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De “armazém para velhos” a “espaços de aconchego”. Imagem "negativa" dos lares em Portugal tem de mudar

13 mar, 2019 - 17:24 • Rosário Silva

Beja dá o pontapé de saída para num debate de dois dias que quer colocar, definitivamente, a “pessoa” no centro dos cuidados aos idosos.

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O tema, “Respostas de saúde e sociais à pessoa em contexto de fragilidade”, não podia ser mais atual e junta durante dois dias, a partir de sexta-feira, em Beja, centena de meia de participantes de todo o país que procuram partilhar informação e conhecimento sobre novas abordagens e desafios sobre respostas não só sociais, mas também de saúde, para os idosos mais vulneráveis.

A iniciativa parte de uma Estrutura Residencial Para Idosos (ERPI), o Lar D. José do Patrocínio Dias - valência integrada no Patronato de Santo António, uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) - que, desde 2012, procura dar uma resposta diferenciada à pessoa idosa e respetivas famílias.

“As jornadas resultam da preocupação que sentimos, no dia-a-dia, com as respostas que os idosos, já muito fragilizados, necessitam ao nível social, mas também ao nível da saúde, quando chegam ao lar”, explica à Renascença, a Directora Técnica da instituição, a Irmã Maria do Céu Valério, das Oblatas do Divino Coração, congregação fundada pelo bispo D. José do Patrocínio Dias (1922-1965).

Com experiência na área, Maria do Céu Valério considera que é “urgente” realizar este debate, e confessa que é “com muita angústia” que continua a receber os familiares, “à procura de um lugar digno para os seus entes queridos.”

“Estamos a falar de pessoas com demências, que não se movimentam, vão à urgência e não sabem o que estão lá a fazer, não conseguem exprimir o que sentem, não conseguem dizer o seu nome, a sua idade, não conhecem os familiares”, refere a religiosa, acentuando que “é destas pessoas frágeis que estamos a falar, o publico que frequenta os lares, a maioria deles sem uma resposta integrada.”

E este ajuste nas respostas, passa, de acordo com esta responsável pela “articulação dos serviços” também nos próprios lares, dando como exemplo diferenciador o trabalho que é feito no lar que dirige.

“Uma das coisas que nos diferencia é o quadro do pessoal. Para além do que é exigido por lei, e é muito pouco, temos médico, enfermeiro com cobertura de 24 horas a nível telefónico, musicoterapeuta, fisioterapia, terapeuta ocupacional e animador”, declara.

“Nós não temos soluções, e estas jornadas servem para pormos à discussão este problema, pois os idosos não precisam só de ter uma casa, comida, ou uma cama, precisam de ter vida, de ser pessoa até ao fim”, acrescenta a Irmã Maria do Céu.

Lugares de aconchego e não “armazém para velhos”

À Renascença, a diretora do Lar D. José do Patrocínio Dias fala na necessidade que as famílias sentem, nos dias de hoje, em “encontrar espaços onde sintam segurança e confiança” para colocarem os seus familiares, tanto mais que existe “uma imagem muito negativa dos lares” e estes devem ser “lugares de aconchego, de acolhimento, de conforto e onde se dão respostas sociais e de saúde.”

Maria do Céu Valério defende que a legislação deve ser repensada, “a começar pelo quadro de pessoal, refletindo-se na adequação dos serviços” à realidade atual, caso contrário “muito dificilmente se melhorará a qualidade dos serviços.”

“Não sei se o Estado deve ser mais interventivo”, sublinha, mas “a forma como a segurança social acompanha os lares, se calhar a checklist está desadequada para avaliar o trabalho dos lares e a satisfação das pessoas.”

Este é um dos aspetos que a organização quer avaliar durante as jornadas, procurando novas abordagens que ampliem o conhecimento em outras áreas de atuação: “Os lares não são um armazém para velhos, mas devem ser vistos como um potencial de aprendizagem, por exemplo, na área das fisioterapias, das terapias ocupacionais ou até mesmo da enfermagem”.

Para a religiosa não restam duvidas de que “se olharmos o lar como potencial e centrarmos os serviços na pessoa e adequados à pessoa, teremos lares com respostas bem diferentes e pessoas bem cuidadas”.

A responsável deixa mais uma pista de reflexão: “Os lares não são empresas, não podem ser empresas, por isso os parâmetros da qualidade não podem ser idênticos aos das empresas, temos que repensar, também, esta questão.”

Maria do Céu Valério espera que os “representantes políticos” que vão participar nos trabalhos, e em ano de eleições, possam “colocar na agenda” este tema: “Não temos soluções, temos inquietações, temos perguntas. O que falta nos lares para se tornarem verdadeiros lares, e para que a opinião publica sinta que são verdadeiros lugares de aconchego.”

A “pessoa” no centro dos cuidados aos mais frágeis

“Respostas de Saúde e Sociais à Pessoa em Contexto de Fragilidade”, é, então, o tema que congrega no Instituto Politécnico de Beja, a 15 e 16 de março, dezenas de especialistas de diversas instituições nacionais, entre médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, terapeutas, e outros profissionais ligados à saúde e às estruturas residenciais para idosos.

Machado Caetano, Bagão Félix, Isabel Galriça Neto, Cristina Galvão, Joaquina Madeira e Catarina Pazes, são algumas das presenças de vulto, confirmadas, e que participam em dois painéis: “Demência: Diagnóstico e Adequação de Cuidados ao Longo da Vida” e “Direito, Ética e Legislação”.

Nos dois dias de reflexão, em cima da mesa vão estar temáticas como “Abordagem Centrada na Pessoa”, “Principais Desafios, Abordagem e Tomada de Decisão”, “Direitos Humanos, Envelhecimento e Fragilidade”, “Rigor, Ciência e Humanismo: Um Compromisso que se Impõe”, “As Respostas Sociais e a Qualidade”, entre outras áreas.

Espaço, também, para a dinamização de mesas redondas, com o objetivo de reunir, de forma integrada, contributos dos mais variados intervenientes no processo de cuidados à pessoa idosa.

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  • Vitor Modesto
    15 mar, 2019 Beja 16:46
    É urgente fazer em vez de falar, os velhos são fonte de receitas para as instituições onde estão "despejados" pois desde a deslocação para longe do seu meio natural de uma vida o que provoca dificuldades no contacto normal com a família, o pouco afecto por parte de quem com eles convive diariamente, porque 4 auxiliares para acompanhar 52 velhos e outros, o desprezo pelas condições diárias de alimentação, roupa e higiene, o desaparecimento de bens, sim porque é isto que eles se queixam e nós ouvimos e tentamos equilibrar, tudo isto numa fase da vida em que mais carinho se necessita não é o retorno merecido depois de uma vida de trabalho para criar uma sociedade mais justa?! Só quem vive as situações sabe a revolta e o desgaste que provoca nos velhos, sim porque são velhos, e nos familiares que mesmo fazendo tudo o que lhes é possível, concluem que o sofrimento é bem maior porque estão vivos sem vidas! Bem hajam. Vítor Modesto

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