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Marvila

"Queremos fazer a diferença na vida destes jovens"

11 jun, 2019 - 13:00 • Liliana Monteiro

Afonso Coalho e Duarte Martins pegaram nos 500 euros do prémio João Valssassina com que foram distinguidos e renovaram o Centro de Informação Juvenil de Marvila.

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Reportagem CIJ Marvila jornalista Liliana Monteiro
Clique na imagem para ouvir a reportagem na íntegra. Foto: Liliana Monteiro/RR

Afonso e Duarte frequentam o 12.º ano e, além do estudo e dos seus tempos livres, há três anos reservam horas semanais para fazerem voluntariado no Centro de Informação Juvenil (CIJ) de Marvila, que pertence à paróquia de São Maximiliano de Kolbe.

Um dia foram surpreendidos com a distinção do colégio Valsassina, que frequentam, com um prémio de 500 euros que distingue iniciativas de responsabilidade social. "Foi o meu pai que me disse que tínhamos ganho o prémio João Valsassina. Fiquei boquiaberto", conta Afonso à Renascença.

Quando se entra no CIJ é com orgulho e de sorriso nos lábios que os dois jovens apresentam as novas salas e cozinha, agora remodeladas.

"Temos a sala principal onde os miúdos estudam todos os dias, matemática e português, assim como outras matérias. Pintámos as paredes de branco e os rodapés de azul e alterámos focos de luz. Demos um ar mais confortável", diz Duarte, apontando para as fotografias do antes e depois do espaço.

Chegados à cozinha pode ler-se uma frase que não passa despercebida: "Somos uma porta para o Mundo." Afonso explica a opção: "Pedimos a um artista para desenhar um mural e esta frase. Este centro está na zona J, associada ao preconceito, então é como se o Centro fosse mesmo uma porta para outro mundo, para eles poderem sair do bairro."

Já Duarte lembra que dedicaram muito espaço a essa divisão, "porque os armários estavam muito velhos" num centro já com mais de 30 anos.

"Lixámos e envernizámos os armários, comprámos mesa nova, renovámos os bancos. Fizemos acordos com algumas empresas, mudámos os azulejos." O trabalho contou com a participação até de jovens que frequentam o CIJ.

Um pouco mais à frente, num pequeno espaço entre a sala de aula e a cozinha, está uma mesa de matraquilhos. "A junta de freguesia decidiu oferecer esta mesa, jogamos todos muitas vezes", diz Afonso.

A maior sala do espaço está hoje mais arrumada. "Organizámos os livros todos, o que deu muito trabalho, foram várias horas. Há largas dezenas de livros de estudo que são doados e também livros de lazer que eles usam. Isto era uma grande desorganização. A "simples procura" por um livro de matemática, explica Afonso a título de exemplo, "demorava imenso tempo".

"Quando começámos o projeto não queríamos que eles nos agradecessem dando-nos algo, mas sim dando algo [aos alunos]. Desafiámo-los e pedimos para este ano ninguém chumbar", revela Afonso, antes de Duarte explicar como os alunos mais fortes se mantêm no topo ao mesmo tempo que ajudam os mais fracos. "Se todos nos ajudarmos, conseguimos todos ter uma vida melhor no futuro. Queremos fazer a diferença na vida destes jovens."

Rendidos ao projeto, os dois jovens consideram que uma das melhores coisas neste voluntariado é perceber que a ajuda não tem efeito imediato, mas a longo prazo. "Por exemplo, um rapaz que tinha negativa a matemática no 1.º período depois no 2.º período conseguiu um 4 com a nossa ajuda e de todos’, conta Afonso, orgulhoso.

Essa ajuda vai para lá das notas, acrescenta Duarte. "O objetivo é procurar que consolidem o que aprendem. Não estudarem por estudar, mas perceberem que a escola os pode ajudar a ir mais longe na vida, que pode ser uma porta para o mundo."

Os ‘miudos' do CIJ

Sentada com mais outra colega na mesa redonda rodeada de cadeira pequenas, Érica, de 15 anos, conta à Renascença que "tudo vale a pena no final do ano, porque temos boas notas e vale bem o período rígido de estudo aqui".

