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Eleições

Venezuelanos na Madeira. “É muito importante votar”

17 set, 2019 - 07:09 • Olímpia Mairos , enviada da Renascença à Madeira

Cerca de oito mil luso-venezuelanos regressaram à Madeira. Muitos têm direito de voto e podem fazer a diferença nas eleições do próximo domingo.

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Nas ruas, nos restaurantes ou nas padarias do Funchal, de Machico, de Porto Moniz ou da Ribeira Brava, a musicalidade do sotaque que se faz ouvir leva-nos a pessoas com raízes venezuelanas.

Any Figueira, de 35 anos, está em Machico há três anos e meio. Veio com o marido e os três filhos de 13, 11 e 10 anos. Formada em publicidade e marketing, está a trabalhar num bar. O marido que era militar na Venezuela, trabalha numa lavagem de automóveis. A mudança foi radical e a integração também não foi fácil.

“Foi muito difícil: a mudança de vida, o clima, a alimentação e as portas que se fechavam, quando procurávamos trabalho”, conta à Renascença, acrescentando que “os patrões exigem muita experiência e que se fale inglês, quando, na Venezuela, quase não se fala esse idioma” .

Mas nem tudo foram dificuldades e Any destaca a ajuda do Governo Regional “através da segurança social e do instituto de emprego” e na integração das crianças. “Os meninos, ao fim de um mês, já estavam integrados e nem querem ouvir falar em regressar. Gostam muito de estar aqui”, diz.

Aliás, toda a família gosta muito da ilha, mesmo o marido que é venezuelano, e ninguém parece querer regressar a um país em “constante turbulência”. O que ganham e os apoios que vão tendo “dá para viver sem sobressaltos”.

No próximo domingo, Any vai exercer o seu direito de voto. Ainda não sabe em quem vai votar, mas diz não querer perder “a oportunidade de contribuir para o desenvolvimento” da região que a acolheu. “É muito importante votar. E eu vou fazê-lo para ver se a situação ainda melhora mais”, diz.

Falta de segurança motivou partida

André Fernandes, de 35 anos, está em Porto Moniz há cerca de dois anos. Veio porque é aqui que tem família e na Venezuela “não aguentava a situação de insegurança.” Era comerciante e agora trabalha num restaurante.

“Foi muito difícil, muito complicado, porque parte da família ainda ficou lá e, além disso, foi começar do zero. Mas, graças a Deus, estamos bem, temos trabalho, eu e a minha mulher, e vamos ficar por cá”, conta, destacando o acolhimento que receberam no arquipélago.

“Já estou nacionalizado português e isso é muito bom porque cheguei aqui sem papeis e sem nada e agora estou a fazer uma vida nova, aqui”, diz, frisando que vai votar “porque agora sou de cá e quero o melhor para esta terra que nos acolheu de braços abertos”.

À Venezuela só pensa em ir para visitar a família, a mãe, a avó e outros membros, porque “a nova vida está a ser construída na Madeira” e aqui estão “felizes e seguros”.

E foi ao fim da tarde que encontramos a passear, junto à praia da Calheta, Deiny Perozo e Francisco Figueira, com a filha Isabella ao colo. Residem e trabalham na Ribeira Brava, porque “a Venezuela está muito mal”. “É muito complicado e, sobretudo, viemos por causa da menina que tem dois anos, porque lá não tínhamos acesso a medicação, vacinas e ao leite para bebé”, conta Francisco.

A família está em casa de familiares. Não paga renda, apenas a eletricidade, o gás e a água e, por isso, o que ganham os dois “é suficiente para viver e ainda sobra para enviar algum dinheiro para os que ficaram lá”.

“Com os nossos ordenados e com o abono de família que é dado à menina, não temos problemas. E o que vamos poupando, podemos partilhar com os que não vieram e vivem lá sem quase nada”, sublinha Deiny.

Mas quando chegaram, nem tudo foi um mar de rosas. Deiny conta que andou “muito tempo à procura” e não lhe davam trabalho “por ser venezuelana por não falar português”.

Na Venezuela trabalhava como administrativa, em Ribeira Brava é cozinheira num restaurante em que o proprietário também é venezuelano. Confecionam pratos típicos da Venezuela, mas também da Madeira e “os clientes, a maioria turistas, são muito simpáticos”.

Francisco era padeiro. Agora é jardineiro e teve que “aprender tudo”, mas, apesar das dificuldades iniciais, afirma que “nada se compara a esta tranquilidade e a esta segurança”.

“Aqui podemos dar qualidade de vida à nossa filha. Ela vai poder crescer com tudo: saúde, educação e segurança e isso é mesmo o mais importante”, afirma Francisco.

“Vim para dar um melhor futuro aos meus filhos"

Já no Funchal encontramos Margarita Gomes, de 47 anos. Está na ilha “há seis meses” e não está contente. Margarita é venezuelana e o marido que ficou na Venezuela é madeirense.

“Vim para dar um melhor futuro aos meus três filhos, mas não gosto da Madeira. Trabalho nas limpezas. Trabalho por duas pessoas e não ganho nem por uma”, conta à Renascença, acrescentando que só quer juntar dinheiro “para regressar”. Os filhos, esses, garante que “querem permanecer na ilha”.

Indiferente às eleições do próximo domingo, até porque não pode votar, diz que “a Madeira não tem nada de interessante” e queixa-se da burocracia para conseguir os “papeis de residência”. “Aqui ninguém ajuda ninguém. Estou cá há seis meses e ainda não consegui tirar o cartão de residência”, afirma.

Os luso-descendentes fugidos da Venezuela deixaram para trás uma vida, mas também o medo da fome, da falta de saúde, dos raptos e até da morte. Na ilha tentam um novo começo. Desde 2016 já regressaram mais de 8.000 pessoas.

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