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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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Viver com juros baixos

20 jul, 2019 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


Os juros baixos são ótimos para diminuir os encargos do Estado com o pagamento de juros devidos pela dívida pública. Mas dificultam a poupança das famílias de rendimentos médios.

A poupança das famílias portuguesas desceu para níveis muito baixos, francamente inferiores ao nível que existia quando as famílias tinham rendimentos bem mais pequenos do que os atuais. Em 1995 a poupança das famílias representava, em média, 13% do rendimento disponível, agora anda pelos 5%.

Ora o endividamento das famílias em Portugal, embora em queda desde 2012 (em março ficou pela primeira vez abaixo dos 70% do PIB), ainda é elevado. Por isso é preocupante que a poupança familiar não seja mais alta.

Será a queda da poupança o resultado de muita gente se haver convencido de que o Estado não faltará com subsídios (de desemprego, por exemplo) e pensões de reforma quando forem necessários apoios? Talvez, mas é arriscado pensar assim.

O próprio envelhecimento da população, que é rápido no nosso país, coloca crescentes constrangimentos financeiros ao Estado social. Daí a angústia de muitos jovens quando pensam no montante da sua futura reforma.

Dificuldades para a poupança

Mas, dir-me-ão, como poupar, se as taxas de juro estão tão baixas? De facto, os depósitos bancários a prazo pagam juros que mal cobrem a taxa de inflação.

Os juros baixos são ótimos para reduzir os encargos do Estado com o pagamento de juros devidos pela dívida pública. Portugal já colocou dívida pública de curto prazo no mercado a taxas negativas – ou sejam, quem compra dívida paga, em vez de receber. É o que acontece com a dívida da Alemanha e não só a curto prazo. Mas os juros baixos dificultam a poupança das famílias de rendimentos médios.

A grande novidade da última década, e não só em Portugal, é a subida de preços ser muito pequena. O perigo, aqui, é a deflação – uma generalizada e persistente baixa de preços. Com deflação, as pessoas e as empresas tendem a adiar compras, ficando à espera que os preços desçam, o que tende a paralisar a atividade económica. O Japão vive nesta situação ou próximo dela há décadas.

Desde 2012 que a taxa anual de inflação na zona euro tem ficado abaixo de 2%. Em junho passado, comparando com junho de 2018, os preços subiram 1,3%; em maio a subida anual tinha sido de apenas 1,2%. O objetivo do Banco Central Europeu é atingir uma taxa anual de inflação em torno dos 2%.

Inflação baixa em Portugal

Em Portugal a inflação é das mais baixas da zona euro. Em junho a taxa anual foi de 0,7%. Para uma economia que, durante décadas, sofreu taxas anuais de inflação próximas de 30%, é complicada a adaptação a taxas tão baixas.

Uma alternativa possível para quem pretende aplicar poupanças seria investir na bolsa, comprando ações e emitindo obrigações. A presidente da CMVM, Gabriel Figueiredo Dias, disse esta semana, na Comissão parlamentar de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa, que “é desejável a afirmação do mercado enquanto fonte de financiamento alternativa ao crédito bancário”. E para tal seriam necessários incentivos fiscais.

Mas essa via, sendo aconselhável para empresas, não é adequada ao financiamento da poupança das famílias. Muitas destas, sobretudo as que não são ricas, estão pouco interessadas em envolver-se em arriscadas operações bolsistas. Têm razão.

O Estado português faz muito bem em emitir dívida pública enquanto os juros estão a baixo nível. É uma forma de poupança para o conjunto dos contribuintes, uma vez que, assim, não se pagam juros altos de pelo menos uma parte da dívida pública. Mas, em contrapartida, para as famílias os juros baixos estão longe de ser uma bênção.

Desvantagens e benefícios

Para quem está a pagar empréstimos destinados à compra de casa o nível baixo dos juros, e em particular da Euribor, é um alívio – que não se sabe até quando irá durar. Trata-se, porém, de um benefício que, obviamente, não abrange quem não tem hipóteses de obter um empréstimo bancário para habitação.

O mercado de aluguer praticamente não funciona entre nós e a subida nos preços das casas coloca muita gente fora do acesso à habitação. Daí os vários programas que recentemente surgiram para facilitar a compra de casa a preços controlados, programas cuja eficácia, ou não, se verá nos próximos meses.

Também para os bancos os juros baixos constituem um problema, porque afetam as receitas da atividade bancária e limitam os juros que os depósitos podem pagar. Daí o recurso crescente ao agravamento das comissões.

É desagradável, claro, mas seria loucura preferir que os bancos vão à falência. Os contribuintes portugueses já perderam demasiado dinheiro com bancos falidos e com crédito bancário malparado.

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