Emissão Renascença | Ouvir Online
A+ / A-

Conselho Europeu de Investigação

Nove milhões de euros para seis cientistas portugueses

03 set, 2019 - 11:27 • Redação, com Lusa

Nanotecnologia para mapear tumores e investigação de "fake news" entre os projetos beneficiados.

A+ / A-

Seis cientistas portugueses receberam nove milhões de euros em financiamento europeu para realizar projetos. Entre os beneficiados só dois trabalham em Portugal: vão receber quase três milhões de euros para mapear tumores com nanotecnologia e tratar notícias falsas.

Ao todo, o Conselho Europeu de Investigação atribuiu bolsas a 408 investigadores, no valor total de 621 milhões de euros. O dinheiro serve, segundo aquele organismo, para apoiar investigadores em início de carreira com projetos promissores. Dos 408 beneficiados estão seis portugueses, dois a atuar por cá e outros quatro a trabalhar fora do país.

João Conde, do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes, recebeu 1,4 milhões de euros, enquanto que Joana Gonçalves de Sá, da Universidade Nova de Lisboa, irá receber 1,5 milhões de euros.

Os restantes vencedores portugueses encontram-se a laborar no estrangeiro: Cláudia Custódio no Imperial College of Science Technology and Medicine (no Reino Unido); Noel de Miranda, na Academisch Ziekenhuis Leiden (Holanda); Mafalda Viana, da University of Glasgow (Reino Unido); e Rebeca Ribeiro Palau, do Centre National de la Recherche Scientifique (França). Cada um deles irá receber cerca de 1,5 milhões de euros para "desenvolver investigação de ponta".

Estes fundos fazem parte do programa de investigação e inovação da União Europeia, o Horizonte 2020, gerido por Carlos Moedas, e vão abranger tópicos como o estudo das florestas, do mar ou de organismos unicelulares. Os investigadores beneficiados são de 51 países diferentes e irão desenvolver os seus estudos em 24 nações. A organização estima que as bolsas atribuídas ajudem a criar cerca de 2500 empregos.

Em declarações à Renascença, Joana Gonçalves Sá lamenta que só dois projetos com sede em Portugal tenham sido aprovados.

“Eu estou naturalmente contente com o resultado e com este projeto, mas para Portugal há uma certa desilusão porque, tipicamente, temos tido mais projetos aprovados. Este ano fomos só dois: eu e o meu colega João Conde, do IMM”, refere Joana Gonçalves Sá.

Combater o cancro com nanotecnologia

João Conde afirmou que o seu projeto se concentra no cancro da mama e usa nanomateriais para chegar ao interior das células dos tumores cancerígenos, que são diferentes entre si, para os identificar através de um "código de barras" que permita um tratamento mais eficaz.

Todos os cancros começam com uma célula "que enlouquece" e começa a multiplicar-se, agregando em torno de si células de tipos diferentes: umas tumorais, outras normais e células do sistema imunitário, que compõem a massa dos tumores e influenciam a maneira como reage a terapias.

Há 10 anos que João Conde usa nanotecnologia aplicada ao cancro, com "partículas de materiais vetores" usados para alterar geneticamente as células tumorais ou aplicar drogas.

Mas o novo uso que pretende dar a essa tecnologia é chegar dentro de cada célula de um tumor para as identificar através de cores, criando um "código de barras" que permita identificá-lo e determinar que tratamento será mais eficaz.

A nanotecnologia permite também, através do uso de dois compostos líquidos que, juntos, se transformam num gel, criar "circuitos genéticos" que alteram a expressão dos genes das células do tumor, aumentando, por exemplo, a expressão dos que estão diminuídos e "ver onde é precisa correção maior".

Num projeto de cinco anos vai começar-se por usar ratos de laboratório e depois amostras de tecidos de pacientes humanos. "É um projeto muito complexo, de alto risco, mas de alto ganho", indicou.

O vírus das "fake news"

O projeto de Joana Gonçalves de Sá tem por base a aplicação de princípios da epidemiologia ao fenómeno das "fake news", as notícias falsas, tratando-as como um vírus que se espalha na era das redes sociais.

Assim, há três fatores essenciais para perceber a sua disseminação: a sua "infecciosidade, o ambiente e a suscetibilidade dos indivíduos".

Até agora, a perspetiva no combate ao fenómeno das notícias falsas nas redes sociais tem sido "pragmática", atribuindo às plataformas como o Facebook e o Twitter a responsabilidade de resolver o problema.

Mas a investigadora salienta que "são as pessoas as principais responsáveis por espalhar notícias falsas" e que "quanto mais chocante e surpreendente o título", maior probabilidade tem de ser partilhado.

No projeto financiado pelos fundos europeus, vai usar-se dados do Twitter e métodos clássicos de investigação em ciências sociais, como entrevistas, usando as redes sociais como "um macroscópio".

O intuito não é criar nenhuma ferramenta para combater 'fake news', mas chegar a um "conhecimento fundamental e compreender melhor o comportamento humano".

Os algoritmos das redes sociais, que escolhem para os utilizadores notícias relacionadas com os seus gostos e preferências, estão a amplificar desvios cognitivos dos humanos, como a tendência de partir de uma opinião e procurar a sua confirmação.

Outro viés cognitivo, conhecido como efeito Dunning-Kruger, faz com que se tenha mais confiança no que se sabe do que conhecimento, o que também se manifesta na disseminação de notícias falsas, como se os humanos não tivessem evoluído para "parar e pensar" perante um título chamativo para determinar se é verdade ou não.

Joana Gonçalves de Sá salientou que o projeto tem implicações éticas, uma vez que se pretende chegar a um conhecimento profundo sobre os utilizadores das redes sociais, que "não pode cair nas mãos erradas".

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+