Criador de “Borders”. Por que deixamos os bens passar fronteiras livremente e as pessoas não?

24 set, 2018 - 07:00 • Inês Rocha , Marília Freitas (imagem)

Johnny Harris, jornalista da Vox, dedica-se a contar histórias que acontecem nas linhas que separam os países. Mas o fascínio por fronteiras não o impede de questionar: e se as pessoas pudessem mover-se livremente pelo mundo, da mesma maneira que recursos como o peixe e o trigo?

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Criador de “Borders”. Por que deixamos os bens passar fronteiras livremente e as pessoas não?
Criador de “Borders”. Por que deixamos os bens passar fronteiras livremente e as pessoas não?

Aos 30 anos, o jornalista norte-americano Johnny Harris dedica-se, a tempo inteiro, a olhar para as fronteiras mundiais e a “humanizá-las”, dando-as a conhecer através de vídeos na internet.

Harris combinou a formação em Relações Internacionais, a paixão por mapas e o gosto pelas câmaras e pela cinematografia para criar, em 2017, a série “Borders” (“fronteiras”, em português), na Vox, um canal digital norte-americano que se dedica a aprofundar e a explicar as notícias.

A série tornou-se rapidamente um fenómeno “online”. Em cada episódio, o jornalista viaja para um local do globo, para contar as histórias que acontecem nas linhas que separam os países mundiais e, através delas, explicar fenómenos mais abrangentes.

Na primeira temporada, o jornalista viajou para seis locais mundiais: para uma ilha que separa dois mundos, o do Haiti e da República Dominicana – uma história que remonta aos tempos do colonialismo; para o Ártico, para explicar a disputa internacional por um novo oceano criado pelo aquecimento global; para a pequena Coreia do Norte que existe dentro do Japão desde o início do século XX; para duas portas de entrada na Europa e nos Estados Unidos, México e Marrocos; e ainda para uma fronteira a 4600 metros de altitude, entre o Nepal e a China.

A série está nomeada para os Emmy de Notícias e Documentários, na categoria “Excelência em Vídeojornalismo”. Depois de uma segunda temporada focada em Hong Kong, Johnny Harris está agora a trabalhar numa terceira série, dedicada à Colômbia.

Johnny Harris foi um dos convidados da Mostra de Cinema de Viagem e Aventura, que decorreu no mercado de Matosinhos de 13 a 15 de setembro.

Em entrevista à Renascença, o criador de “Borders” confessa que gostava de viver num mundo sem fronteiras, locais de conflito, causadores de muito sofrimento. O jornalista diz mesmo que as fronteiras são causa de ineficiência económica.

“Se as pessoas pudessem mover-se livremente, da mesma maneira que recursos como peixe e trigo, que são movidos para onde há procura, acho que o mundo seria mais próspero e mais pacífico”, considera. Mas quando falamos de pessoas, há outro fator envolvido: o medo da diferença.

Sobre os novos desafios que são colocados aos média, Johnny Harris tem uma receita para aumentar o interesse das novas gerações pelas notícias: falar a linguagem delas.

Sempre focaste muito o teu trabalho no tema das fronteiras. O que é que despertou o teu interesse para o tema?

Acho que sempre tive interesse em mapas. Quando era criança, já gostava muito de olhar para mapas. Eram tão fascinantes. Depois da escola secundária, vivi no México durante dois anos, na fronteira entre o México e os Estados Unidos, em Tijuana, que é uma fronteira muito intensa, e acho que esse foi o primeiro momento em que percebi que aquilo era um drama real a acontecer. Há tanto conflito ao longo desta linha.

Há tanta gente a querer cruzá-la, tanta tensão. Isso causou um grande impacto. Ver a versão humana de uma fronteira, não apenas num mapa. Especialmente Tijuana, que é uma das fronteiras mais caóticas, onde há mais movimento no mundo.

Isso despertou o meu interesse para a intensidade das fronteiras. Mas eu não ia fazer nada com isso. Quando voltei estudei Relações Internacionais, estudei conflito e paz. Mas isso sempre me interessou.

Ver a fronteira no México deixou-me fascinado, mas depois de estudar e me tornar jornalista, a Vox perguntou-me se queria fazer uma série com aqueles documentários que estava a fazer.

Eu disse "sim, sobre fronteiras". Pareceu-me a coisa natural a fazer.

Agora que já viste tantos lugares, gostavas de viver num mundo sem fronteiras?

Sim… para mim, as fronteiras causam muito mais problemas do que resolvem. Elas trazem à tona uma parte das pessoas que muitas vezes não é a melhor, é normalmente a parte tribal e amedrontada das pessoas. Claro que há essa utopia, se não houvesse fronteiras não havia divisão. Mas também sou realista, as fronteiras são a nossa maneira de criar ordem e identidade.

