50 anos de Woodstock, o festival que marcou uma geração e influenciou as que se seguiram

15 ago, 2019 - 00:00 • Joana Gonçalves

Em agosto de 1969, num campo perto da cidade de Bethel, em Nova Iorque, meio milhão de pessoas celebravam "três dias de paz, amor e música". Viveu-se o auge da contracultura dos anos 1960 e do movimento hippie.

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"Foi paz, foi amor, foi união total", as memórias do Festival Woodstock
"Foi paz, foi amor, foi união total", as memórias do Festival Woodstock

Uma geração marcada pelo movimento hippie, movida pela justiça social e com uma enorme vontade de pôr fim à Guerra do Vietname. Foi este o público que encheu a quinta de 600 hectares, no sul de Nova Iorque, entre os dias 15 e 18 de agosto de 1969.

Durante “três dias de paz e música”, onde reinou a anarquia e o pacifismo, o rock foi a figura central, com atuações de gigantes do universo musical, como Jimi Hendrix, The Who, Janis Joplin e Carlos Santana.

Jovens na casa dos 20 anos, com coroas de flores na cabeça e roupa larga de padrões florais ou psicadélicos, pintaram o quadro do Festival Woodstock, que este ano completa cinco décadas.

A música foi arma de arremesso numa era muito particular da história dos Estados Unidos. Richard Nixon acabava de ser eleito Presidente dos EUA, em 1968, e as imagens que circulavam da Guerra no Vietname iniciaram um movimento pacifista contra os conflitos bélicos em que se envolvera o país. Os direitos civis e a luta contra a violência dominavam o ativismo da época.

As drogas alucinogénicas, como o ecstasy e LSD, começavam a atingir um pico, e a América dividia-se entre a sociedade de consumo e a contracultura dos anos 1960. Foi neste clima atípico que nasceu “o pai dos festivais”, um fenómeno irreproduzível, como assim fazem parecer as sucessivas tentativas falhadas de o recriar.

Um festival com lotação para 200 mil, chegou ao meio milhão

À semelhança do público alvo de Woodstock, também os quatro organizadores do evento, John Roberts, Joel Rosenman, Artie Kornfeld, and Mike Lang, tinham pouco mais de 20 anos, na época.

Com uma lotação inicialmente prevista de 200 mil espectadores, a multidão que chegou à quinta de Max Yasgur, nos arredores de Bethel, há 50 anos, rapidamente fugiu ao controlo deste pequeno grupo de jovens.

Em poucas horas, cerca de 500 mil pessoas estavam reunidas à entrada do recinto. O preço original do ingresso para os três dias de festival foi fixado nos 18 dólares, mas o obstáculo logístico ditou a gratuitidade dos concertos.

E se foi impossível cobrar a entrada a meio milhão de espectadores, assegurar a alimentação de todos eles foi um pesadelo. Ao fim do primeiro dia, a organização viu-se obrigada a gastar dezenas de milhares de euros no aluguer de helicópteros para o transporte de alimentos.

Uma estratégia que resultou num endividamento, que só ao fim de uma década foi saldado. Do investimento inicial de 3,1 milhões de dólares apenas 1,8 milhões foram recuperados no mesmo ano.

O cenário rural não escapou ao trânsito

Na manhã de terça-feira, 12 de agosto, começavam a chegar os primeiros carros a Woodstock. Na tarde de quinta-feira, 14, os campos de luzerna de Max Yasgur acomodavam mais de 250 mil pessoas.

Um dia depois, data de início do festival, o número de espectadores duplicou e a ânsia de chegar ao recinto a tempo dos concertos inaugurais determinou uma resposta inesperada. Centenas de pessoas abandonaram os carros na autoestrada 17 B, cortando a via no sentido do recinto.

Com uma fila de quase 20 quilómetros, foram vários os jovens que acabaram por assistir aos concertos, enquanto aguardavam o descongestionamento do trânsito. Encontrar o carro no regresso não foi tarefa fácil.

O filme que eternizou Woodstock

A música, em particular o rock’n’roll, é a grande protagonista dos três dias que marcaram o auge da contracultura dos anos 1960, mas foi o cinema que eternizou o festival ainda envolto num romantismo utópico e mitologia, em parte desconstruída.

