Polícia faz greve de fome. “Tenho água, uma manta e um banco. Estou preparado”

12 mar, 2019 - 19:00 • João Carlos Malta , Joana Bourgard

Peixoto Fernandes, presidente da Federação Nacional de Sindicatos de Polícia, diz que há anos que se fazem manifestações e nada muda. Diz que não quer “dar nas vistas”, mas não irá comer até a voz dos polícias se fazer ouvir no Terreiro do Paço.

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Peixoto Fernandes está sentado num banco do jardim Palácio de Belém, em Lisboa, com mais um par de colegas. Mais tarde, o presidente da Federação Nacional de Sindicatos de Polícia (FENPOL) dirá que estão ali para chamarem uma ambulância caso tudo corra mal. O que é que isso significa? O corpo não aguentar a greve de fome.

Quando se levanta para começar a falar, um dos companheiros diz-lhe, entre risos: “É melhor sentares-te para não te cansares muito?” Ele não espera um segundo para ripostar, como se tivesse a resposta na ponta da língua: “achas que não sou homem para aguentar pelo menos dez dias”. Do outro lado ouve-se: “Não vai ser preciso chegar aí”.

Apesar da confiança de que a sua ação vai gerar uma reação do Governo, ele não pode prever o que se vai passar daqui em diante. Peixoto Fernandes tem, no entanto, bem definido o que o fará terminar o protesto que começou esta terça-feira, às 10h00.

“Ou há uma resolução muito concreta destes problemas, ou só saio daqui por motivos de saúde. De outra forma não saio. Tem de haver dados muito concretos por parte da tutela para estes objetivos”, afirma o polícia com quase 30 anos de carreira.

Razões do protesto

E os objetivos de que fala têm a forma de cinco reivindicações:

  • o cumprimento da decisão do Supremo Tribunal Administrativo que condenou o Estado ao pagamento de todos os suplementos remuneratórios, durante os períodos de férias;
  • acabar com a existência de dois subsistemas de saúde que fazem com que as comparticipações em caso de doença sejam dispares caso tenham entrado antes ou depois de 1 de janeiro de 2006;

"“Ou há uma resolução muito concreta destes problemas, ou só saio daqui por motivos de saúde. De outra forma não saio"

  • o aumento do Suplemento de Serviço para 25%;
  • a indexação dos suplementos de serviço, patrulha e piquete à remuneração principal de cada agente;
  • retirada do fator de sustentabilidade, aplicado aos profissionais da PSP, que resultou numa perda significativa do valor da pensão.

Não é para dar nas vistas

Esta é uma situação inédita, nunca antes um agente da PSP tinha iniciado uma greve de fome, mas Peixoto Fernandes afirma que não quer “dar nas vistas”. “É algo que vou levar até ao fim”.

O mesmo sindicalista diz à Renascença que apoia a manifestação de quarta-feira, que acabará no Terreiro do Paço, junto ao Ministério da Administração Interna, mas sente que, “ao longo dos anos, já se fizeram dezenas de manifestações” e “não têm sido resolvidos os verdadeiros problemas dos polícias”.

Por isso, depois de muito ponderar, ele impulsionou a decisão coletiva da FENPOL de iniciar este protesto. Ele indica depois quais são os sinais concretos que precisa para acabar com a greve de fome.

“Não queremos mais reuniões. Há que pôr as medidas em prática ou então dizer que não é possível atender a estas reivindicações todas ao mesmo tempo, e que é necessário que sejam faseadas no tempo”, explica. “Não pode é haver um autismo completo”, acrescenta.

Afirma que é o silêncio do Governo que o empurra para esta decisão. Não considera, no entanto, que a iniciativa seja extrema.


“Os protestos dos polícias têm a ver com a forma como os políticos respondem as nossas reivindicações. Não é radical, é uma forma de luta, um protesto”, define, ao mesmo tempo que diz já ter recebido muitas manifestações de solidariedade de outros colegas de outros sindicatos da PSP e outras forças de segurança.

A meio da conversa com a Renascença, Peixoto Rodrigues recebeu a visita do líder do “Chega”, André Ventura. No entanto, questionado sobre o facto, apressou-se a dizer que o protesto é “apartidário” e que apenas tem um destinatário “os agentes da PSP”.

Carlos Ramalho foi inspiração?

No final de fevereiro, o presidente do Sindicato Democrático dos Enfermeiros, Carlos Ramalho, começou uma greve de fome alegando que se alguém precisava “de um mártir, ele está aqui”. Dois dias depois, um telefonema da ministra da Saúde, Marta Temido, acabou com o protesto. Ramalho foi inspiração para Peixoto Fernandes?

“Não teve nada a ver, aliás já tínhamos isto programado há muito tempo, e queríamos perceber os prós e os contras e se deveríamos chegar a este limite. Esta poderá ser a única forma de a tutela olhar para os profissionais de segurança pública da forma que eles merecem”, reitera.

Pronto para resistir

Ali no jardim ao Palácio de Belém, Peixoto Rodrigues vestido de camisa e blazer, e com apenas uma garrafa de água afirma estar preparado para tudo.

“Vou ficar aqui 24 sobre 24 horas, dormirei no banco ou na relva”, explica.

"Não queremos mais reuniões. Há que pôr as medidas em prática ou então dizer que não é possível atender a estas reivindicações todas ao mesmo tempo, e que é necessário que sejam faseadas no tempo”"

A escolha do local do protesto para a frente da residência do Presidente da República, segundo garante, é apenas pragmática. Não é para ser recebido por Marcelo Rebelo de Sousa.

“Não foi escolhido de forma intencional, é central para as pessoas que me vêm dar apoio, mais do que a Praça do Comércio [onde fica o Ministério da Administração Interna].

O polícia diz que está “preparado” para o desafio que tem pela frente. “Tenho mantas e cobertores para poder ficar aqui”, diz. Quanto a alimentação, apenas água ou líquidos. “Nada de alimentos sólidos”, garante.

Se algo correr mal, Peixoto Fernandes tem apoio. “Estou com alguns colegas na necessidade de ser socorrido, chamarem uma ambulância”, remata.

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  • ANA RITA CERQUEIRA D
    12 mar, 2019 Apelação 21:11
    Força, muiiiiiitoooo respeito por vós

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