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José Miguel Sardica
Opinião de José Miguel Sardica
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Três mais seis igual a nove…

03 abr, 2019 • Opinião de José Miguel Sardica


Globalmente consideradas, as redes sociais e mesmo os media mais clássicos que hoje vivem na era daquelas têm maximizado os piores aspetos das campanhas eleitorais.

A figura e, ainda mais, o conteúdo da campanha eleitoral são importantíssimos no esclarecimento e no debate públicos que devem presidir a qualquer democracia adulta. Contudo, desde que ela foi inventada, a campanha eleitoral nunca pôde evitar ser um misto de informação e formação (cívica), com propaganda, soundbyte, desinformação, ataques pessoais, ruído e lixo. A conquista do voto é um fim que justifica muitos meios.

Globalmente consideradas, as redes sociais e mesmo os media mais clássicos que hoje vivem na era daquelas têm maximizado os piores aspetos das campanhas eleitorais. Não me refiro, sequer, às gigantescas operações de manipulação de votos que obscuras empresas realizam capturando plataformas digitais de dimensão mundial. Refiro-me ao dia-a-dia mais comezinho dos jogos e manobras para influenciar a opinião e caçar potenciais votantes. O relativismo dos factos e das verdades, a volatilidade dos valores e das tendências, a variabilidade das pessoas e a cacofonia dos partidos é tal que as campanhas eleitorais são, atualmente, circos de malabarismo verbal, destinados a insuflar os (supostos) feitos dos “nossos” e a destruir a credibilidade dos “outros”. Ninguém tem tempo, paciência e formação – e os media clássicos já não têm meios – para filtrar e decantar o muito que se diz e se ouve para apurar uma verdade e atuar (ou votar) em conformidade. A “verdade” que domina o dia é a que o mais recente “berrador” impôs, a que o último rumor, coscuvilhice ou escândalo pôs a correr, a que a última corrente de “hate speechers” fabricou na net. Na maior parte das vezes, a agenda é imediatista, os temas são pequeninos e os nomes vivem na insignificância. E quanto mais dura a campanha eleitoral, maior é a bagunça ideológica e mais depressa o incauto cidadão foge dos vendedores de (in)certezas.

Suspeito bem que alguém, na Presidência do Conselho de Ministros e no Largo do Rato, bem como nas restantes sedes partidárias e de movimentos que estão para vir, decretou que 2019 quase inteirinho seria tempo de campanha eleitoral ininterrupta. Em Portugal, a dita é sempre maior em quem tem as chaves do Estado, os recursos deste e, de passagem, uma comunicação social demasiado subserviente face ao poder. De maneira que António Costa está em campanha eleitoral há três meses, desde o Ano Novo, e vai estar nesse frenesim, cada vez mais, nos próximos seis meses, até às eleições legislativas de 6 de outubro. No total, três mais seis faz nove (meses): em três quartos do ano não se governa. Melhor dizendo: governa-se à vista, ao sabor do que rende e enche o olho, de olho em tudo o que menorize os adversários. E os adversários, que não governam, retribuem na mesma moeda, com muita vozeria e pouca substância.

Ainda faltam – enfatizo o ainda – seis meses para as legislativas e a campanha eleitoral já é absolutamente clara. De Costa a Centeno, de Pedro Marques (o inaugurador de inexistências) a Marta Temido (a gestora de impossibilidades), toda a gente precisa de mostrar serviço. Mais ao largo, o PCP e o BE esquizofrenizam-se, reivindicando num dia os louros da governação (quem foi o “pai criador” dos passes com desconto, afinal?), para no outro dia a declararem “de direita”. E à direita, afadigam-se muitos, porque esta não se mexe ou porque há quem, fora do tradicional PSD, a quer fazer mexer. Razão tinha, pelo menos neste ponto, o presidente Marcelo quando sugeriu que as eleições legislativas fossem em maio, com as europeias, e não em outubro. Poupar-se-iam uns bons meses de assinalável inutilidade – porque, de facto, as campanhas eleitorais dos dias de hoje são isso mesmo. Siga a festa: em outubro, haverá vencedores e vencidos…e muita abstenção, dos que fogem de ambos.

*José Miguel Sardica, Professor da Universidade Católica Portuguesa

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