Um ano depois do grande evento, a Warner Bros. Entertainment estreou um documentário sobre o festival, realizado por Michael Wadleigh, com edição do então jovem cinéfilo e aspirante a cineasta, Martin Scorsese.

A vasta equipa de produção fugiu à regra e, para além da típica reprodução de concertos e momentos em backstage, apresentou um olhar intimista sobre todo o clima envolvente, com retratos caseiros e informais dos jovens, que no verão de 1969, se uniram por um mundo livre de violência, racismo e conflitos armados.

Homens e mulheres nus em terras lamacentas, consumiam drogas, partilhavam seringas e cobertores que os protegiam da humidade da relva de um campo, a mais de 100 quilómetros do centro da vila de Woodstock.

As falhas da organização que não impediram que o festival avançasse, o coro de meio milhão ao som de “I-Feel-Like-I'm-Fixin'-To-Die Rag”, de Country Joe McDonald, e o silêncio impenetrável perante os gritos da guitarra de Jimi Hendrix, durante a lendária versão do hino norte-americano.

O Festival de Woodstock é parte da história norte-americana, parte da cultura pop e influência inegável das maiores estrelas do rock’n’roll que se seguiram. Poderá questionar-se se o seria, da mesma forma, sem o filme que o retratou.

A obra de Wadleigh acabaria por vencer o Óscar de melhor documentário, em 1970. Mais de 190 quilómetros de fita foram transformados, em pouco mais de seis meses, num filme de 3 horas, exibido pela primeira vez a 26 de março, nos Estados Unidos.

50 anos depois, o amor persiste

A fotografia tem a assinatura de Burk Uzzle, fotojornalista à época membro da Magnum Photos. Nela estão retratados Nick and Bobbi Ercoline, um jovem casal apaixonado que representa o espírito do festival.

A imagem seria mais tarde capa do álbum “Woodstock: Music from the Original Soundtrack and More” e símbolo do movimento hippie.

Cinco décadas depois, o célebre casal, agora com 70 anos, mantém a mesma ternura e regressou à quinta onde foi tirada a fotografia.


O lendário momento de Jimi Hendrix que escapou a muitos festivaleiros

Jimi Hendrix fez história em agosto de 1969 com uma versão arrebatadora e mordaz do hino norte-americano. O símbolo supremo do patriotismo foi interpretado como nunca antes, ao som da guitarra de Hendrix.

O guitarrista e compositor dos EUA foi o grande cabeça de cartaz do festival e o artista mais bem pago da primeira edição. Como exigência contratual constava que Jimi Hendrix teria de fechar o evento.

Inicialmente previsto para a noite de domingo, 17 de agosto, o concerto final teve de ser adiado para a manhã do dia seguinte, devido a atrasos no alinhamento, que se arrastavam desde o primeiro dia.

Quando Hendrix subiu ao palco, às 9 da manhã, a maioria dos festivaleiros já tinham regressado a casa e muitos estavam ainda a dormir. 50 anos depois a versão de The Star-Spangled Banner continua a ecoar na memória dos mais velhos e até daqueles que nunca estiveram em Woodstock.


A maldição de Woodstock

Um festival com o simbolismo de Woodstock pedia necessariamente uma recriação. Foi o que tentou fazer Mike Lang em 1994 e, novamente, em 1999. Tanto num ano, como no outro, o romantismo idealizado ficou aquém das expectativas.

Ambos os eventos ficaram marcados por episódios de violência e denúncias de abusos sexuais. Ao contrário da edição original, nunca uma outra experienciou a anarquia e os excessos de forma tão pacífica.

Para assinalar os 50 anos de Woodstock o mesmo produtor voltou a tentar recriar o evento, desta vez sem sucesso. No dia 1 de agosto Lang anunciou o cancelamento do festival.

“Estamos tristes que uma série de contratempos inesperados tenha tornado impossível realizar o festival que imaginámos, com o grande alinhamento que contratámos e com o envolvimento social que antecipámos”, declarou um produtores originais do emblemático festival de 1969.

O cancelamento do Woodstock 50 já era esperado. Primeiro, a organização não conseguiu encontrar local para o festival no estado de Nova Iorque, depois, perdeu apoios financeiros e alguns cabeças de cartaz, como o rapper Jay-Z e a cantora Miley Cyrus, desistiram.


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  • Anactleto
    17 ago, 2019 Praia Amarela 16:04
    Muita paz, muito amor e muita COCA!!!!

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