Augusto Mateus: "A futura relação comercial com o Reino Unido vai demorar até sete anos a construir"

15 jan, 2019 - 08:30 • João Carlos Malta

O economista Augusto Mateus aponta que se tem falado muito da saída do Reino Unido da União Europeia, mas pouco se tem discutido sobre o futuro relacionamento comercial entre Portugal e mercado britânico.

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O economista Augusto Mateus liderou uma equipa que, em setembro do ano passado, realizou um estudo para a Confederação Empresarial de Portugal (CIP), sobre o impacto do Brexit na economia portuguesa.

“Brexit: As Consequências para a Economia e para as Empresas Portuguesas” alertava para os riscos de quebras nas exportações entre 15% e 26%, com o automóvel e o turismo a liderarem os setores que podem sofrer um impacto mais negativo.

O PIB também pode contrair até 1 ponto percentual. O Reino Unido é o quarto mercado de destino das exportações portuguesas de bens e o primeiro das exportações de serviços.

No dia em que se vota a saída do Reino Unido no Parlamento britânico, Augusto Mateus diz, em entrevista à Renascença, que se tem falado muito da saída dos ingleses da União Europeia, mas nada se tem discutido sobre o futuro relacionamento comercial entre Portugal e aquele mercado.

“Está tudo por fazer”, afirma o economista, para quem Portugal pode aproveitar algumas oportunidades que o processo vai abrir para as empresas nacionais. Para isso, contudo, já “devíamos ter feito mais”. Augusto Mateus avisa: “Vamos ter que acelerar.”

Quais foram as principais conclusões do estudo “Brexit: As Consequências para a Economia e para as Empresas Portuguesas”?

É um processo que, à partida, produz resultados negativos, quer para a Europa quer para o Reino Unido. É um jogo de soma negativa. Uma coisa é calcular efeitos de resultados positivos, como foi com o alargamento da União Europeia, e outro é calcular efeitos de um processo que vai desconstruir relações que intensificavam a produção e a distribuição. É um jogo de soma negativa e muito mais desafiante para o Reino Unido do que para a Europa, porque o Reino Unido depende muitíssimo mais da Europa.

O Reino Unido pode perder, no horizonte de dez anos, dez pontos percentuais do produto (PIB), o que é significativo.

Sendo muito menos desafiante dentro da União Europeia, é muito desafiante para determinados países dentro da União. Na linha da frente, os que têm relações mais intensas com o Reino Unido, como a Irlanda, a Holanda e a Bélgica, ou economias muito pequenas, como Chipre ou Malta, que têm relações muito fortes com o Reino Unido.

Mas não são os únicos…

Há um conjunto de economias em que o impacto é muito restrito, que são os países do alargamento, e, depois, há economias que ficam entre estes dois grupos, que é onde se situa Portugal, com uma relação muito longa com o Reino Unido.

É o nosso primeiro parceiro em serviços e o quarto em bens. O impacto para a economia portuguesa é muito significativo. E o Reino Unido faz parte dos destinos de eleição da emigração portuguesa. Há muitos portugueses a trabalhar lá e, nesse campo, há as questões laborais e a das remessas de rendimentos para Portugal.

É sobre isto que se deve construir uma posição portuguesa, para se desenvolver um processo entre a União Europeia e o Reino Unido.

Traçou o quadro geral, mas, focando-se na economia portuguesa, quais são os impactos deste processo e quais os setores que poderão ser mais afetados?

Os impactos podem medir-se em torno de diversos modelos. O que fizemos foi usar modelos gravitacionais, partindo do princípio de que há determinadas relações entre economias que têm a ver com a sua competitividade, dimensão e especialização. Há economias que fazem melhor certas coisas do que outras.

Apesar de se falar muito de como se vai sair, está tudo por fazer sobre o futuro relacionamento. Uma coisa é discutir a forma como o Reino Unido vai sair, outra é um novo quadro de acesso.

Nomeadamente, definir taxas alfandegárias...

Sim. E restrições não pautais. Não é o dispositivo básico. É, no fundo, estabelecer como é que o Reino Unido se relaciona com a Europa em termos de bens e serviços para o futuro. Isso está tudo em aberto.

"Apesar de se falar muito de como se vai sair, está tudo por fazer sobre o futuro relacionamento"

Está tudo em aberto?...

Tudo. E é algo que demora cinco, seis, sete anos a fazer. São milhares de produtos e de serviços que têm de ser tratados. Há uma nova geração de acordos que é necessário fazer. Mas o que vamos fazer é sempre pôr dificuldades onde havia facilidades.

Nesse hiato, como decorre esse relacionamento comercial?

Há as regras básicas da Organização Mundial de Comércio, que não são especialmente favoráveis à intensificação do comércio. Se as coisas se precipitarem, o Reino Unido sai sem acordo da União Europeia. Temos de fazer um esforço muito grande para que isso não aconteça. Tem que se manter a ideia de que há um período de transição, que começa na data para a saída, que é cada vez mais amanhã e que dura até ao final de 2020.

