Tempo
|
A+ / A-

Ministra do Mar: “Se continuarmos por este caminho, o Porto de Setúbal deixará de ser viável”

06 dez, 2018 - 00:00 • Eunice Lourenço (Renascença) e Helena Pereira (Público)

Em entrevista à Renascença e ao "Público", Ana Paula Vitorino reage às críticas dos parceiros de coligação de Governo, PCP e BE, que pediram a sua demissão: uns tentam resolver o conflito, outros pedem demissões.

A+ / A-
Ministra do Mar. "Se continuarmos por este caminho o porto de Setúbal deixará de ser viável"
Ministra do Mar. "Se continuarmos por este caminho o porto de Setúbal deixará de ser viável"

Veja também:

Terminal de contentores do Barreiro: “Há vários interessados, já não preciso fazer consulta pública”


A ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, está confiante no bom desfecho das negociações que está a mediar entre estivadores precários e administração portuária em Setúbal, mas vai fazendo os seus avisos em entrevista à Renascença e ao “Público”.

Ana Paula Vitorino reage às críticas dos parceiros de coligação de Governo, PCP e BE, que pediram a sua demissão: “Há uns que tentam resolver o conflito defendendo os trabalhadores e os postos de trabalho e há os outros que se põem numa situação de sistematicamente pedir a demissão dos ministros”.

As negociações com os estivadores vão ser retomadas para a semana. O que acha que vai ser possível fazer para que se chegue finalmente a um acordo?

É absolutamente essencial resolver a questão do Porto de Setúbal. Não é aceitável que exista um tão elevado número de trabalhadores eventuais e que uma infraestrutura como aquela, que serve de suporte para as exportações, prejudique as empresas. Temos que trabalhar fortemente para conseguir um acordo entre as partes. Continuamos a ter encontros bilaterais com cada uma das partes. Julgo que a solução está muito mais perto do que se possa pensar. Tem que ser um acordo que acabe com a precariedade completamente desregulada no Porto de Setúbal. Existe um acordo de princípio quanto ao número de pessoas a admitir.

Falou-se de 56. A percepção é de que se esteve muito perto do acordo. O que falhou? Falta vontade por parte do sindicato?

Quando existe um conflito, a culpa nunca está exclusivamente de um lado. Mas espero que muito em breve possa haver boas notícias.

O primeiro-ministro já disse que a situação no porto de Setúbal é culpa, sobretudo, de um sindicato que “felizmente” não se disseminou noutros portos. É da mesma opinião?

Existem cinco sindicatos de estivadores diferentes e com pesos diferentes. O SEAL (Sindicato dos Estivadores e da Atividade Logística), que está em greve, tem uma grande expressão nos portos de Lisboa e Setúbal, também no Caniçal e algum peso na Figueira da Foz.

Este é o mais intransigente?

Não diria isso. Mas os outros não têm pré-avisos de greve.

Só tem havido, praticamente, em Setúbal e Lisboa.

Exatamente. Lisboa não tem piores condições de trabalho do que outros portos. É onde existe uma maior taxa de estivadores efetivos, 75%. Setúbal tem 78% de trabalhadores eventuais. A média nacional é de dois terços de trabalhadores efetivos. Em termos de remunerações, as médias apontam para médias em Lisboa superiores a Leixões.

Estamos a falar de quanto?

As remunerações base andam na ordem dos 1.600 euros. Depois acresce a isso as horas extraordinárias. A média salarial de Setúbal também é superior à do Porto de Leixões. Em Setúbal, o problema essencial é a elevada precariedade.

O bispo de Setúbal disse que a situação roça a inconstitucionalidade e apelou a uma solução que não passe por cima dos trabalhadores e que não ponha em causa a economia da região, muito dependente do porto e da Autoeuropa.

Como todas as regiões do país. Se pusermos em causa peças fundamentais do funcionamento da nossa economia, estamos a pôr em causa postos de trabalho. Se isto se passasse noutro porto, o impacto também seria importante. O Porto de Setúbal tem importância, mas no contexto nacional vale 6% da movimentação de carga. Mais de 50% da movimentação de carga nacional é feita por Sines, e 23% no Porto de Leixões. Apesar de valer 6%, tem uma importância estratégica porque é um porto industrial, que movimenta matérias-primas e produtos acabados de alto valor (temos a Autoeuropa, a Secil, a Navigator, a Siderurgia Nacional). Se isto se passasse no Porto de Leixões punha em causa toda a economia do norte de Portugal.

Já estamos a perder quota para portos espanhóis?

Sim. Estamos a fazer tudo por tudo para que armadores que deixem de utilizar Setúbal por causa da greve utilizem outros portos nacionais, como Leixões (que já está em sobreocupação) e Sines. Há empresas que preferem ir para Espanha. Estima-se que no final desta semana, as rotas que costumam utilizar o Porto de Setúbal se reduzam 70%.

