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"Batalha de crânios". Porto é palco da maior competição de programação do mundo

04 abr, 2019 - 07:30 • ​​Marília Freitas​

Esta quinta-feira, no Porto, realiza-se a final da maior competição de programação do mundo. O International Collegiate Programming Contest reúne 135 equipas de estudantes universitários de todos os continentes. Seis são da Síria.

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Estudar em tempos de guerra. Os sonhos de jovens engenheiros da Síria
Estudar em tempos de guerra. Os sonhos de jovens engenheiros da Síria

Malek, Daniar e Mahdi acabam de chegar de uma visita guiada pelo centro histórico do Porto. “A cidade e muito bonita, tem muitos edifícios coloridos, passámos por uma torre com um relógio [Torre dos Clérigos] muito bonita”, atira Daniar Jarrous, de 23 anos.

As comparações com a cidade onde vivem, Homs, na Síria, são inevitáveis. “Há muito lixo. Tivemos mísseis que atingiram muitos edifícios, por isso existem muitas áreas destruídas”, conta Malek Hakki, de 23 anos.

Os três amigos estudam engenharia de software e tecnologias de informação (IT) na universidade de Al-Baaht, em Homs. Formam a Equipa Esparguete, uma das 135 que disputam a final do International Collegiate Programming Contest, o maior concurso de programação do mundo, que este ano se realiza no Porto.

“É uma competição entre universidades de todo o mundo. Estão aqui, na final, 135 equipas, de todos os continentes”, explica Fernando Silva, vice-reitor da Universidade do Porto.

Para chegar a esta final, tiveram de vencer eliminatórias a nível universitário, nacional e regional. “Os que chegam a esta final são estudantes com um talento muito especial na programação e algorítmica, que são áreas muito apetecíveis para a inteligência artificial, ciência de dados e cibersegurança, por exemplo”, constata Fernando Silva, em entrevista à Renascença.

“É um desafio para provar o que podemos fazer”, diz Basheer Tleimat, o treinador da Equipa Esparguete, também ele um estudante de mestrado em Engenharia de Software. A sua função é preparar mentalmente Malek, Daniar e Mahdi, treinar com eles e “garantir que corre tudo bem”.

Ambicionam uma boa classificação na prova desta quinta-feira. A final arranca às 11h00 e, durante seis horas, 450 estudantes universitários de todo o mundo vão estar fechados numa sala da Alfândega do Porto para resolver o maior número de problemas de programação que conseguirem. A competição é transmitida online.

Como anfitrião do evento, Portugal tem, pela primeira vez, uma equipa na final do concurso. Mas há países que se destacam: a China e os EUA têm 17 equipas cada e a Rússia tem dez. São também os países com mais títulos neste concurso.

Da Síria vieram seis equipas. Incluindo a Esparguete.

Mahdi Qanas, explica o nome. “Estávamos a resolver um problema de código, não era muito difícil, mas nós fizemos uma grande confusão. Fizemos o código uma vez, corrigimos, voltamos a programar, voltamos a corrigir, uma e outra vez, e, no fim, o código parecia um prato de esparguete, porque nós misturámos tudo”.

Estudar em tempos de guerra

Malek Hakki entrou para a faculdade em 2011, “no pico da guerra”. Admite que que nem sempre foi fácil estudar. “Bombardearam perto da universidade, mas não dentro”. Confessa que houve vezes em que teve medo, “mas agora estamos habituados, habituámo-nos a isso”. Agora, diz entre risos, ouve o barulho de uma bomba e já nem liga.

Conta que alguns amigos fugiram da Síria para estudar noutros países (especialmente para a Alemanha, Áustria, Reino Unido), uns legais, outros nem por isso. “Um amigo meu morreu no barco, no Mediterrâneo”, revela.

“Mas agora está bom, até”, acrescenta. A ideia que o mundo tem da Síria “é um pouco exagerada”, diz. “Foi muito mau no início, mas agora pode-se viver lá, especialmente nas cidades. Talvez fora das cidades ainda existam alguns conflitos, mas nas cidades é seguro”.

A ideia é corroborada por Mahdi. A Síria “não é aquilo que parece ao mundo”. “Passámos por tempos difíceis, especialmente em 2011 e 2012. Foram anos muito duros. Mas depois ficou muito melhor. Tem sido mais fácil ir para a universidade e estudar. Temos eletricidade, comida, transportes, os professores vêm sempre e, por isso, há aulas”, conta à Renascença.

Apesar das melhorias significativas na Síria, estes jovens estudantes admitem que terão que sair do país em breve, para adquirir experiência e novos conhecimentos. “A área de IT na Síria não está tão avançada como aqui na Europa”, diz Mahdi.

E são os próprios professores que encorajam os alunos a sair para estudar ou trabalhar noutro país após a licenciatura e adquirir mais experiência. Malek diz que “há bons professores, mas não há muito equipamento para investigação”.

Quando acabar o mestrado, ele próprio pretende sair da Síria durante alguns anos, para depois poder regressar e “retribuir ao país” natal.

Sonha “introduzir mais inteligência artificial” no país. “Precisamos de automatizar mais coisas” e dá o exemplo da rede de transportes e do sistema de pagamentos de impostos. “Devia ser mais automático, há muito tempo desperdiçado. Ainda há muitos papéis desnecessários para coisas que podiam ser feitas nalguns milissegundos utilizando um computador”.

Também Mahdi gostava de melhorar o sistema de transportes na Síria. “O meu sonho era criar uma rede de metro na Síria. Fazer a parte de engenharia, desenhá-la e implementá-la. O sistema de transportes na Síria é um pouco difícil, neste momento, por isso, podíamos utilizar o metro”.

Já Daniar não quer revelar os seus projetos, diz que ainda são apenas ideias. Certo é que pretender criar a própria empresa e “trabalhar com os amigos”.

Os três jovens engenheiros olham para o futuro da sua geração na Síria com otimismo e esperança. “Nós batemos no fundo nos últimos anos, mas estamos a recuperar”, diz Malek, recordando que várias gerações de sírios já passaram por situações difíceis e conseguiram sempre reerguer-se.

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