Além do estudo, o CIJ proporciona outras experiências e aprendizagens aos jovens. Érica gosta particularmente quando vão à praia ou acampar. "Um dia, quando sair, vou sentir saudades do espaço, da alegria e diversão que aqui há. São as coisas de que nunca me vou esquecer", confessa.

Para esta aluna, a transformação do espaço tornou-no "mais limpo e alegre", um sítio "mais agradável" para estudar, que "transmite tranquilidade".

Noutra mesa ao lado está Henrique, de 13 anos. Parco em palavras, quando lhe perguntamos o que faz ali diz que estuda 30 minutos para depois poder "brincar, jogar à bola e matrecos".

Já Margarida, mergulhada no caderno, conta-nos que ali "estuda-se, convive-se com os amigos, aprendemos muito até quando fazemos asneiras". "Ensinam-nos a lidar com a sociedade. Isto é como se fosse a nossa casa."

Patrícia tem 18 anos, é mais velha, e hoje estuda português com a ajuda de uma voluntária. Chegou ao CIJ porque a irmã mais velha também ali andou, mas hoje tem outros motivos para estar no centro. "Sei que aqui há pessoas que me ajudam", confessa.

"Chego a casa muito feliz comigo própria"

Liliana Moreira é voluntária desde 2013. É coordenadora de inglês no colégio e está no ensino há 50 anos. No CIJ ensina um pouco de tudo. "Ajudo no que me pedem e no que posso, menos a ciências, porque sou de inglês, alemão e português", explica.

À Renascença, revela que há alguns que mostram resistência e diz que é normal porque só querem brincar e não querem ouvir. Contudo, são esses que "depois são os primeiros a dizer 'Hoje tenho de estudar consigo, venha cá’."

Foram já vários os alunos que Liliana apoiou e não são só eles que ficam satisfeitos. "Há pouco tempo uma encarregada de educação veio dizer-me que a filha já está a conseguir seguir um curso e isso dá-me muito prazer", conta. "Chego a casa muito feliz comigo própria."

Vera e Alexandra trabalham no CIJ há mais de uma década. Educam, brincam, ralham, castigam e ensinam de tudo para a vida. Vera é animadora sociocultural, Alexandra é assistente social. Ambas vivem na comunidade e já foram também elas jovens ali.

Vera entrou para o centro aos nove anos e, tal como ela, também os seus dez irmãos por ali passaram. "Se não tivesse frequentado o CIJ, nem sei se fazia o 12.º ano, acho que não", partilha.

Aprendeu muito com a dona Lurdes, a tutora do espaço na altura. "Ela ensinava-nos a estudar mas a brincar. Sentíamos que não era uma obrigação e ela sabia cativar-nos." Hoje, muitos dizem-lhe que é ela a nova dona Lurdes.

"Qualquer problema que haja com eles, vêm logo ter connosco", acrescenta Alexandra, mesmo em "situações graves que aconteçam ou se tiverem de contar algo menos bom aos pais".

E isso também se deve ao Afonso e ao Duarte, que continuam a dedicar o seu tempo ao CIJ. "Já viram? Eles estiveram aqui duas semanas com imenso calor a trabalhar para vocês", diz Alexandra aos alunos. "Podiam ter ido para a praia e não foram, decidiram entregar-se e fazer um projeto para vocês quando não tinham necessidade de fazer isso."

A outra peça fundamental do centro é Frei Tibório, que está há um ano e meio em Lisboa e que é hoje responsável pelo acompanhamento dos jovens na paróquia.

Questionado sobre os jovens que ali vivem, responde com um sorriso nos lábios. "São jovens que vivem num mundo particular e que nem sempre sabem o que querem. Exigem um esforço maior para detetarmos o que lhes falta." E o que lhes falta? "Falta o amor, amor pelas coisas e pelo trabalho. São famílias que também merecem atenção, de zonas vistas como periferias que podem ser descartadas."

À Renascença, explica ainda que "são pessoas que comunicam vida e alegria" e que "muitas não pedem ajuda por pudor". É por isso, refere, que "temos de ter maior atenção através de vizinhos e amigos".

Na paróquia de São Maximiliano de Kolbe há famílias portuguesas, angolanas, moçambicanas, cabo-verdianas, bem como de São Tomé e Príncipe, da Índia ou do Brasil.

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