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Paulo Portas: “Portugal não deve delegar em franceses ou alemães a sua relação com a China”

24 abr, 2019 - 07:00 • Eunice Lourenço

No ciclo de entrevistas da Renascença sobre a Europa, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros acusa a União Europeia de não conseguir ser coerente na relação com o gigante asiático, em vésperas de o Presidente da República partir para uma visita à China.

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Há cinco anos, Paulo Portas, então ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, fez parte da comitiva presidencial que acompanhou Cavaco Silva à China. Agora, em vésperas da visita de Marcelo Rebelo de Sousa àquele país, defende em entrevista à Renascença que Portugal deve privilegiar a sua relação bilateral com a China, porque isso também lhe acrescenta poder e influência na Europa.

Como é que se resolve o problema da Europa com os Estados Unidos?

É difícil porque o problema dos Estados Unidos já não está na Rússia, está na China.

E isso também tem levado os EUA a colocar a Europa perante "nós ou a China"?

A Europa partilha com os EUA o mesmo tipo de criticas sobre a China: transferências de tecnologia forçadas, mercados que são fechados na China e abertos na Europa aos chineses, não defesa suficiente dos direitos de propriedade intelectual. A Europa não faz tweets, mas faz queixas.

Aí Portugal terá uma posição diferente da Europa?

Portugal tem outra circunstância. Desde que Portugal deixou de ser o primeiro e o último dos impérios europeus, voltou a ser aquilo que sempre foi desde inicio: um pais europeus, com uma única fronteira terrestre com um país que é muito mais recente, muitos mais complexo, mas que é quatro vezes maior. Se não fosse o mar e se não fosse a nossa fronteira marítima era muito difícil Portugal preservar a sua independência. Somos europeus, mas seremos na Europa aquilo que conseguirmos ser para além da Europa.

E temos sido uma porta de entrada da China na Europa.

Com certeza. Mas, primeiro, conhecemos África muito melhor do que outros, uma parte da América Latina é de origem portuguesa, chegamos à Ásia antes de outros, não somos desconhecidos em lado nenhum. Se olharmos para nós apenas como um país europeu não temos uma população enorme, não temos um PIB extraordinário e temos uma divida que é pesada. Se olharmos para o que Portugal significa para além da Europa e para aquilo em que Portugal pode ajudar a Europa a colocar em relação África, América Latina e Ásia isso é que nos acrescenta força, poder e influência.

Incluindo na relação com a China?

Incluindo na relação com a China. Nisso sou muito pragmático. A Europa, por um lado, diz que agora a China é um rival estratégico. É uma coisa extraordinária que a Comissão Europeia, a três meses de se ir embora, resolve fazer este papel, que talvez seja o papel mais relevante estrategicamente para a Europa, não vejo Parlamento nenhum a discutir isto... Será que a China é um rival sistémico? Qual é a consequência? Mas, depois, a China investiu em toda a Europa nos últimos 15 anos. Não foi só em Portugal.

Toda a gente quer fazer negócios com a China, pela simples razão de que a China é um mercado de 1400 milhões de consumidores onde há uma classe média emergente, nova e pujante que quer viajar, nomeadamente para a Europa, e que quer comprar, gosta de produtos europeus. Não fiz outra coisa senão tentar promover exportações de Portugal e um dos mercados relevantes era a China.

Lembro-me bem da viagem com o Presidente Cavaco Silva, há cinco anos, em que Portugal andava a vender um país cheio de cor e de sol.

A China há 20 anos não emitia mais de 10 milhões de turistas, hoje 130 milhões. As coisas são o que são. A China tinha 0,8% do comércio mundial de bens, hoje tem 12,5%. Não temos meios para manter um discurso coerente, como nessa matéria têm os americanos. A Europa não tem essa coerência. Portugal não tem vantagem em passar para alemães ou franceses com os seus interesses legítimos a sua capacidade de decisão sobre os investimentos que podem ser feitos por chineses em Portugal. Se a Europa não tem uma politica comum nesta matéria, se o discurso retórico é diferente da prática comercial, se andam a dizer mal do investimento chinês, mas depois vão á procura desse investimento, enquanto as coisas forem assim que vantagem tenho eu português em delegar num francês ou num alemão as decisões sobre que investimentos podem ser feitos em Portugal? Os órgãos de soberania portugueses são suficientes para isso.

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