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Reportagem

Fora de Lisboa e Porto há quem pague 120 euros em passes

15 out, 2018 - 18:01

A introdução de um passe social único nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto é uma das medidas emblemáticas do Orçamento do Estado para 2019, mas está a deixar indignados muitos utentes que vivem fora das duas maiores cidades.

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Às 7h38 na estação de Famalicão, uma pequena multidão prepara-se para entrar no comboio que faz a ligação entre Braga e Porto. O comboio chega e já vai cheio, com muitos passageiros de pé.

Vão-se acumulando, poucos saem durante o caminho. Há pessoas que, todos os dias, viajam esta hora e meia de pé. Um utente que não se quis identificar conta: “eu entro em Braga todos os dias e basta-me chegar uns minutos mais tarde para ter de ficar de pé. E vou uma hora e meia assim”.

As ligações para o Porto e Lisboa têm sido tema de conversa, desde que Fernando Medina, presidente da câmara de Lisboa, anunciou a intenção em implementar um passe social único.

Depois, o primeiro-ministro António Costa, em entrevista à TVI, a 1 de outubro, afirmou que o Orçamento de Estado (OE) para 2019 teria “uma inovação radical em matéria de transportes” e confirmou o passe social único, para as Áreas Metropolitanas (AM) de Lisboa e Porto.

A medida já está prevista no OE2019: num agregado familiar em que quatro pessoas tenham passe, apenas duas pagarão o título mensal. Dentro dos municípios, o valor máximo do passe será de 30 euros; entre concelhos, o máximo é de 40 euros. A medida custará cerca de 90 milhões de euros ao Estado.

O resto do país terá de esperar

A proposta deixou imediatamente um travo amargo em autarcas do resto do país, quando foi anunciada. Ricardo Rio, presidente da Câmara de Braga, afirmou que a medida o “revoltaria” se não fosse aplicada a todo o país. "É um pouco gozar com o resto do país, alguém assumir que possa ser o Orçamento do Estado a financiar a politica de transportes da área metropolitana de Lisboa ou apenas para as duas AM", atirou Ricardo Rio, em declarações à Renascença.

O PSD, através do deputado Duarte Marques, disse que queria a medida em Lisboa até ao Entroncamento e Santarém. “As pessoas que apanham o comboio na Azambuja pagam 40 e poucos euros de passe para ir para Lisboa todos os dias, quem for do Cartaxo, que fica a 10 quilómetros de distância, já paga 120 euros. De Santarém, que é pouco mais, paga 150 euros e do Entroncamento são 200 euros. Se somarmos a isto o passe que estas pessoas têm que comprar para andar dentro de Lisboa, estamos a falar de quase o triplo ou o quádruplo do preço do que pagam as outras pessoas” disse à Renascença.

O ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, disse que, a ser aplicada, a medida seria para todo o país. Mas com a aprovação do Orçamento do Estado pelo Governo com a premissa de que o passe social único seria apenas para as AM, o resto do país terá de esperar.

Primeiro melhorem-se as condições

No comboio matinal, várias pessoas fazem a viagem para Braga todos os dias. Braga não está incluída na Área Metropolitana do Porto, fica a pouco mais de 50 quilómetros. Na linha da CP entre as duas cidades, o desconto apenas vai incluir as paragens entre Porto - S. Bento e Trofa.

Adriana Couto mudou-se para o Porto na segunda-feira, mas durante nove meses viajou de Braga até Vila Nova de Gaia todos os dias para estagiar. Pagava três passes: o da TUB (Transportes Urbanos de Braga), o da CP e o Andante, para viajar de metro.

“O da TUB era cerca de 26 euros, o da CP pagava 73 euros e depois o do Andante, que são mais 30,60 euros, se não estou em erro”. Um total a rondar os 120 euros mensais que eram a melhor alternativa para Adriana, face ao custo de vida no Porto.

“Estamos a falar de escolher pagar quase 120 euros ou um quarto a 300 euros. E foi essa situação que me levou a manter as viagens de um lado para o outro”, revela.

A corrida para o trabalho começava às 6h45. Apanhava um autocarro, em Braga, para depois apanhar o comboio até Porto - Campanhã. Aí corria para apanhar um metro e depois o autocarro até à Afurada, em Gaia.

Já a sair de Braga, o conforto para a longa viagem não era o melhor. “Havia situações em que, à saída de Braga, algumas pessoas já não conseguiam lugar. E na volta para Braga, vinha sempre a pé, pelo menos até Famalicão ou Nine”.

Adriana Couto queixa-se da falta de carruagens para os horários em que são mais precisas. Há poucos horários de hora em hora e, quando há greve, os autocarros também não têm uma oferta maior.

“Tem de se aumentar a rede de transportes. Nós estamos sujeitos a estes valores e temos que os aceitar e isso é um problema. Pessoas acabam por ficar desempregadas porque não conseguem vir trabalhar para o Porto, o que me aconteceu durante algum tempo”, diz Adriana.

Sobre se os valores propostos para as AM de Porto e Lisboa devem atingir o resto do país, nomeadamente Braga, a "copywriter" da Salvador Caetano concorda com a medida, mas tudo a seu tempo e sem dar um passo maior que a perna.

