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Reportagem de Vasco Gandra: Como o populismo e o nacionalismo fazem soar alarmes na UE

Como o populismo e o nacionalismo fazem soar alarmes na UE

25 jan, 2019 • Vasco Gandra, em Bruxelas


As eleições europeias realizam-se em finais de maio. A possibilidade de as forças anti-UE - à direita, mas também à esquerda - aumentarem a sua representação causa preocupação em Bruxelas.

Juliana Santos recebe a Renascença na sede da Rede Europeia Contra o Racismo, em Bruxelas. Fica a poucos metros do bairro das instituições europeias que os partidos populistas, nacionalistas e de extrema-direita cobiçam já a partir de maio, nas eleições europeias.

A escolha de um novo Parlamento Europeu é o primeiro momento de um novo ciclo político europeu que culminará com a entrada em funções da próxima Comissão, previsivelmente em novembro.

Na sede da Rede Europeia Contra o Racismo, o sossego é apenas aparente. Nos escritórios desta ONG, monitorizam-se os discursos e as manifestações de racismo e xenofobia na Europa. E o que observam actualmente é preocupante.

"É dificil dizer se o racismo aumentou ou diminuiu. O que nós podemos dizer é que as manifestações tornaram-se mais explícitas e violentas. Grupos que antes não eram atacados, são hoje alvo de discriminação e de discursos de ódio. São alvos da extrema-direita. A situação, hoje, não é positiva, continua muito negativa".

Por isso, a ONG defende uma série de recomendações para reforçar as narrativas políticas e as políticas públicas na luta contra o racismo e as discriminações na Europa.

A crise migratória de 2015

Em 2015, desenvolve-se uma crise migratória sem precedentes recentes na Europa. Os conflitos na Síria e noutros países levaram centenas de milhares de pessoas à procura de refúgio e de melhores condições de vida na Europa. Viveram-se também momentos dramáticos na travessia do Mediterrâneo.

A União Europeia e os Estados-membros não estavam preparados para essa crise e mostraram enormes dificuldades em gerir o problema. Os vários partidos e governos populistas, ou apoiados pela extrema-direita, aproveitaram a situação. Radicalizaram a questão migratória para ganhar votos com discursos xenófobos e anti-imigração.

Juliana Santos diz que há uma banalização do discurso xenófobo e racista e que as forças populistas e extremistas têm utilizado a questão migratória de forma enviesada. Condicionam a agenda política, incluindo a dos partidos tradicionais. "Já não dá para ganhar eleitores sem falar de imigração, fazendo disso uma questão de segurança pública ou policial quando na realidade a imigração é uma questão de integração", explica esta especialista da Rede Europeia Contra o Racismo

Perante a resignação de muitos partidos tradicionais na Europa, o populismo e o nacionalismo vão ocupando o terreno. Não muito longe, a umas centenas de mestros da sede desta ONG, ficam os edifícios do Parlamento Europeu.

O grupo político que junta os partidos nacionalistas - o grupo Europa das Nações e da Liberdade - espera aumentar o número de deputados nas próximas eleições europeias. Um dos seus líderes, o eurodeputado Nicolas Bay, que é também número dois do partido de Marine Le Pen, diz que, actualmente, há duas visões políticas que se opõem.

"Hoje, há dois modelos que se enfrentam: os que defendem a aceleração da integração europeia, como Emmanuel Macron, em França: cada vez mais Comissão, cada vez mais União, cada vez mais poder para instâncias supranacionais que desprezam os povos. E, depois, os que querem outra Europa, uma Europa das Nações e das proteções, baseada na ação intergovernamental para organizar cooperações e que definem, claramente, objectivos. Proteger as fronteiras contra a imigração massiva e anárquica e para garantir a proteção dos nossos povos. E restabelecer proteções económicas para impedir a concorrência desleal".

Retórica populista vs. argumentos racionais

Os adversários dos populistas afirmam que estes exploram, muitas vezes, o sentimento do medo ou recorrem a argumentos que nem sempre reflectem a realidade. Uma retórica demagógica que complica o confronto de ideias.