Os animais não fazem isso, não desenham linhas como nós e eles têm territórios, lutam.

Nós gostamos muito de linhas. Gostamos de dizer "eu pertenço a esta área, tu pertences àquela e há uma linha aqui".

Acho que essa é uma coisa unicamente humana. Acho que aprendemos, ao longo dos anos, a ser mais civilizados, especialmente com a União Europeia, que as fronteiras não são indiscutíveis, há maneiras de quebrá-las. Acho que estamos a começar a fazê-lo, mas é um processo lento. Porque a vontade de dividir é muito profunda em nós.

E causa muito sofrimento...

Meu Deus, sim. As fronteiras causam muito sofrimento, e de um ponto de vista económico, criam também muita ineficiência.

Se toda a gente que quisesse trabalhar, ainda que fosse dos Camarões ou da Venezuela, pudesse ir para os lugares que precisam de trabalho, como o Japão ou Pequim, se todas essas pessoas pudessem ir e trabalhar, a economia global seria muito mais eficiente.

Se as pessoas pudessem mover-se livremente, da mesma maneira que recursos como peixe e trigo, que são movidos para onde há procura, acho que o mundo seria mais próspero e mais pacífico. Quando as pessoas estão envolvidas, já pensamos "oh, tu não és apenas trigo ou um carro. Tu tens uma identidade, pareces-me diferente, falas uma língua diferente, não queremos que passes a nossa fronteira". Mas fazemos isso para todas as outras coisas. Para as coisas que não têm uma identidade.

Acho que o mundo seria mais eficiente e feliz se não o fizéssemos. Mas acho que isso é muito utópico, não sou um defensor de um mundo sem fronteiras. Elas são uma parte de quem somos como pessoas, temos que lidar com elas e descobrir qual a melhor política a adotar.

E acho que ainda temos um longo caminho a percorrer a torná-las menos dolorosas para os migrantes.

Há algo em comum entre duas regiões do globo que cobres em dois dos episódios de "Borders". Tanto nos Estados Unidos como na Europa, as grandes nações estão a pagar às mais pequenas para lidar com o problema das suas fronteiras.

Sim. O que se passa é que nós, o mundo ocidental, os países desenvolvidos, assinámos tratados que dizem "prometemos que vamos cuidar das pessoas que fogem da violência".

Isso é algo que nós, como pessoas civilizadas, devíamos fazer. Assinámos convenções. A convenção de Genebra, outras convenções das Nações Unidas... mas quando chega o momento de o fazermos, quando as pessoas estão a fugir da Síria, nós pensamos "hmm, nós assinamos mas não queremos realmente pô-los em prática. Mas não podemos mandar embora as pessoas, porque prometemos que não o faríamos". Por isso, acabam por pagar a Marrocos, que não assinou e não tem tanta responsabilidade como Espanha, para fazê-lo. Ou pagamos ao México para fazê-lo, porque apesar de terem assinado as convenções, não são tão responsabilizados como os Estados Unidos.

Acho que, apesar de termos muitas convenções e leis, ainda somos muito tribais na maneira como lidamos com as divisões internacionais. Temos um longo caminho a percorrer antes de estas convenções e tratados que assinámos realmente significarem alguma coisa.

No final, todos sentimos que pertencemos a um país e vamos fazer o que for preciso para protegê-lo. Acho que impulso ganha a maioria das vezes.

Como viste a polémica da separação de famílias na fronteira dos Estados Unidos com o México?

Não a vi a acontecer diretamente porque estava mais focado na fronteira sul do México. Escolhi cobrir essa zona porque não tinha sido muito coberta. Mas definitivamente vi como as famílias são separadas ou abusadas durante a viagem. Os migrantes são pessoas tão vulneráveis. Essa é uma das lições que sinto que aprendi com estas reportagens, é o perigo a que estes migrantes são sujeitos quando estão fora do seu país, não falam a língua. E aventuram-se por estes caminhos desconhecidos. É algo muito perigoso, quando estão a tentar fugir pelas suas vidas.

A minha esperança é que o facto de as histórias se terem tornado públicas deixe as pessoas mais conscientes. Mas é um problema muito difícil, as pessoas sentem que é tão importante proteger as suas identidades nacionais que, apesar de ouvirem todas estas histórias, estão um bocado insensíveis, porque há tanto disso nas notícias.

O discurso político é que os imigrantes que vêm do México são criminosos, mas no teu trabalho viste que muitos deles eram refugiados.

Sim, é uma mistura. Claro que há traficantes de droga, que passam pela fronteira, é um problema real.

