09 set, 2019
Não fui ainda ver o filme; mas vou… No entanto, confesso que não resisti a escrever sobre este assunto; talvez depois do filme escreva outro artigo.
De facto, a questão da gestão da dor é um problema com dimensões diversas que nos últimos tempos tem sido bastante explorado.
Desde a reportagem da Renascença denominada “Crónica da dor”, passando pelas notícias referentes aos processos colocados a farmacêuticas norte-americanas acusadas de provocar a morte a milhares de americanos por uso excessivo de medicamentos opioides, até à situação em Portugal, onde os dados mais recentes apresentados pela TSF, citando dados da Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed), indicam um aumento do consumo de cerca de 50% quando comparado com dados de 2010, o assunto da gestão da dor tem sido presente constante nos meios de comunicação social.
É importante, antes de iniciar esta breve análise clarificar que, neste assunto em particular, falamos de gestão e não de tratamento.
De facto, na dor crónica normalmente usando estratégias farmacológicas adequadas e, como iremos ver a seguir mais do que isso, é possível controlar a dor, mas, raramente, poderemos assumir a cura; é normalmente neste binómio curar/cuidar que temos as situações eticamente mais complexas.
Na área da gestão da dor não faltam números para ilustrar este facto. Os números falam por si; todos os tipos de dor (traumática, pós-cirúrgica, crónica, oncológica e no fim de vida) permanecem significativamente não tratadas ou maltratadas: 75-80% dos doentes reportam dor pós-cirúrgica de severidade moderada ou severa; 40-65% dos idosos institucionalizados experienciam dor todos os dias; destes 25% não estão medicados.
Mesmo no final de vida, os dados sobre a dor são preocupantes; um em dois doentes oncológicos não recebem tratamento adequado para o alívio da dor.
De facto, a questão da dor incontrolável, o medo da dor, está de tal modo disseminado na sociedade que, muitos receiam que sirva, indesejavelmente, como argumento para o apoio à eutanásia e ao suicídio assistido.
A plêiada de justificações para este facto é extensa e inclui:
Mas, de facto, o alívio da dor e do sofrimento é uma obrigação ético/deontológica de qualquer médico, este, obviamente, não pode deixar de ser responsabilizado quando falha este dever.
No entanto, o modo como percecionamos a dor e o sofrimento do outro influencia a nossa resposta. A capacidade, o tempo e a disponibilidade para ouvir, comunicar, confiar e aceitar a história do outro, influência, de uma forma marcante, a nossa capacidade de cuidar e de tratar.
Os meios auxiliares de diagnóstico não podem comunicar a intensidade, a duração, a dimensão da dor naquele doente; só este pode; no entanto, a narrativa daquele que pode, efetivamente, comunicar muitas vezes não passa de um ruído ou um viés à minha possibilidade de ser científico e objetivo. De facto, esta visão dicotómica tem sido alimentada por um tecnologismo, tantas vezes desumanizante e por uma lógica eminentemente científica que a medicina, nos últimos anos tem assumido.
A lógica cientifico-tecnológica com uma base dualista – corpo e espírito, analítica e racionalista onde o que não é objetivável não tem valor, onde quando não curamos somos derrotados -, não serve nem o melhor interesse de quem é cuidado nem, certamente, o melhor interesse de quem cuida. A dor será sempre inglória…