Para os partidos moderados, é um combate desigual, considera o comissário europeu Carlos Moedas, em entrevista à Renascença. "A guerra entre os populistas e os não populistas não é entre iguais. Os populistas - de esquerda ou de direita - têm esta capacidade extraordinária de mudar os factos quando querem, mudar de posição quando lhes apetece, dizer o que lhes vem à cabeça e não sentirem por isso qualquer tipo de responsabilidade. Ora, os partidos moderados sentem essa responsabilidade".

Quem estuda o fenómeno garante que a retórica populista é simplista, assenta em ideias redutoras: as bases contra as elites, ou as bases contra os partidos de poder, os jornalistas ou a justiça. Também designam inimigos externos, opondo os cidadãos nacionais aos migrantes, aos refugiados ou à União Europeia.

O comissário português deixa uma mensagem aos partidos europeístas: chegou o momento de apresentarem as suas ideias em defesa do projecto comunitário, ideias, desde logo, sobre a forma de dinamizar a economia e criar postos de trabalho.

"Nós temos hoje um problema endémico: saber como conseguir fazer crescer as nossas economias. Quais são as ideias dos políticos para esse crescimento? São essas ideias que podem diferenciar os vários partidos. Como é que os partidos olham para o futuro? É através da ciência ou da tecnologia? Quanto temos para investir nestas áreas? Quais são os projectos dos partidos para as novas energias, a inteligência artificial ou a saúde?", questiona o responsável pela pasta da Ciência, Inovação e Investigação no actual executivo comunitário.

PE preocupado com a Hungria, mas não só

Na última década, partidos populistas e nacionalistas chegaram ao governo em vários Estados-membros ou reforçaram as suas posições na Europa. Mas, afinal, que balanço apresentam quando alcançam o poder?

O governo de Viktor Orbán, na Hungria, é um dos que recebe mais críticas. Já foi severamente reprovado no Parlamento Europeu. A Renascença ouviu a eurodeputada holandesa que propôs o início de um procedimento disciplinar contra a Hungria, por risco de violação grave dos valores europeus. O relatório foi aprovado em setembro. Desde então houve mudanças mas para pior, diz Judith Sargentini.

"Vejo mudanças na Hungria, mas não melhorias. Vimos a Universidade Centro-europeia ter que deixar o país. Há um novo acordo agora sobre um novo tribunal administrativo que precisa de novos juízes. Juízes que vão ouvir mais cuidadosamente o governo, juízes menos independentes. Há o que a oposição designa como 'lei dos escravos', que significa que os húngaros podem ser instados a trabalhar até mais 400 horas por ano sem compensação directa. Penso que a situação na Hungria está a piorar, não a melhorar".

O governo húngaro é acusado de pôr em causa normas do sistema constitucional, de ameaçar a independência da justiça e de outras instituições, como organizações não-governamentais e a Universidade Centro-europeia, que sai de Budapeste para Viena. O Parlamento Europeu também está preocupado com a liberdade de imprensa, determinados direitos económicos e sociais e com a situação das minorias e refugiados.

Nos últimos anos, outros países têm estado no radar da Comissão ou do Parlamento por derivas em relação à independência da justiça ou da comunicação social - como na Polónia ou na Roménia.

A eurodeputada dos Verdes acredita que estas ameaças estão a aumentar na Europa. "Penso que sim. Repare: na Itália, onde há um governo da Liga com o Movimento 5 Estrelas, foram detidos autarcas que estiveram bem ao acolher migrantes nas suas sociedades. Agora, têm sido ameaçados com alegações de que fazem tráfico de pessoas. Sim, estou preocupada com a Áustria, onde há um governo com o partido FPO, de extrema direita. Se não estivermos aqui para nos corrigirmos e para garantirmos que respeitamos as bases dos valores europeus, então, este projecto de 'guerra-nunca-mais' vai desfazer-se".

O tema da imigração nas eleições europeias

As eleições europeias deveriam servir também para debater as questões do Estado de direito na Europa, mas os partidos nacionalistas garantem que vão fazer da imigração o tema central da campanha.

