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Filhos de padres. Cardeal confirma que a prioridade da Igreja são sempre as crianças

27 fev, 2019 - 17:55 • Redação com Vatican News

Existem orientações para os bispos em todo o mundo que sugerem que, caso tenha um filho, o padre seja demitido do estado clerical para poder acompanhar melhor a criança.

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Nas últimas semanas o tema dos filhos de padres surgiu na imprensa internacional.

O “New York Times” publicou no dia 18 de fevereiro uma reportagem em que revelou a existência de normas do Vaticano para lidar com esses casos. No texto um psicoterapeuta irlandês, Vincent Doyle, filho de padre e fundador de uma organização que reúne e apoia pessoas nessa situação, dizia ter visto esse documento em 2017.

O “Vatican News”, órgão oficial do Vaticano, entrevistou a este respeito o cardeal Beniamino Stella, prefeito da Congregação para o Clero, que trata destes assuntos, para explicar precisamente quais são as orientações.

O cardeal diz que a regra é que o padre abandone o sacerdócio para poder cuidar dos seus filhos, rejeitando ainda a ideia de que basta garantir o apoio económico. Contudo, pode haver exceções.

A Renascença transcreve na íntegra a entrevista do cardeal ao Vatican News.

Quais são os critérios que guiam as decisões a serem tomadas no caso de sacerdotes com filhos?

O Dicastério segue uma prática desde o período em que o cardeal Cláudio Hummes era prefeito – há cerca de dez – o qual apresentou primeiro ao Santo Padre, na época Bento XVI, os casos de sacerdotes com menos de 40 anos com filhos, propondo que eles obtivessem a dispensa sem esperar o cumprimento dos 40 anos, como previsto nas normas daquele período.

Tal decisão tinha, e tem, como objetivo principal, proteger o bem dos filhos, o direito, isto é, das crianças a ter ao seu lado um pai, além de uma mãe. O Papa Francisco já tinha, inclusivamente, falado sobre isso quando ainda era cardeal arcebispo de Buenos Aires, no seu diálogo com o rabino Abraham Skorka, publicado no livro “O céu e a terra”, e foi categórico: a atenção prioritária por parte do sacerdote deve ser em relação aos filhos.

O que se entende com “atenção”?

Certamente não se refere somente ao necessário sustento económico. O que deve acompanhar o crescimento de um filho é sobretudo o afeto dos pais, uma educação adequada, de facto, tudo aquilo que comporta um efetivo e responsável exercício da paternidade, sobretudo nos primeiros anos da vida.

Pode dizer no que consiste o documento interno do qual se falou?

Trata-se de um texto intitulado “Nota relativa à prática da Congregação para o Clero a propósito dos clérigos com filhos”, que reúne e sistematiza a prática em vigor há anos no Dicastério. Como foi explicado, trata-se de um instrumento de trabalho ao qual se pode recorrer quando se apresenta uma situação do género, um texto técnico para os colaboradores do dicastério a que recorrer. Somente por isso não foi publicado. Consta, por outro lado, que o senhor Doyle pôde vê-lo há dois anos. Esse texto é normalmente apresentado e comentado pela Congregação às Conferências Episcopais e a cada bispo, que tratam o tema e pedem como proceder.

Pode explicar como se comporta hoje o Dicastério a que preside perante esses casos?

A presença dos filhos nos dossiês relativos às dispensas sacerdotais foi tratada, de facto, como uma causa praticamente automática para uma apresentação célere do caso ao Santo Padre com o objetivo da concessão da própria dispensa. Procura-se, então, fazer o possível para que a dispensa das obrigações do estado clerical seja obtida no tempo mais rápido possível – alguns meses – para que o padre se possa colocar ao lado da mãe para seguir os filhos. Uma situação desse gênero é considerada ‘irreversível’ e requer que o sacerdote abandone o estado clerical mesmo se ele se considerar idóneo ao ministério. Um cálculo aproximativo sobre os pedidos de dispensa revela que cerca de 1,80% deles contém a presença de filhos, embora frequentemente concebidos depois do abandono do próprio ministério.

Essa regra é aplicada sempre e em qualquer caso? Incluindo nos casos em que os padres não queiram pedir a dispensa do ministério?

Às vezes acontece os bispos e os superiores religiosos apresentarem a situação de sacerdotes que não pretendem solicitar a dispensa, mesmo perante a existência de filhos, sobretudo quando terminou a relação afetiva com a mãe deles. Em tais casos existem, infelizmente, bispos e superiores que pensam que, depois de ter organizado economicamente os filhos ou depois de ter transferido o sacerdote, o clérigo possa continuar a exercitar o ministério. As incertezas nessa matéria, então, nascem da resistência dos sacerdotes em pedir a dispensa, da falta de uma relação afetiva com a mulher e, às vezes, do desejo de alguns bispos de oferecer ao sacerdote arrependido e convertido uma nova oportunidade ministerial. Quando, segundo a avaliação do bispo ou do superior responsável, a situação requer que o sacerdote assuma a responsabilidade derivada da paternidade, mas não quer pedir a dispensa, o caso é apresentado à Congregação para a demissão do clérigo do estado clerical. Obviamente um filho é sempre um dom de Deus, não obstante como foi gerado. A perda do estado clerical ocorre porque a responsabilidade parental cria uma série de obrigações permanentes que, na legislação da Igreja latina, não prevê o exercício do ministério sacerdotal.

Essa regra é geral e sempre válida, ou cada caso é enfrentado de maneira diversa?

Obviamente cada caso é examinado no mérito e na própria especificidade. As exceções são, na verdade, muito raras. Por exemplo, acontece o caso de um recém-nascido, filho de um sacerdote que, por determinadas situações, entra numa família já consolidada em que um outro pai assume o papel de pai. Ou quando se trata de sacerdotes idosos, com filhos em idade já madura, de 20-30 anos. Padres que, na juventude, tiveram situações dolorosas afetivas e que depois asseguraram aos filhos o acompanhamento económico, moral e espiritual, e hoje exercitam o seu ministério com zelo e empenho, depois de terem superado as fragilidades afetivas precedentes. Nessas situações, o Dicastério não obriga os bispos a convidar os padres a solicitar a dispensa. Trata-se, segundo me parece, de casos em que o Dicastério aconselha um discernimento mais flexível dentro de uma prática e de linhas guias rigorosas para a Congregação.

O que se pode responder àqueles que sustentam que a presença dos filhos dos sacerdotes é um argumento para a introdução do celibato facultativo para os sacerdotes da Igreja latina?

O facto de alguns padres terem vivido relações e terem colocado no mundo filhos não diz respeito ao tema do celibato sacerdotal que representa um dom precioso para a Igreja latina, com valor sempre atual, tal como defenderam os últimos Papas, desde São Paulo VI até ao Papa Francisco. Assim como a existência de casos de abandono do lar conjugal e dos filhos obviamente não põe em causa o valor sempre atual do matrimónio cristão. O importante é que o sacerdote, diante dessa realidade, seja capaz de compreender qual é a sua responsabilidade diante de um filho: o seu bem e o seu cuidado devem estar no centro da atenção da Igreja para que não faltem aos filhos, não somente o necessário para viver, mas sobretudo o papel educativo e o afeto de um pai.

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