25 fev, 2019
Uma “monstruosidade dentro da igreja”, disse Francisco, a propósito dos abusos, onde “vemos a mão do mal” que transforma os abusadores e os encobridores em "instrumento de Satanás”.
Esta percepção não é de agora. Em 2002, com os escândalos de Boston, João Paulo II chamou a Roma os bispos americanos e, já nessa altura, o episcopado dos EUA defendia a “tolerância zero”. Na Via Sacra de 2005, Ratzinger meditou sobre “o rosto repugnante da Igreja” e, já como Papa, enfrentou os escândalos na Irlanda e puniu o mexicano Marcel Maciel, com processos extensivos aos Legionários de Cristo, seus cúmplices.
Há quem considere que aquelas grandes caixas com documentos que o Papa emérito entregou a Francisco em 2013 incluíam muitas outras misérias e aberrações. Quem sabe, uma “ponta do icebergue” que, nestes últimos anos, assumiu maiores proporções, sobretudo no verão passado, e ainda não tem fim à vista.
Francisco organizou um encontro de quatro dias para enfrentar o assunto a nível planetário, no qual apresentou 21 pontos de reflexão, logo no início, e leu um extenso discurso final com várias indicações de caminho. Horas depois do encerramento, os organismos da Santa Sé reuniram-se para articular tudo isto e ajudar os 190 bispos e cardeais a pô-los em prática nas suas dioceses.
Ficaram de fora algumas pedras no sapato, como a questão da homossexualidade, a punição dos bispos, a falta de estatísticas sobre abusos na Igreja e as críticas de tantas vítimas, por não verem acções concretas…
Mas, para mim, a grande novidade foi o testemunho dos abusados. Homens e mulheres que falaram de si e das suas chagas profundas e que tiveram a coragem de o fazer diante do Papa, dos bispos e cardeais. Uma espécie de murro no estômago diário, ou tratamento de choque, para sensibilizar os pastores para a responsabilidade e transparência.
Na Renascença V+, temos um poderoso exemplo deste drama sofrido por uma das vítimas - a única cujo rosto foi divulgado sem filtros, durante a celebração penitencial. E foi aqui que Francisco deixou um pedido aos sacerdotes e consagrados do mundo inteiro: “Para se poder entrar no futuro com renovada coragem, devemos dizer como o filho pródigo: 'Pai, eu pequei'."