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Eunice Lourenço
Opinião de Eunice Lourenço
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​O padrão António Costa

15 out, 2018 • Opinião de Eunice Lourenço


Primeiro-ministro surpreendeu com remodelação alargada. Novos ministros tomam posse no dia da apresentação do Orçamento do Estado e vão defender contas que não negociaram.

Não se demitem ministros em período orçamental. Pois não, mas Azeredo Lopes já não aguentava mais. Não se fazem remodelações sob pressão. Pois não, mas António Costa só as faz assim. Não se muda um quarto do Governo na véspera de entregar o Orçamento do Estado. Pois não, mas porque não? António Guterres até remodelou um ministro das Finanças e da Economia e uma ministra da Saúde em pleno debate parlamentar de um orçamento rectificativo.

O primeiro-ministro, que surpreendeu o país com a manobra que o levou ao lugar em que está, mostrou que ainda tem cartas a tirar da cartola e voltou a surpreender numa manhã de domingo em que o país ia acordando de uma noite de tempestade. Afinal, tinha havido tempestade – e forte – no Governo.

António Costa tem seguido sempre o mesmo modelo. Um ministro é criticado, é posto em causa e ele defende-o à exaustão. Foi assim com Constança Urbano de Sousa, foi outra vez assim com Azeredo Lopes. Foi até assim com os secretários de Estado que estiveram meses sob tiroteio por causa das viagens ao Euro 2016. Até que chega a um ponto em que percebe que não pode esticar mais a corda e acaba por fazer uma remodelação sob pressão.

O ponto alto (ou mais baixo) desta forma de funcionar foi a remodelação de Constança Urbano de Sousa há um ano. Depois de Pedrogão e na noite em que o Centro do país estava a arder, António Costa ainda defendeu a ministra à porta da Proteção Civil. Da mesma maneira que foi na segunda-feira à Base Aérea de Monte Real dizer que o ministro da Defesa era um “activo muito importante” do Governo.

Contudo, há um ano quando, finalmente e com um empurrão do Presidente da República, substituiu Constança Urbano de Sousa, o primeiro-ministro parecia ter esgotado a capacidade de atração do seu Governo. De tal forma que recorreu a Eduardo Cabrita, seu ministro Adjunto, para tomar conta da Administração Interna e chamou Pedro Siza Vieira, um dos seus amigos mais próximos, para Adjunto.

Agora, quando se temia que se limitasse a fazer Marcos Perestrelo de secretário de Estado a ministro da Defesa, Costa foi buscar Gomes Cravinho a Brasília, mas não se ficou por resolver o problema mais premente e fez a única verdadeira remodelação do seu Governo, mexendo na Economia, na Saúde, na Cultura. E também no Ambiente, ainda que por uma questão colateral.

Na Economia, Manuel Caldeira Cabral era, desde o início um erro de casting, talvez por características pessoais ( o primeiro-ministro chegou a justificá-lo com timidez). De tal forma, que tinha uma pasta que se foi esvaziando: os fundos europeus estavam com Pedro Marques, os transportes divididos entre as Infraestuturas e o Ambiente, a Aicep nos Negócios Estrangeiros…. E Siza Vieira ficou-lhe com mais umas pastas quando chegou ao Governo, de tal maneira que agora a sucessão pouco mais será do que colocar no papel uma situação de facto.

Contudo, devido a eventuais incompatibilidades de Siza Vieira agora sai mais uma área da pasta da Economia: a Energia, passando o ministro do Ambiente a ser também da “transição energética”. Esperemos que não seja só para resolver as incompatibilidades do ministro Adjunto e que o Governo queira mesmo dar importância e projecto àquela que é, certamente, uma área decisiva no futuro e que era um dos eixos da moção de António Costa no congresso do PS que decorreu em Maio.

Na Cultura, mais do que substituir um diplomata de carreira e poeta que tinha sido chamado à pressa para substituir João Soares, Costa substitui um secretário de Estado: Miguel Honrado. Era ele que era tido como o verdadeiro ministro, foi ele quem esteve no centro da contestação aos concursos de financiamento da Direcção-Geral das Artes, quanto a generalidade dos agentes culturais se revoltou contra o novo sistema de apoios. Uma guerra em que Costa se envolveu, deitando dinheiro para a fervura com o anúncio de mais meios e de um estudo sobre o modelo de financiamento que deveria estar pronto por agora.

Miguel Honrado , esteve à frente da Egeac (a empresa de gestão de equipamentos culturais do município), quando António Costa era presidente da Câmara de Lisboa. Por essa altura, também Graça Fonseca já fazia parte da equipa do então presidente da Câmara. E é ela que agora assume a pasta da Cultura, depois de três anos como secretária de Estado adjunta de Maria Manuel Leitão Marques em que veio sempre a assumir mais protagonismo.

A maior surpresa acabou por ser a Saúde, onde Adalberto Campos Fernandes também era algo de pressão permanente, mas parecia bem ancorado por António Costa que o defendia a cada debate quinzenal. A pressão também não parecia abalar o ministro que, em cada sessão no Parlamento, parecia responder com cada vez mais à vontade e, em entrevista à Renascença e ao Público este ano, até mostrou disponibilidade não só para cumprir toda a legislatura, mas para ainda fazer mais uma.

Contudo, também aqui se verificou o padrão António Costa: defender, defender, defender … até deixar cair. E um dos motivos para a queda de Adalberto é, sem dúvida, a polémica sobre a transferência do Infarmed para o Porto, uma decisão em que o ministro acabaria por dar a cara, tanto pela decisão como pelo recuo, salvaguardando a cara do primeiro-ministro, tanto ou mais responsável do que ele por um episódio saído de um jantar a dois.

Agora, caberá a Marta Temido, antiga presidente dos administradores hospitalares, mostrar que é possível parecer que faz diferente com um Governo igual e com um Orçamento em que não participou. E aí está outra particularidade desta remodelação cozinhada ao mesmo tempo em que o Orçamento do Estado era negociado com a esquerda e aprovado em Conselho de Ministros: os ministros tomam posse entre a aprovação do OE e a sua entrega no Parlamento, vão defender e executar umas contas que não prepararam, que não fizeram, que não negociaram com o ministro das Finanças. Mas, afinal, também isso não é novo: já foi assim no ano passado com Eduardo Cabrita e Pedro Siza Vieira.

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  • João Lopes
    15 out, 2018 Viseu 21:47
    Mudam ministros mas os problemas vão continuar...os comboios são poucos e as linhas estão velhas. As escolas e os hospitais não funcionam bem: há falta de dinheiro e há greves frequentes. A dívida dos medicamentos é enorme e os atrasos no seu pagamento é grande. No mundo dos militares, da Polícia e GNR, faltam viaturas e os problemas amontoam-se, não se resolvem, vão-se adiando. Os impostos indiretos são demasiados e vão em aumento; e na dívida pública ninguém fala…mas é gigantesca!
  • FERNANDO MACHADO
    15 out, 2018 PORTO 15:25
    ISTO É O QUE ELE (1º MINISTRO) INTITULA DE DINÂMICA RENOVADA.......