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Pfizer escondeu benefícios de medicamento na prevenção da doença de Alzheimer

06 jun, 2019 - 14:22 • Marta Grosso

A doença representa entre 60% e 70% de todos os casos de demência no mundo. Porque é que a farmacêutica escondeu esta informação?

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O Enbrel é um dos medicamentos mais vendidos da Pfizer. É usado para tratar a arterite reumatóide, mas investigadores da própria farmacêutica descobriram que também tem resultados benéficos na prevenção da doença de Alzheimer -- e que a empresa optou por não desenvolver os estudos necessários para permitir essa nova aplicação.

A notícia está a ser avançada pelo jornal norte-americano “Washington Post”, segundo o qual investigadores da Pfizer descobriram que o Enbrel é eficaz na redução do risco de doença de Alzheimer em 64% dos casos.

A descoberta decorreu de uma análise estatística aos dados fornecidos por seguradoras sobre os efeitos de determinados medicamentos nos consumidores. Como estes dados não servem de evidência científica, foi posteriormente pedido um ensaio clínico que pudesse comprovar os alegados benefícios.

"O Enbrel poderia potencialmente prevenir, tratar e retardar a progressão do Alzheimer", lê-se numa apresentação de PowerPoint preparada por uma comissão de cientistas da Pfizer em fevereiro de 2018.

O documento interno, a que o “Washigton Post” teve acesso, está assinado por investigadores do departamento de doenças inflamatórias e imunologia da Pfizer. Terão sido estes cientistas a pedir à empresa que realizasse um ensaio clínico com milhares de doentes, para se poder confirmar a aplicação do Enbrel em pessoas com Alzheimer.

A empresa, que em setembro de 2018 registava mais de 11 mil milhões de dólares de lucros, teria de gastar cerca de 71,2 milhões com o estudo. Só no ano passado, o Enbrel rendeu à Pfizer 18,5 mil milhões de euros.

O caso esteve três anos em debate no seio da gigante farmacêutica, mas o ensaio acabou por não ser aprovado.

Segundo a explicação da Pfizer ao jornal norte-americano, a expectativa de que "o Enbrel poderia travar a doença de Alzheimer não era, afinal, assim tão alta, dado que o medicamento não atingia diretamente o tecido cerebral". Tratou-se, por isso, de uma decisão “exclusivamente científica”, garante o porta-voz da empresa.

Os resultados da análise estatística ficaram também por divulgar porque, segundo a mesma fonte, não cumpriam os seus “rigorosos padrões científicos”.

Decisão científica?

Face às explicações da empresa, o “Washington Post” faz uma outra leitura do caso. Segundo o jornalista Chris Rowland, a farmacêutica não quis avançar com o ensaio clínico porque já não iria beneficiar financeiramente dessa descoberta.

“Todos os medicamentos têm um ciclo de vida [normalmente, uma exclusividade de 20 anos] e o Enbrel estava a chegar ao fim do seu, passando a enfrentar a concorrência dos genéricos. A farmacêutica não poderia obter, por isso, grandes lucros a partir desta descoberta, porque não teria direitos exclusivos sobre o medicamento”, explica o repórter.

Além disso, se a empresa tivesse publicado os resultados da investigação, a concorrência teria acesso a essa informação.

47 milhões de doentes em todo o mundo

Dos 47,5 milhões de pessoas com demência em todo o mundo, entre 60% e 70% sofrem da doença de Alzheimer, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) relativos a 2015.

Em Portugal, a estimativa aponta para mais de 180 mil pessoas afetadas por esta doença (dados de 2014). De acordo com a Associação Alzheimer Portugal, não existe ainda um estudo epidemiológico que retrate a real situação do problema no país.

Para o futuro, a OMS prevê que o número de pessoas afetadas pela demência chegue aos 75,6 milhões em 2030 – ou seja, daqui a pouco mais de 10 anos. Em 2050, o número poderá quase triplicar, para os 135.5 milhões.

De acordo com alguns cientistas contactados pelo “Washington Post”, a divulgação dos resultados da Pfizer poderia lançar importantes pistas para atrasar a evolução da doença desde os primeiros estágios, para além de ajudar a combatê-la.

Clive Holmes, um dos investigadores da farmacêutica e professor de psiquiatria biológica da Universidade de Southampton, na Grã-Bretanha, disse ao mesmo jornal que está “muito frustrado”.

Em 2015, este cientista realizou, com o apoio da gigante farmacêutica, um estudo sobre o efeito do Enbrel na doença de Alzheimer. A investigação foi de espectro limitado, envolvendo apenas 41 pessoas, pelo que os resultados foram inconclusivos.

A doença deve o seu nome ao psiquiatra e patologista que a identificou, em 1907: Alois Alzheimer. O sintoma inicial mais comum é a perda de memória de curto prazo, sendo muitas vezes confundida com o envelhecimento natural ou cansaço.

A OMS insiste, por isso, na importância de um diagnóstico precoce da doença, para que possa ser combatida desde cedo.

A doença de Alzheimer causa uma deterioração global, progressiva e irreversível de diversas funções cognitivas, como a memória, a atenção, a concentração, a linguagem e o pensamento.

Como consequência, começam a ser detectadas alterações no comportamento do doente, que passa a ter crescentes dificuldades a realizar as suas atividades diárias.

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