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Partido Democrático Republicano

Marinho Pinto. "O que é preciso é ir votar e dar força política ao projeto europeu"

24 mai, 2019 - 13:47 • Liliana Monteiro com Ricardo Rodrigues

O eurodeputado recandidata-se ao Parlamento Europeu, agora pelo partido que criou, o Partido Democrático Republicano.

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Foi uma das surpresas da noite eleitoral de há cinco anos. Na altura candidato pelo Movimento Partido da Terra (MPT), António Marinho Pinto conseguiu eleger-se e também um segundo eurodeputado. Entretanto, rompeu com o MPT e criou o Partido Democrático Republicano (PDR), pelo qual é cabeça de lista às europeias, estando já a preparar as eleições legislativas de outubro.

Qual é a principal mensagem que quer deixar nesta campanha para as europeias?

Um apelo veemente aos portugueses que vão votar no domingo. Pela primeira vez na sua história, o projeto europeu está ameaçado pela emergência de forças populistas de extrema-direita, um pouco por toda a Europa, mas sobretudo nos países mais desenvolvidos. Muita da força política da extrema-direita advém da abstenção, da omissão dos setores democráticos da defesa do projeto europeu.

A votação do próximo domingo deverá ser uma grande votação para dar força moral ao projeto político que é a União Europeia. Não nos podemos esquecer que este projeto é de democracia, desenvolvimento, pluralismo, liberdade, solidariedade. Na UE gasta-se mais de 50% de todas as despesas sociais do mundo. Tudo isto foi conseguido em paz e isto é, talvez, o bem mais precioso que a UE pode oferecer aos seus povos. A votação de domingo devia ser massiva de todos os democratas, de todos os eleitores, independentemente dos partidos. Votar PDR seria bom, porque somos um partido europeísta, democrata, republicano, com fortes compromissos com a liberdade, com a solidariedade, com a justiça, mas se acharem que há outros, votem nos outros partidos. É preciso é ir votar e dar força política a este projeto.

A segunda mensagem que eu quero deixar é que é preciso um esforço adicional para o processo de integração e, neste mandato do Parlamento Europeu, esse esforço tem de assentar na coesão social. A UE gasta mais de 50% das despesas sociais do planeta, temos países em que o salário mínimo é de 2.000 euros ou mais, mas há outros em que é à volta de 300 euros.

O que sugere para colmatar essa disparidade?

Há que elevar estes mínimos, há que tomar a iniciativa de estabelecer que em nenhum Estado-membro da UE se poderá pagar um salário inferior a um determinado patamar, que tem de ser superior aos 300 euros. 400, 500, 600, enfim, isso será o resultado de um debate político, económico e financeiro que se fará nas instituições da União, mas tem de se fazer este debate para elevar os standards mínimos, para os aproximar dos que estão mais elevados.

Não é como pretendem alguns, mesmo em Portugal - o Bloco de Esquerda e o PCP - não é baixar os standards máximos, não é acabar com os ricos, é erradicar a pobreza da Europa, porque há setores da Europa que estão muito pobres, os países que vieram do antigo bloco comunista estão com atrasos de muitas décadas em relação à então Europa Ocidental.

Uma terceira mensagem é que é preciso renovar o debate político em Portugal. O debate político não pode ser esta teatralização, estas encenações, estas guerras de "alecrim e manjerona" sobre os cortes, sobre os fundos... Mais do que o volume dos fundos de coesão social que a UE dá a Portugal, temos de discutir em Portugal como essas verbas são repartidas no país.

Os sucessivos Governos do PS, PSD e CDS privilegiaram sempre as zonas mais desenvolvidas do país, o litoral, sobretudo as zonas metropolitanas de Lisboa e do Porto. É preciso que esses fundos sejam aplicados em Trás-os-Montes, nas Beiras, no Alentejo, que são as zonas atrasadas. É preciso fazer nessas zonas do país o que os madeirenses fizeram na Madeira, o que os açorianos fizeram nos Açores: distribuí-los com um mínimo de equidade e justiça, e não andar a comprar votos, a subornar os eleitores como agora aconteceu com esta medida dos passes sociais, que é uma ignomínia política num país civilizado.

E quanto às migrações, como é que a UE deve lidar com esta questão?

