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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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Tentar perceber

China, a caminho de superpotência

25 mai, 2019 • Francisco Sarsfield Cabral • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


Depois do mundo unipolar, onde os EUA são a única superpotência, aproxima-se uma nova fase bipolar, com a China a afirmar-se na cena internacional.

Durante as quatro décadas de guerra fria entre as democracias liberais, lideradas pelos Estados Unidos, e a União Soviética o mundo era bipolar. E a ausência de um conflito nuclear sério decorria de que ambas as superpotências sabiam que, se lançassem um ataque nuclear, seriam aniquiladas pela outra parte.

Mas o crescimento económico do comunismo soviético, apesar de prometer alcançar os EUA dentro de poucos anos, ficou muito aquém das promessas. E, já agora, bem abaixo de algumas estimativas da CIA.

Os americanos e os seus aliados assustaram-se quando, em outubro de 1957, a URSS lançou para o espaço o primeiro satélite artificial, o “Sputnik”, que ficou a girar em torno da terra. Parecia, então, que a Rússia soviética estava tecnologicamente muito adiantada. Mas era um engano.

O colapso do comunismo soviético ficou em grande parte a dever-se à consciência que Gorbachov teve de que não poderia acompanhar o projeto anunciado por R. Reagan em 1983 da “guerra das estrelas”. Nunca se soube ao certo se teria viabilidade este sistema de satélites equipados canhões a “laser” para destruírem mísseis inimigos. Mas o efeito psicológico e político foi fatal para o comunismo soviético.

Terminada a guerra fria com a derrota da URSS, o mundo tornou-se unipolar: passou a haver uma única superpotência, os EUA. Ora essa fase unipolar aproxima-se do fim, com a China a crescer na economia e na ciência e tecnologia. Não tarda que o mundo volte a ser bipolar.

O autoisolamento da China

Quando a Europa ainda estava na Idade Média, a China era um país cientificamente avançado. Faltava-lhe, porventura, a capacidade para utilizar as suas descobertas científicas em tecnologia prática – quanto ao relógio, à pólvora, etc. Mas os chineses consideravam possuir uma civilização superior.

O que, paradoxalmente, resultou num fator negativo para eles. É que os então dirigentes da China decidiram não haver qualquer vantagem em o seu país ter contactos com outros povos de cultura muito inferior à sua. Por isso foram mandados abater barcos de média e grande dimensão, cuja construção passou a ser proibida.

Esta medida de isolamento da China teve várias consequências. Uma delas foi que o isolamento, a longo prazo, afetou a modernização da China. A curto prazo, facilitou grandemente a entrada de caravelas portuguesas na sua costa. Mais tarde, alguns missionários jesuítas portugueses passaram a ter grande influência junto das mais altas hierarquias chinesas.

É um facto que os chineses de hoje não encaram positivamente, pois envergonham-se de se haverem submetido a culturas estrangeiras. Quando, após a assinatura em Pequim do acordo de transferência para a China da administração do território de Macau (1987), então sob administração portuguesa, o primeiro-ministro de Portugal, Cavaco Silva, resolveu visitar o “cemitério dos jesuítas”, um modesto terreno onde tinham sido enterrados há séculos alguns missionários portugueses. Nessa visita todos os acompanhantes oficiais chineses desapareceram…

Guerras do ópio

A humilhação da China perante estrangeiros foi sobretudo sentida no séc. XIX. A Grã-Bretanha e a França aliaram-se para obrigar a China a permitir a venda de ópio no seu território. Em 1839 o governo chinês destruiu uma quantidade de ópio que estava na mão de mercadores britânicos. O governo de Londres reagiu enviando navios de guerra e soldados, que venceram os chineses em 1842, obrigando estes a assinarem um tratado de abertura dos portos e de indenização pelo ópio destruído.

Em 1856 autoridades chinesas revistaram um barco britânico à procura de ópio contrabandeado. Era a desculpa de que a Grã-Bretanha precisava para declarar uma segunda guerra do ópio, vencida novamente pelos ocidentais em 1857. Como preço pela derrota, a China teve de admitir a legalização da importação de ópio por muito tempo.

A frustração popular na China com estas humilhações por parte de estrangeiros provocou, no fim do séc. XIX, uma rebelião, chamada dos Boxers. Estes empenharam-se numa violenta campanha contra estrangeiros. Mas uma força internacional, composta de 20 mil soldados russos, americanos, britânicos, franceses, japoneses, alemães, do Império Austro-Húngaro e italianos, ocupou a sede imperial e impôs à China pesadas indemnizações.

Estas humilhações estão ainda muito presentes na consciência histórica dos chineses. E explicam a deriva nacionalista e antiocidental que o atual presidente Xi Jinping personifica.

Da revolução cultural ao progresso científico

Depois da catastrófica “revolução cultural” promovida pelo presidente Mao (muito apreciado por alguma esquerda europeia nos anos 60 do século passado…), Deng Xiao Ping liberalizou a economia chinesa, mas não a política, que até hoje é monopólio do partido único, o partido comunista chinês.

Seguiu-se um extraordinário crescimento económico chinês, muito baseado nas exportações. Estas espalharam-se por todo o mundo, sobretudo depois da entrada da China na Organização Mundial do Comércio, em 2001. Na Europa, e nomeadamente em Portugal, por exemplo, foi então muito sentida a concorrência dos têxteis baratos vindos da China.

O crescimento chinês foi também impulsionado pela emigração em massa de chineses do interior agrícola para a zona do litoral chinês, um movimento que se vai tornando mais limitado. Naturalmente que o crescimento chinês abrandou e agora aposta sobretudo no imenso mercado interno – mas ainda se situa à volta dos 6% anuais na subida do PIB.

Note-se que o PIB chinês já ultrapassou o dos EUA, porque a população chinesa é muito superior à americana. Já o PIB por cabeça na China ainda é de cerca de um terço do americano.

Mas a China já não compete com base sobretudo em baixos preços. Houve, ali, notáveis progressos tecnológicos, nomeadamente nas tecnologias informáticas e na chamada inteligência artificial (em alguma medida, trata-se de tecnologia roubado ao Ocidente). É esse progresso tecnológico chinês que preocupa Washington. E com a fixação mercantilista de Trump, que reduz o comércio internacional a um jogo de soma nula, não se vislumbra uma cooperação inteligente entre os EUA e a China.

Decerto que a economia chinesa vai ser cada vez mais afetada pelo reforço da ditadura do partido comunista, que Xi Xinping promove. Mas este mostra-se preparado para enfrentar Trump, na guerra comercial e na corrida aos armamentos. Os ditadores não têm que se preocupar muito com as opiniões públicas dos seus países… Os próximos tempos não serão fáceis.

Este conteúdo é feito no âmbito da parceria Renascença/Euranet Plus – Rede Europeia de Rádios. Veja todos os conteúdos Renascença/Euranet Plus

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