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Ensino Superior

"Insistir em cursos diretamente para o mercado de trabalho é um erro"

09 set, 2019 - 15:25 • José Pedro Frazão

Cursos demasiado procurados, elitismo, desigualdades regionais. Presidente da Agência Portuguesa de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior defende "autonomia" e "inovação" na oferta das formações.

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Mais inovação na oferta formativa das instituições universitárias, sem foco excessivo nas necessidades do mercado de trabalho, é a receita de Alberto Amaral, presidente da Agência Portuguesa de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior.

Ouvido no programa "Da Capa à Contracapa", gravado antes da publicação das colocações de estudantes na primeira fase do Concurso Nacional de Acesso, Alberto Amaral saiu em defesa de currículos que proporcionem a formação de "indivíduos com capacidade de pensar".

"Não é função de um curso universitário fornecer um 'engenheiro Amorim' ou um 'engenheiro Sonae'. Isso não existe", argumenta o antigo reitor da Universidade do Porto na Renascença.

"Hoje, a ciência e a tecnologia mudam a uma velocidade extremamente rápida. O que hoje se aprende, daqui a 5-10 anos se calhar já não serve para nada. Portanto, estar a insistir em produtos diretamente para o mercado de trabalho é um erro", acrescenta o investigador em políticas de ensino superior.

Alberto Amaral defende "autonomia" e "inovação" na oferta das formações universitárias e politécnicas, estando as últimas mais ligadas a "necessidades específicas" de determinadas regiões, sem replicar as mesmas áreas, dando o exemplo da multiplicação da oferta na área do turismo.

As condições de entrada no ensino superior foram a debate há cerca de dois meses no programa "Da Capa à Contracapa", programa da Renascença em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Como o aluno escolhe o curso

Hugo Figueiredo, professor do Departamento de Economia, Gestão, Engenharia Industrial e Turismo da Universidade de Aveiro, foi co-autor do estudo sobre benefícios do ensino superior publicado no final de 2017 pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

O também investigador em políticas de ensino superior defende que ainda há problemas no acesso aos níveis mais avançados da educação.

" Temos hoje cerca de 40% de pessoas com 20 anos de idade que entram no ensino superior. Isto ainda é baixo, face às necessidades de procura no mercado de trabalho. É uma percentagem necessária e ainda é baixa. Há uma primeira barreira onde muitos não passam. Uma barreira mais importante, que conciona a desigualdade", explica Figueiredo no programa de debate semanal em parceria com a FFMS.

A procura de cursos no litoral é uma tendência que se constata nas estatísticas da Agência Nacional de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior.

"No estudo que fizemos, o aluno tenta escolher em primeiro lugar um curso do seu agrado que seja compatível com as médias de que dispõe para se candidatar. Se for um aluno do litoral, procurará uma instituição próxima. Um individuo no distrito do Porto procurará um lugar nesse distrito. Houve um ano em que analisámos os dados da entrada e 90% dos alunos que concluíram o ensino secundário na Guarda puseram a mudança para o litoral como primeira prioridade. 90% dos alunos de Lisboa colocaram em primeira prioridade uma instituição de Lisboa", revela Alberto Amaral que lidera esse organismo.

O risco de um sistema mais elitista

No debate sobre eventuais mudanças no método de acesso ao ensino superior, Hugo Figueiredo defende que uma base composta por poucos momentos de avaliação "é sempre um perigo", ressalvando não ser contra a utilização dos exames nacionais "como método de avaliação de uma das dimensões da qualidade do ensino".

O professor da Universidade de Aveiro defende uma valorização de todo o percurso do aluno. "Nos cursos de Medicina nalgumas universidades, é feito um recrutamento com base em competências sócio-culturais e capital cultural, com formas mais amplas de preparação para algumas áreas em particular", exemplifica o investigador.

Hugo Figueiredo diagnostica um sistema muito segmentado e hierarquizado, muito concentrado em determinadas universidades que congregam os alunos de excelência. Depois do recrutamento, surge esta "desigualdade intra-licenciados, como uma segunda barreira muito importante que o sistema tem que claramente trabalhar. Isso faz-se por tentar incluir o maior número possível de pessoas de maior qualidade, com políticas de ação social que permitam colocar alunos de contextos económicos mais favorecidos nas melhore universidades, abrir vagas em instituições de maior qualidade. É um desafio muito grande".

O investigador da Universidade de Aveiro fala num risco de se desenvolver um sistema de ensino superior mais elitista, com o cenário real de criação de desigualdades.

Três medidas para mudar o sistema de acesso

Convidado a esclarecer o que mudava no sistema, Alberto Amaral defende desde logo um alargamento dos "numerus clausus" que condicionam o acesso ao ensino superior.

"A segunda medida seria melhorar o secundário para diminuir o efeito provocado pelo acesso de apenas alguns alunos com acesso a explicações ou a colégios particulares. A terceira área onde o Ministério podia atuar – não percebo porque não foi feito – é a eliminação de casos de inflação de notas. Há determinados colégios e até liceus públicos onde há uma clara inflação de notas em especial nas disciplinas que não têm exame", propõe o presidente da Agência de Avaliação do Ensino Superior.

Alberto Amaral traz ainda dados que provam que o corpo docente tem vindo a diminuir – na ordem dos 10% face a 2007, ano de criação da Agência – e há vínculos mais precários no sector público.

"Cerca de um terço dos docentes do ensino público são pessoas contratadas em regime de "convidado" e não de carreira", remata o antigo reitor da Universidade do Porto.

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