Em primeiro lugar, devemos abrir um debate sério, sem preconceitos, sem insultos, sem falácias argumentativas. A União Europeia pode absorver toda a miséria de África? Não, não pode. Argumentam algumas pessoas que só lá estão um ou dois milhões de pessoas e que em 500 e tal milhões de habitantes isso não significa nada. Significa muito porque, se absorvermos de repente esses dois milhões, amanhã, na semana seguinte, estão lá três, quatro ou cinco milhões. Toda a gente de África fugiria para a Europa se a Europa abrir as portas.

Há aqui um erro, duas vertentes extremistas dentro de um processo de análise política que está muito em voga que são os modelos binários. É de um extremo ao outro. Se não és de um extremo és do outro extremo.

Num dos extremos de forças da UE querem fechar as portas porque não pode entrar mais ninguém, mesmo que morram no Mediterrâneo. Alguns Estados-membros vão até ao ponto sinistro de tentar punir organizações não-governamentais que ajudam as pessoas que estão a afogar-se ou em perigo de se afogar no Mediterrâneo. Isto é terrível numa UE que assenta a sua construção em valores de solidariedade. Mas no outro extremo temos o radicalismo imbecil de muita gente que ou não percebe ou, percebendo, ergue cartazes a dizer: "Sejam bem-vindos", como quem diz: "Venham mais". Isto são os extremos que não se deve ter na UE.

Defende, portanto, uma estratégia de portas abertas mas só até certo ponto.

A história demonstra que a região do mundo que mais imigrantes teve foi a Europa. Vamos à América Latina, à América do Norte, a qualquer parte do mundo, lá estão europeus: polacos, franceses, portugueses, espanhóis, italianos, alemães, etc... Estão por todo o mundo. A Europa povoou o mundo e continuam a sair europeus para o mundo, portanto, a Europa não pode fechar-se num bunker relativamente ao mundo, mas também não pode escancarar as suas portas para que entrem todos.

Há que fazer um debate sério, sobretudo um debate que leve a consensos e não a imposições entre Estados-membros. Bruxelas, o Parlamento Europeu, nenhum órgão institucional da União Europeia tem competência no estado atual de integração para impor quotas de imigrantes a qualquer Estado-membro. As migrações e a defesa das suas fronteiras são competência exclusiva dos Estados-membros e algumas forças do Parlamento Europeu estão a tentar impor quotas a alguns países, contra a vontade dos povos e Governos. Isto é contrário aos tratados e há que fazer um debate sério e o local próprio é no Parlamento Europeu. O que nós propomos é a criação de um programa de investimento nos países mais atrasados de África, que crie emprego e alternativas de vida com dignidade nos setores mais pobres dessas populações.

Como se posiciona quanto à criação de impostos europeus?

Sou a favor de impostos europeus que substituam impostos nacionais. E mais: impostos europeus sobre o capital e transações financeiras, nunca a favor de impostos sobre o trabalho.

Como é que a União Europeia faz face às despesas, de onde vem o dinheiro que a UE manda para Portugal, Espanha, Itália...? Vem dos impostos de trabalhadores europeus. Em vez de ficar dependente das contribuições dos Estados-membros na totalidade das suas fontes de receita, a UE deve também poder cobrar um imposto, que é apoiado pelos Estados-membros, cuja receita reverta diretamente para a União Europeia. Quem cria esse imposto não é o Parlamento Europeu, não é a Comissão Europeia, não é o Conselho. São os Estados-membros.

Defendo, por exemplo, um imposto sobre as grandes plataformas americanas de internet. Elas obtêm no espaço europeu lucros anuais de dezenas de milhões de euros e pagam menos impostos do que uma pequena e média empresa da UE. É preciso criar impostos sobre transações financeiras, sobretudo digitais. São empresas que arrecadam lucros imensos de milhares de milhões de euros, criam poucos postos de trabalho porque tudo aquilo é tecnologia a funcionar e depois não pagam impostos. É preciso pagar impostos. O que está a acontecer é que há hoje alguns deputados que estão mais ao serviço dos interesses económico-financeiros da Google, do Facebook, dessas empresas americanas, do que ao serviço dos interesses dos seus povos. Por isso, impostos europeus sim, desde que não sejam sobre o trabalho e sejam criados pelos Estados-membros de acordo com o que os tratados estabelecem, e com as receitas a reverter integralmente para a União Europeia.

