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Proteção de menores

“Enquanto houver uma criança sem proteção, não podemos achar que estamos a agir bem”

22 mai, 2019 - 08:01 • Liliana Monteiro

Articulação entre o Ministério Público e as comissões de proteção de menores precisa de ser melhorada. É o que defendem, em entrevista à Renascença, duas responsáveis por um projeto inovador para colmatar falhas nesta área.

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Desde setembro, comarca a comarca, elementos da Procuradoria-Geral da República (PGR) e das Comissões de Proteção de Crianças têm-se reunido para partilhar “boas práticas e constrangimentos”.

A iniciativa inédita visa “traçar um diagnóstico de Norte a Sul, clarificar e uniformizar procedimentos entre as duas entidades”, afirma à Renascença Rosário Farmhouse, presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ).

“Enquanto houver uma criança que fique sem a proteção e acompanhamento devido, nós não podemos dar como assente que estamos a agir bem”, acrescenta Helena Gonçalves, procuradora que lidera o Gabinete da Família, da Criança e do Jovem na PGR.

No seu entender, “está mais do que assente que os níveis de articulação entre a área criminal e a de família e crianças na área protetiva tem de ser melhorada”. Por isso, “a grande preocupação nestas reuniões é saber quando intervém um ou outro” organismo.

“É preciso graduar melhor a situação de perigo para saber qual dos dois atores [comissões ou Ministério Público] deverá avançar. Nas situações graves, deverá ser sempre o Ministério Público. Há situações que não justificam a intervenção da comissão”, defende ainda a procuradora.

Nesta entrevista à Renascença, Helena Gonçalves revela ainda que “foi solicitado aos procuradores que divulguem as questões que queiram ver trabalhadas, dúvidas que surjam, práticas boas ou desagradáveis, sugestões de procedimentos”. E o mesmo do lado das comissões de menores.

“Isto permitirá uma radiografia de Norte a Sul”, conclui. Até ao momento, já houve reuniões em 10 das 23 comarcas do país.

Quem intervém onde?

Rosário Farmhouse, presidente da Comissão Nacional de Proteção Direitos das Crianças e Jovens, afirma que têm surgido dúvidas sobre procedimentos e sobre quando enviar o processo para o Ministério Público.

Em matéria de violência doméstica, por exemplo, um tema sempre presente nos encontros, “por vezes surge a dúvida de quem faz o quê e quando, uma vez que o processo crime muitas vezes é complexo e a intervenção da comissão pode ser um problema quando tem de contactar o agressor(a)”.

“É preciso, por isso, uma articulação muito próxima”, sublinha.

No terreno, diz Helena Gonçalves, as coisas nem sempre correm como desejado. “Uma articulação entre 309 comissões e 23 comarcas acaba por não poder ser feita de forma matemática”, afirma.

“Nem sempre os níveis de articulação conseguem alcançar o que nós gostaríamos”, acrescenta, lamentando que “o número de juízes da área da família seja superior ao número dos magistrados do Ministério Público”.

“Os procuradores têm de fiscalizar as comissões, receber processos, fazer triagem, enviar para juízo, propor ações de responsabilidade parental, etc. Para uma boa administração da justiça protetiva e juvenil, o número de procuradores não pode ser inferior ao dos magistrados judiciais”, destaca a procuradora.

Quer Helena Gonçalves quer Rosário Farmhouse concordam, no entanto, que as reuniões têm sido muito participadas e que as partes estão empenhadas em dar o seu melhor para agilizar procedimentos e dificuldades.

Helena Gonçalves diz mesmo que nos procuradores “existe uma entrega que vai além do espectável”: trabalham mais horas do que o estipulado, fazem muitas vezes afetação de meios próprios, andam numa correria permanente “que deixa um amargo de boca porque acorrer a tudo e bem não é fácil”.

Segundo Rosário Farmhouse, os problemas que mais chegam às comissões de proteção de menores são: “primeiro negligência, segundo comportamentos de risco e perigo do jovem, terceiro absentismo escolar e, quarto, violência doméstica”.

Jovens a partir dos 13 anos são uma preocupação

À Renascença, a procuradora Helena Gonçalves revela que a geração de jovens a partir dos 13, 14 anos são uma preocupação.

“É um grupo inspirador de grande preocupação que acaba por redundar numa inadequação de comportamento em meio escolar, meio que favorece a formação em termos de cidadania e de respeito e igualdade. Se não pudermos contar com a adesão destes jovens aos mecanismos que a sociedade prevê para os formar como pessoas , vamos ter adultos deficitários em termos curriculares, que permitam uma profissão, mas também ao nível de um convívio social são”, alerta.

“Entram na sala com o telemóvel, lutam pelo telemóvel, agridem pelo telemóvel, não dormem pelo telemóvel e quem diz telemóvel diz o acesso ao online”, aponta.

Comissões de proteção de menores incompletas

Para que as comissões possam funcionar melhor e tenham os técnicos necessários, deveriam estar completas, diz a presidente da CNPDPCJ, que acusa a Segurança Social e o setor da saúde, por exemplo, de falharem com as comissões de proteção de menores.

“O que precisávamos era que o que está previsto na lei fosse cumprido na íntegra; que as entidades que têm de fazer parte das comissões estivessem lá com o tempo adequado. Infelizmente, com a falta de recursos humanos da administração pública, sabemos que nem sempre é assim e é o caso da saúde e da Segurança Social”, lamenta.

Além disso, as instituições particulares de solidariedade social (IPSS) “nem sempre têm recursos disponíveis para afetar uma pessoa a tempo inteiro”, acrescenta.

Em conclusão, a procuradora Helena Gonçalves admite que há ainda um caminho para percorrer, mas está a fazer-se e as reuniões em cada comarca um passo no sentido de melhorar a articulação entre os dois organismos que mais intervêm na proteção das crianças e jovens.

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