O não haver acordo pode pôr em causa o futuro do porto de Setúbal?

Pode, com certeza. É isso que está em causa. Se continuarmos por este caminho, o porto de Setúbal deixará de ser viável e ficarão postos de trabalho em causa, empregos diretos e indiretos. Estamos a fazer o nosso melhor para mediar. Mas estamos a tomar as medidas necessárias para que os outros portos nacionais possam receber todas as cargas que eram até agora movimentadas em Setúbal. Em matéria de “ro-ro”, é possível em Leixões, Aveiro, em Lisboa, em Sines e em Portimão, que tem excelentes condições de parqueamento. Evidentemente, depende dos navios. O terminal de Sines onde se pode fazer “ro-ro” tinha pavimento em gravilha, que não é aconselhável para viaturas ligeiras. Está-se a fazer um novo pavimento. Temos condições para absorver todo o tráfego que é movimentado em Setúbal.

O PCP e o BE têm estado ao lado dos estivadores. O BE, pela voz de Heitor de Sousa, já pediu a sua demissão do cargo. Esta terça-feira, a líder do BE foi ao Porto de Setúbal. Como é que se sente sendo ministra de um Governo apoiado pela esquerda e que vê esses partidos a pedir a sua demissão?

Se não tivesse resiliência, o melhor seria mudar de atividade. Os ministros têm que estar preparados para as críticas justas e injustas vindas seja de onde for. Há duas questões que não posso deixar de colocar a essas duas pessoas que referiu e que muito prezo. Por que é que só se lembraram deste assunto agora? Houve mais de 100 pré-avisos de greve deste sindicato. E entre este sindicato e o sindicato de Leixões que diz exatamente o contrário do que este sindicato diz e os sindicatos de Sines, quais é que o BE e o PCP apoiam?

Há uns que tentam resolver o conflito defendendo os trabalhadores e os postos de trabalho e há os outros que se põem numa situação de dizerem sistemática e recorrentemente que pedem a demissão dos ministros. É mais uma figura política que outra coisa qualquer. Do ponto de vista político, tem que haver uma clarificação sobre que sindicatos apoiam, uma vez que existe um conflito entre sindicatos e também, não onde estavam no 25 de Abril, mas nos anos em que se formou este problema no porto de Setúbal? As centrais sindicais têm sido muito prudentes sobre esta matéria. Gostava também se saber o que esses partidos propõem para a resolução do problema.

No passado, PCP e BE não se tinham manifestado ao lado do SEAL, é isso?

No passado, não se pronunciaram sobre esta matéria. Não se trata de funcionários públicos e a resolução do assunto não depende de uma resolução do Governo.

Existe ou não um clima intimidatório relativamente a esta greve?

De parte a parte, tem havido declarações. Que há carros que são desfeitos, há, que há pessoas que recebem ameaças, também há. Há pessoas que foram agredidas fisicamente, também há. Isso são matérias de justiça. Essa investigação não cabe ao Governo fazer. O pedido que fiz a todas as partes foi que, havendo queixas, formalizem essas queixas. Havendo queixas de condições de trabalho, de que pessoas afetas a diferentes sindicatos não têm o mesmo tratamento, solicitei ao sr. ministro do Trabalho uma inspeção da Autoridade das Condições do Trabalho e ao Porto de Leixões que fizesse também um levantamento. O Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) deve também avaliar se existe violações das regras de licenciamento de empresas de estiva.

O IMT falhou porque ao longo dos anos permitiu que se chegasse a esta situação de precariedade em Setúbal.

O problema é que a legislação foi alterada substancialmente em 2014, criando regras distintas, e o IMT não acompanhou tão depressa quanto deveria a fiscalização com base na nova legislação que é mais permissiva do que era. Houve uma disfunção temporal.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • Cidadao
    06 dez, 2018 Lisboa 08:37
    Tal como na Educação, onde o novo sindicato S.T.O.P. veio agitar as águas ao fazer realmente luta, o Costa não gosta aqui do SEAL... Prefere os Sindicatos do Sistema, Sindicatos do Regime, aqueles que fingem que lutam pelos trabalhadores, mas estão de braço dado com o governo. O SEAL está a dar luta a sério e isso está a pôr os poderes instalados em brasa. É sempre mais cómodo ter "colaboradores" que trabalhdores. É sempre mais cómodo e barato poder despedir por SMS sem qualquer indemnização. É sempre melhor pagar bolotas por um dia de trabalho duro e borrifar-se se alguém está doente ou isso. Continuem SEAL: quando ganharem, os dos outros portos vão começar a pensar se vale a pena manterem-se ligados a sindicatos que só fingem que lutam.

Destaques V+