais para as emissões. Por outro lado, não estamos a ser muito coerente em várias áreas”, explica.

“Um exemplo muito claro é um aumento enorme do sector da aviação, com a expansão do número de passageiros e do número de voos, e isso tem um impacto enorme no clima que nós integramos nas contas nacionais. Muitas das vezes não falamos desse impacto à escala internacional, mas onde a responsabilidade de Portugal começa a ser cada vez maior face ao peso da aviação quer no quadro da Europa, quer no total do mundo”, acrescenta.

Face a estes indicadores, Francisco Ferreira acredita que é “muito difícil ir para além de um 15 ou 16, enquanto não houver polícias tão ativas como por exemplo noutros transportes, como seja o caso do rodoviário, onde a promoção do transporte público através do passe, onde os incentivo à mobilidade elétrica começam a ter, realmente, os seus resultados".

A percentagem de consumo de energia final que provém de fontes renováveis é o indicador ambiental mais frágil a nível nacional.

No último ano de que há registo, apenas 28,12% da energia consumida teve origem em fontes renováveis. Um valor que fica aquém da meta fixada nos 31%.

Para Francisco Ferreira "este é efetivamente um problema" e a solução passa por "uma aposta clara na eficiência energética, desde os edifícios públicos ao total do país".

"Se nós aumentarmos a eficiência energética com mais investimentos nas [energias] renováveis, aí será possível atingirmos os 31%", acrescenta.

Também na eficiência energética Portugal falha em atingir o objetivo proposto pela União Europeia.

O limite do "consumo de energia primária em milhões de toneladas equivalentes de petróleo" foi fixado nos 22,5. Ora, em 2017 foram consumidas a nível nacional 22,79 milhões de toneladas equivalentes de petróleo.

Para o dirigente da ZERO o principal obstáculo é o desperdício energético. “Nós vivemos numa sociedade onde, só para se ter uma ideia um europeu usa de materiais cerca de 16 toneladas por ano e dessas 16 toneladas, seis são desperdício. Nós temos de ser mais regrados no consumo, na substituição de muitos equipamentos que deveria ser reparados em vez de serem substituídos”, alerta.

Chegamos ao único indicador com nota positiva. A União Europeia decretou que Portugal tem uma margem de aumento de até 1% face ao valor de 2005, o que na prática significa que o país não pode emitir mais de 49,1 milhões de toneladas de gases com efeito de estufa.

O objetivo foi cumprido e em 2017 foram emitidas um total de 40,2 milhões de toneladas equivalentes de dióxido de carbono, um valor bem abaixo do limite estabelecido.

Mas se os números apontam para um desempenho exemplar, Francisco Ferreira explica que a questão é bem mais complexa. Apesar de esta ser uma meta "que facilmente vamos conseguir cumprir", está longe de ser verdadeiramente ambiciosa.

"Nós temos uma meta folgadíssima, porque 2005 para nós foi um ano de emissões elevadas e a União Europeia ainda nos deu a folga de nós podermos aumentar mais 1% entre 2005 e 2020", esclarece.

O que se verifica é que o aumento da riqueza nacional tem sido acompanhado por um aumento das emissões. “Depois da crise, altura em que descemos muitas emissões por causa da queda da atividade económica, as emissões voltaram a subir. E isso deve-se a uma resposta, do ponto de vista do consumo, que nós não gostaríamos que acontecesse”.

“Se os investimentos na eficiência estivessem realmente a resultar, nós conseguiríamos garantir que o aumento do PIB não era acompanhado por um aumento das emissões. E nós, infelizmente, temos melhorado, mas não estamos a fazer o suficiente para separar realmente uma coisa da outra”, garante.

O ambientalistas faz, no entanto, uma ressalva - "não só 2017 foi um ano de grandes incêndios, como, por causa da seca, não tivemos praticamente energias renováveis a partir das barragens e tivemos de recorrer ao carvão".

De acordo com o representante da ZERO, a floresta que habitualmente retira emissões, porque é uma consumidora natural de carbono, em 2017 teve o efeito contrário e foi também uma emissora líquida de C02.

Francisco Ferreira acredita, por isso, que até 2020 se observe uma descida considerável no total de emissões de carbono e se alcance o objetivo nacional proposto pela UE.

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