O futuro com impactos a médio e longo prazo tem que ver com a construção desse novo relacionamento. Ele é muito mais importante em matéria de serviços do que de bens.

Os impactos serão mais visíveis em que regiões?

Nas zonas mais relevantes das exportações portuguesas para o Reino Unido. No Norte e em certas zonas do Centro, mais próximas do Norte.

Atingirá também alguma atividade industrial e os serviços na região de Lisboa. No turismo e no imobiliário, além de Lisboa, a Madeira e o Algarve são as regiões mais afetadas.

O Reino Unido é o quarto maior destino das nossas exportações...

De bens, porque de serviços é o primeiro. E as nossas economias são de serviços... Nós consumimos bens e serviços, mas consumimos mais bens do que serviços. Quando falamos de exportações, tendemos a falar só em bens e não em bens e serviços...

Fala na possibilidade de queda de um quarto deste comércio. Isso é muito grave?

Esse é o pior cenário. É como perguntar a um clube que não se prepara para um campeonato o pior que lhe pode acontecer. Mas é um número a ter em conta e que tem expressão. Não é expectável que se atinja esse valor, mas devemos pensar nele como aquilo que está em risco.

[Queda de 26% nas exportações] É como perguntar a um clube que não se prepara para um campeonato, o pior que lhe pode acontecer. Mas é um número a ter em conta e que tem expressão.""

Há setores mais expostos?

Sim, o setor automóvel. A química fina e o das farmacêuticas. É por aí que temos mais dificuldades potenciais. A floresta, o agroalimentar também...

A Autoeuropa, que vale 1% do nosso PIB, tem no Reino Unido um mercado relevante. O que pode acontecer?

O que pode estar em causa é a perda de fatores que facilitavam a exportação da Autoeuropa para o Reino Unido, facilitavam também uma cadeia de valor global, que engloba os componentes e trocas muito intensas de bens e serviços entre empresas que participam nessas trocas comerciais. Um automóvel tem dezenas de milhares de peças e milhares de empresas a colaborarem umas com as outras para se fabricar um determinado modelo.

Quais os impactos para o país?

Sempre que se produz menos e vende menos, há consequências sobre o emprego, sobre o rendimento. Aquilo que conseguimos estimar é que Portugal, se puder pensar adequadamente e agir rapidamente, pode ser solução para outros países que são exteriores à União Europeia. Portugal pode substituir o Reino Unido nalgum relacionamento que se faz com outras economias de fora da União Europeia.

Podemos sofrer mais ou menos conforme nos preparamos adequadamente. Se nos prepararmos adequadamente, até podemos beneficiar de ter melhores soluções do que outras economias que também vão perder. Podemos produzir e exportar o que outros vão deixar de fazer. Temos é de estar atentos e aumentar a competitividade da nossa economia.

As associações empresariais e as empresas estão na expectativa. Não se estão a preparar de forma nenhuma em particular para o que está a acontecer, porque o cenário é opaco e intermitente....

Nesse ponto, é onde é importante a política pública. Precisamos de uma política pública que introduza os incentivos para que as empresas larguem essa posição do "esperar para ver" e comecem a tomar medidas e a fazer contatos, a perspetivar oportunidades. Para isso, temos instituições especificas como a AICEP e a Secretaria de Estado da Internacionalização.

É normal que uma empresa privada, grande ou pequena, esteja numa posição de expectativa. Há muitas pessoas que pensam que vai haver um segundo referendo, que pode não haver Brexit.

Corremos o risco de haver Brexit sem fase de transição e sem acordo. Esperemos que não seja assim. A partir do momento em que se confirme o Brexit, as empresas vão largar essa posição de expectativa e fá-lo-ão com tanta mais força quanto maior forem os problemas, as quebras de oportunidade e novas formas de concorrência.

O que se pode alterar nas exportações com o Brexit?

Devíamos fazer um esforço de diversificação dos mercados. O Brexit poderá orientar-nos para os grandes países emergentes: o Japão, os países mais desenvolvidos da América do Norte e da CPLP e a América do Sul.

"Precisamos de uma política pública que introduza os incentivos para que as empresas larguem essa posição do esperar para ver e comecem a tomar medidas e a fazer contatos, a perspetivar oportunidades"

Devíamos ver que possibilidades existem, mediante as dificuldades que vão existir no relacionamento com o Reino Unido.

As entidades públicas estão a trabalhar bem nesse sentido ou não há nada no terreno para capitalizar o que diz?

Muitas vezes, sou criticado por pessoas que dizem que tenho sempre pressa. Acho que se tem feito bem o acompanhamento da questão europeia, mas, do ponto de vista do ajustamento que o Brexit vai exigir à economia portuguesa, já devíamos ter feito mais. Vamos ter que acelerar.

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