Há vários países com posições polémicas sobre a imigração. O grupo de países de Visegrado - Hungria, República Checa, Eslováquia e Polónia - recusa receber migrantes, rejeitando, assim, a solidariedade e ajudar os Estados-membros na linha da frente que mais acolhem. Por outro lado, a Liga de Matteo Salvini e o FPO austríaco participam em coligações de governo em Roma e Viena. Com as suas políticas migratórias restritivas, também se tornaram referências para os nacionalistas na Europa.

Nos últimos meses, nacionalistas e populistas têm mantido contactos para formar um grupo político no Parlamento Europeu anti-imigração e contra o actual projecto da UE, que deverá incluir a Liga de Salvini, o partido de Marine Le Pen, a extrema direita austríaca e holandesa, e o Vox, em Espanha, entre outros.

"Creio que hoje, na Europa, há uma vaga de fundo de movimentos nacionais. Isso manifesta-se em Itália, com Matteo Salvini, ou na Áustria, onde os nossos aliados do FPO estão no poder, mas também na Hungria e na Polónia. Em todo o lado, há uma vontade de uma Europa das Nações e esperamos poder traduzir isso no hemiciclo, no momento das eleições para o Parlamento Europeu. Hoje, há vários grupos que compõem este movimento que deseja uma reforma em profundidade da União Europeia. O nosso objectivo é coligá-los", afirma Nicolas Bay, o número dois do partido de Marine Le Pen.

O reforço de um grupo político no Parlamento Europeu com rasgos nacionalistas, soberanistas e anti-imigração pode ter consequências no funcionamento da instituição. A possibilidade de as forças anti-UE - à direita, mas também à esquerda - aumentarem a sua representação faz soar alarmes em Bruxelas. A isto junta-se o facto de, actualmente, ministros de partidos nacionalistas já participarem em reuniões sectoriais do Conselho da UE. E, finalmente, também não é de excluir que um dia sejam designados comissários de partidos nacionalistas para um futuro executivo comunitário.

"O passa-culpas" a Bruxelas faz o jogo do populismo

O comissário Carlos Moedas mostra-se preocupado com o possível reforço dos populistas e nacionalistas no hemiciclo europeu. E alerta para outra situação: o permanente "passa-culpas" a Bruxelas, que ocorre nos Estados-membros, está a fazer o jogo dos populistas. "Hoje, as pessoas queixam-se da Europa e de factores que a Europa, muitas vezes, não controla ou em relação aos quais não tem poder. Isso é o que mata a própria ideia do projecto europeu".

O comissário português responsável pela pasta da Investigação, Ciência e Inovação desafia, igualmente, os partidos europeístas a apresentarem as suas ideias e soluções para a UE.

As eleições europeias realizam-se em finais de maio. Vão ser definidoras da relação de forças entre os que defendem o actual projecto europeu e os que pretendem um projecto soberanista e protecionista.

De resto, a estratégia dos nacionalistas já não parece ser a de romper a União Europeia, mas sim a de mudar as políticas europeias a partir do interior.

Para além do necessário confronto democrático entre as posições de cada bloco, seria útil que a campanha permitisse compreender diferenças, fazer balanços, apontar o que não funciona na UE mas também valorizar as inúmeras vantagens de integrar o bloco comunitário.

Comentários
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  • João Xavier
    24 mai, 2019 Lisboa 14:02
    Estes jornaleiros só mostram os pontos de vista das esquerdas e seus compinchas, vão ao martim moniz ou amadora e digam que não está a ocorrer uma substituição demográfica...
  • paulo
    25 jan, 2019 lisboa 17:14
    Conclusao os extremos crescem e os moderados desaparecem.O garrote, intransigência e duplicidade de Bruxelas contra os peqenos países ,RU,Itália cenrtrando-se tudo na Alemanha e presentemente no novo eixo franco .alemão vao implodir o stato. quo de Bruxelas q deixará de dizer yes á Alemanha e congeners.Mau para tosdos?Implosao?Alemanha vai sair da EU?