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Joaquim Gomes

O homem da Volta a Portugal. "É para mim uma missão de vida"

22 jul, 2019 - 14:32 • Pedro Filipe Silva

Aos 30 anos, Joaquim Gomes quis deixar o ciclismo para tirar o curso de medicina. A vida trocou-lhe as “voltas” e encostou a bicicleta aos 37 anos. Correu 18 voltas, venceu duas. Como diretor já leva 17. Hoje é o homem da maior competição do ciclismo nacional. A Volta está na estrada de 31 de julho a 11 de agosto.

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Como é passar de corredor a diretor da Volta a Portugal?

Não chegou a ser um ano. Foram três, quatro meses. A verdade é que, a dois três anos de terminar a minha carreira, o fundador da PAD, hoje Podium, me aliasse para enveredar pela organização da Volta. A Volta a Portugal que era a minha paixão. Desde os meus 15 anos, mesmo sem estar na Volta, que era a minha fonte de motivação.

Não imaginava ser diretor da Volta a Portugal?

Não, claro que não. Até porque tinha um projeto bastante interessante, que relacionava a Câmara Municipal de Lisboa com os três grande da capital, o Benfica, o Sporting e o Belenenses. Era o Lisboa Clube de Ciclismo, teria como grande bandeira uma equipa de ciclismo profissional.

O que é certo é que subitamente concretiza-se esse convite, pelo João Lagos, que tinha comprado a PAD, para diretor técnico da Volta a Portugal. Os meus planos para o clube de ciclismo acabaram por ficar pelo caminho. No fundo era o meu grande desejo. É quase uma missão de vida a Volta a Portugal para mim.

Então foi uma decisão difícil?

Não. Curioso que acabei por trilhar um caminho para ter bagagem para encarar esta carreira. Eu sempre gostei de planear a minha vida. Eu tinha planeado aos 30 anos terminar a minha carreira e tirar o curso de medicina. Em 1995 estava tudo planeado para entrar na faculdade, tinha quase 30 anos e estava no auge da carreira. Há uma circunstância que altera por completo os meus planos. A Sicasal cessa subitamente o patrocínio ao ciclismo. Eu estava nessa equipa. Alguns dos melhores corredores na altura, nomeadamente o Pedro Silva e o Vitor Gamito, ficaram sem equipa. Alguns pediram-me para ser o manager da equipa. Eu aceitei, porque podia fazer os meus estudos e estar ligado à mesma à modalidade. Só que depois houve algumas alterações. Eu pensava que ia correr mais um ano, mas corri mais sete. Isto é, algumas das marcas que estavam disponíveis para patrocinar quando se apercebiam que eu não ia correr acabavam por revelar algum desinteresse. Acabei por avançar para ciclista e ser manager ao mesmo tempo.

É por isso que eu digo que muitas das questões que estão ligadas a uma prova como a Volta a Portugal, que passam pela parte comercial, marketing, comunicação, eu acabei por adquirir.

É difícil desenhar uma volta a Portugal?

Nós andamos diariamente com a casa às costas. As condições de cada um dos locais de chegada são distintos, os layouts alterados dia após dia. Do ponto de vista da segurança, entre o policiamento municipal, GNR e PSP. Só ao nível da GNR, o número de militares ultrapassa os três mil, entre o início e o final da Volta.

Mas a essa parte junta-se a questão de delinear os percursos. Quão difícil é esta questão?

A nossa tarefa complicou-se um bocadinho. Habituámo-nos a celebrar com muitos municípios contratos plurianuais, que são transversais ao mandato autárquico. Isso do ponto de vista comercial é confortável. Quanto temos 80% dos municípios da Volta que a asseguram a sua presença para quatro anos, isso dá algum conforto do ponto de vista financeiro. Infelizmente, no orçamento total da Volta, pelo menos 30% é da responsabilidade dos municípios.

Agora com o novo contrato celebrado com a Federação Portuguesa de Ciclismo reduz muito os contratos plurianuais. As peças do puzzle para finalizar o percurso da Volta vão começar a ser em muito maior número.

Estamos a falar de que valores?

Nós estamos obrigados a solicitar aos municípios presentes na Volta, no total um milhão e meio de euros. Se nós pudéssemos solicitar só metade, eventualmente a mancha no território, nomeadamente em regiões onde os municípios têm alguma dificuldade financeira. Essas regiões seriam visitadas mais vezes.

Por exemplo Alentejo e Algarve. É só uma questão de dinheiro ou de vontade?

O Algarve não é questão de dinheiro. O Alentejo eventualmente.

Numa Volta a Portugal, que só tem 11 dias, em que temos um prólogo e um contrarrelógio final. Eu não consigo em nove dias cobrir todos os distritos do país, nem pensar. A solução é que de quatro em quatro anos nós possamos ir ao Algarve pelo menos uma vez. Já fomos no ano passado, o que não quer dizer que não voltemos em 2021. Ao Alentejo quase de certeza que voltamos. Ao Algarve não estamos obrigados, mas se surgir uma possibilidade, tenho a certeza que temos municípios disponíveis, nomeadamente Albufeira, como aconteceu no ano passado.

Há outro pormenor que se levanta que é a questão de impacto económico nas regiões. Quando levo a Volta ao Nordeste Transmontano, eu sei que tenho hotéis disponíveis e que estão à espera da Volta. Quando vou ao Algarve, isso é completamente desprezível, porque nos vimos aflitos para encontrar alojamento.

A operação no ano passado em Albufeira foi uma coisa completamente brutal. Nós chegámos numa altura de mudança de férias, com uns chegar e outros a sair. Foi um transtorno enorme e nem houve impacto económico, porque a caravana foi dormir para o Alentejo, onde começava a etapa no dia a seguir. É muito complexo, mas eu aceito bem todas essas críticas.

Perante todas estas variantes, a Volta não lhe tira o sono?

Não. Eu habituei-me a lidar com a tensão. Os episódios que eu tive ao longo da minha carreira desportiva, que me obrigaram por exemplo a passar por noites sem dormir, isso fica registado na nossa experiência de vida.

Para mim um dia tenso é saber que estou na véspera de um contrarrelógio decisivo da Volta, em que se está com problemas gastrointestinais, que é a pior coisa que acontecer numa prova por etapas, e que no dia a seguir vou discutir a vitória.

Depois de se passar por dezenas de situações, em que a tensão é levada a um extremo, começas a saber lidar com essas situações. Eu às vezes penso mesmo que fui talhado para isto.

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