Que "pegada" é que deixou no Parlamento Europeu nestes cinco anos que lá esteve?

Pelo menos, os portugueses ficaram a saber quanto ganha um eurodeputado, ficaram a saber que o Parlamento Europeu não tem iniciativa legislativa, quem faz a agenda legislativa do Parlamento é a Comissão. Fazer um exercício desses, para mim, é incómodo nestas circunstâncias, mas se alguma pegada deixei foi de trabalhar muito, com muita honestidade, com muita dedicação, como sempre fiz na minha vida.

Trabalhei muito no Parlamento Europeu, nem sempre obtive vitórias, mas não cedi ao nível dos princípios como naquela questão da reforma do Tribunal de Justiça da União Europeia, que é uma vergonha o que aconteceu, e mesmo até o voto dos deputados portugueses nesse relatório em que o Tribunal pedia mais 12 juízes. Isso foi aprovado no Parlamento. O Conselho foi para nomear os juízes, mas não se entendeu porque 28 membros não conseguiram nomear 12 juízes, porque cada um só nomeava um juiz do seu país e, como a maioria, 16, não nomeava nenhum juiz, então acabaram por lhes dar mais 28, porque aí cada membro do Conselho já podia nomear um juiz do seu país. Isto é terrível para a UE, é isto que alenta o populismo e a extrema-direita na Europa. O gabinete de um juiz custa, por ano, cerca de um milhão de euros ao Orçamento da União e os senhores membros do Conselho e os eurodeputados não se inibiram de aprovar uma proposta destas que aumenta desnecessariamente a despesa estrutural da UE em cerca de 20 milhões de euros por ano.

Outra das coisas que gostei, que foi um combate muitas vezes desigual, muitas vezes com ataques cobardes e mentirosos contra mim, foi o combate da defesa dos direitos de autor no espaço digital. Nunca um dossier no Parlamento Europeu foi objeto de tamanha campanha de manipulação e de intoxicação pública, criada pelas grandes empresas americanas que vão ser obrigadas a repartir um pouco dos seus gigantescos lucros com aqueles que produzem os conteúdos que elas oferecem gratuitamente. Os editores de imprensa, os artistas, os poetas, os escritores, os fotógrafos, os músicos, os compositores, os cantores vão ter direito a uma remuneração daquelas empresas que, por oferecerem esses conteúdos gratuitamente, faturam milhares de milhões de euros por ano.

Se não for reeleito, o que acontecerá ao seu partido? Continua?

Temos eleições legislativas. O meu partido irá concorrer às eleições legislativas, quer seja eleito quer não seja. Um partido político não depende da eleição dos seus membros. A minha cultura política atual forjou-se antes do 25 de Abril. A minha formação política fez-se em derrotas e as derrotas em política, às vezes, são mais importantes do que as vitórias.

Se for eleito continuarei a fazer o que vinha fazendo, da mesma forma, pelo menos com a mesma honestidade. Se não for eleito, há outros campos de combate onde eu estarei, como sempre estive a defender as minhas ideias, a apresentar ideias e a criticar aquilo que acho que está mal.

O Partido Democrático Republicano, o PDR, irá concorrer às eleições legislativas de outubro próximo, irá concorrer às eleições regionais da Madeira em setembro. Nós não estamos à procura de lugares, nós não temos a clientela que o PS, o PSD, o CDS, o PCP e o Bloco de Esquerda têm para arranjar lugares e empregos. Nós combatemos por ideias, apresentamos propostas e ideias novas, diferentes daquelas que estão aí na comédia dos debates encenados entre os partidos parlamentares portugueses.

Seja qual for o resultado não nos vai esmorecer, pelo menos a mim. Estou habituado a perder. Toda a minha vida fiz isso, antes e depois do 25 de Abril. Às vezes, as derrotas dão-nos uma melhor visão das coisas do que as vitórias. É óbvio que uma vitória é animadora, a eleição de um ou dois deputados do PDR para o Parlamento Europeu é animador, mas não dependemos disso. O projeto político do PDR não depende disso, como não dependeu de outros deputados nas anteriores legislativas. Há muito a fazer e haverá cada vez mais a fazer, mesmo fora do Parlamento Europeu.

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