“Não vale a pena se não aumentarmos a rede de transportes nem aumentarmos o número de comboios por hora. Senão, se vamos baixar o preço dos transportes públicos, as pessoas vão começar a usá-los mais e a sobrelotação que já existe com estes preços ainda vai piorar”, conclui.

Pouca vontade em pagar para andar pouco e mal

Mariana Martins tem 22 anos e viaja todos os dias para a Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto. Vem de Carapeços, Barcelos. Para ir às aulas precisa de apanhar três transportes: o regional entre Carapeços e Nine, depois faz o transbordo para o urbano entre Braga e Porto e, por fim, o metro até ao pólo universitário.

Tem o desconto de sub_23, o que lhe subtrai o valor dos três passes para um total a rondar os 90 euros.

O valor, no entanto, não a incomoda. O que a incomoda é o desconforto de uma viagem que, acha, devia ser assegurada com tranquilidade. “Se a qualidade justificasse o preço que eu estou a pagar, não me importava que continuassem os passes assim. A questão é que a maior parte das pessoas que vão na linha de Braga, vão mesmo até ao fim da linha, portanto para mim faz mais sentido apostar na qualidade agora do que na criação de um passe novo. Eu pago um passe caro e nunca vou sentada”, critica.

Apanhando um comboio na linha regional do Minho, Mariana tem de fazer alguma ginástica de horários com a ferrovia portuguesa. “De manhã, só tenho um comboio. Se um dia perder esse comboio, perco o dia”.

Sobre o valor que um passe social único terá - o máximo de 40 euros entre municípios dentro das AM - Mariana compara com a "injustiça" do valor que paga só pelo regional, quando no urbano o dobro dos quilómetros vale o mesmo preço.

Entre Nine e Carapeços, são 21 quilómetros e paga 38,35 euros, com o desconto (sem o desconto, seria 51,10 euros). Entre a Azambuja e Lisboa são mais de 50 quilómetros e ficará a um máximo de 40 euros.

Adriana Couto dá outro exemplo, com valores bem maiores. “Eu compreendo o porquê de serem só as áreas metropolitanas neste momento. Mas eu sou transmontana e eu posso dizer que, de Boticas a Chaves, pagava 90 euros de passe de autocarro para ir estudar para Chaves. Todos os meses! E é um valor um bocado ridículo quando estamos a falar de 22 quilómetros”, esclarece.

Mariana também compreende o porquê de se privilegiar o investimento nas grandes cidades mas, viajando todos os dias no Porto, não vê mudanças significativas nas condições. “Nos últimos anos, viu-se um aumento no número de estudantes e os metros continuam a passar com a mesma regularidade. Já tentaste apanhar um metro entre as 8h e as 9h? Às vezes tenho de esperar por dois metros porque não consigo entrar”, atira.

Para Mariana, não há outra alternativa. Ou continua a pagar, ou não estuda. Viveu no Porto durante os três primeiros anos do curso, mas, agora, sem a possibilidade de pagar um quarto, tem de recorrer aos transportes públicos.

As condições da viagem estão, no entanto, a fazê-la repensar em pagar mais para ter mais conforto. “Começo a pensar se, com o tempo que eu perco nestas viagens, não compensa dar mais dinheiro para viver cá. Eu perco quatro horas de viagem por dia e não posso propriamente fazer muita coisa”, conclui.

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  • Maria
    25 out, 2018 Gaia 00:30
    Azambuja - Lisboa (53 Km) - Passe 40 euros - 0,75 euros por Km de distância Santarém - Lisboa (83 Km) - Passe 150 euros - 1,8 euros por Km de distância Nine - Carapeços (21 Km) - Passe 51 euros - 2,4 euros por Km de distância Braga - Porto (50 Km) - Passe 120 euros - 2,4 euros por Km de distância Boticas - Chaves (22 Km) - Passe 90 euros - 4 euros por Km de distância Viana dos Castelo - Porto (76 Km) - Passe 150 euros - 1,9 euros por Km de distância Torres Vedras - Lisboa (54 Km) - Passe 168 euros - 3,1 euros por Km de distância Carvalhos (VN Gaia) - Porto (10 Km) - Passe 43 euros - 4,3 euros por Km de distância. Afinal quem paga mais? Não é quem vive nas áreas metropolitanas do Porto e Lisboa? Brincamos?
  • Cláudia Reis
    18 out, 2018 Lisboa 11:57
    De Torres Vedras a Lisboa o passe custa 165€ mensais. Os utentes não têm outra alternativa, porque a linha ferroviária está praticamente abandonada.
  • Isabel rodrigues
    17 out, 2018 Viana do castelo 18:18
    Esta medida é bastante injusta na medida que deveria ser aplicada a todos os municípios. Pois para me deslocar diariamente para o trabalho pago mensalmente 150€, Viana do castelo_ Porto.
  • Tiago Duarte
    15 out, 2018 Torres Vedras 19:12
    De Torres Vedras para Lisboa, apenas 50 km, o passe de autocarro metro custa 168€, um valor de Alemão para quem recebe como Português.

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