Mas misturar os traficantes de droga com as famílias que estão a fugir do seu país violento é, para mim, o erro número um, aqui. Eles são pessoas diferentes, com motivos diferentes e merecem políticas diferentes e são tratados da mesma maneira, a maioria das vezes.

A patrulha na fronteira tem um trabalho difícil, já o vi. Mas acho que podemos fazer melhor, nos Estados Unidos, em apoiar as famílias e não as tratar como criminosas. Nós, como países desenvolvidos, o mínimo que podemos fazer é abrir as nossas portas e dizer "podes estar seguro aqui" da violência.

Aquele muro que Trump queria construir já existe, mas é um muro tecnológico.

Sim, acho que esta ideia de um muro é fácil de vender, porque é um objeto físico. Mas se fores ao Texas, já existe um muro de barcos, drones, torres, visão norturna, cães, pessoas em cavalos. Já existe um muro. Um muro físico é fácil de vender às pessoas como ferramenta política, mas não significa nada. E cerca de metade da fronteira já está coberta por um muro.

Esta série mostrou que as pessoas se interessam por estes temas. A internet é um meio de lhes mostrar o que está a acontecer. Preocupas-te com a audiência? Achas que podes estar a criar algo maior com o teu trabalho?

Acho que o melhor que posso esperar é que as pessoas fiquem mais conscientes destes problemas. Não sei se um vídeo de 13 minutos na internet vai causar alguma revolução. Mas acho que, quanto mais fizer este trabalho, mais vou poder ajudar uma audiência maior a ter estas coisas em mente à medida que crescem, que votam, que se candidatam a cargos públicos.

Acho que o maior problema a causar esta divisão é falta de informação. Falta de humanizar a informação. E o vídeo e o documentário são mecanismos particularmente bons para humanizar estes tópicos. Porque podes ver, ouvir e identificar-te. Isso é aquilo que posso esperar. É que as pessoas fiquem um pouco mais sensibilizadas com o mundo à sua volta por causa destes vídeos.

Mesmo que não passem à ação amanhã. A escala e a magnitude que estas plataformas podem oferecer faz com que milhões de pessoas vejam estes vídeos. Isso tem um pouco de impacto e é muito gratificante para mim. Porque eu importo-me com estas coisas e quero que outras pessoas se importem. É por isso que o faço.

Como é que o "Borders" começou? Primeiro tiveste oportunidade de ir a Cuba, tiveste cinco dias para criar alguma coisa, para mostrar ao teu editor que conseguias fazer algo sozinho.

O primeiro documentário foi em Cuba, sim, depois fui ao Rio de Janeiro e depois a Israel.

Eles disseram: "Está a funcionar! Queres fazer uma série?". E eu disse "sim, quero fazer sobre fronteiras!". Foi assim que começou. Partiu de um impulso de dizer "vamos sair da redação". E se saíssemos e mostrássemos isto de que estamos a falar? Não só mostrar de um ponto de vista macro, mas dizer também o micro, o nível humano. Dar uma cara humana a estes tópicos.

Essa foi a proposta, e resultou, eles gostaram.

Qual a importância da interação com a audiência? Fizeste "crowdsourcing" para a série de Hong Kong.

Acho que o crowdsourcing é muito importante para o meu trabalho, no sentido em que se vou para um lugar, não sou um especialista nesse lugar, não sou local. E quero que estas histórias tenham um "sabor" local. E não há outra maneira de o fazer. Posso ir viver para lá e ficar lá dois meses. Ou posso pedir aos locais para me darem a sua perspetiva antes de ir, e colocar isso na história. Isso é o mais importante para mim, garantir que as histórias são sensíveis à perspetiva dos locais. Isso é muito importante.

Além disso, cresci a fazer isso. Como uma criança da internet, cresci a estar sempre ligado às pessoas. E a sentir sempre que podia fazer perguntas e as pessoas iam responder. Porque essa é a mentalidade de partilha da internet.

Eu pensei "se eu posso fazer isso para chegar aos melhores sítios para comer, quando vou de férias, porque é que não posso fazê-lo naquilo que é mais interessante de reportar, em HongKong?". E resultou. As pessoas quiseram contribuir e fazer parte destes projetos. E acho que as reportagens são mais fortes e mais locais por causa disso.

Achas que aquela ideia de que os millenials não estão interessados em conteúdos longos e profundos é verdadeira?

Eu não acredito nisso. Acho que o vídeo mais viral da Vox, que já alguma vez fizemos, é um que fiz em 2015 sobre a guerra civil na Síria. É complexo, é um mapa com pessoas a moverem-se, que explica a guerra civil na Síria. É muito importante.

No Facebook, que é aquela plataforma que devia ser para partilhar vídeos chatos de gatos, foi visto 100 milhões de vezes.

No Youtube correu muito bem também. Mas a prova, para mim, é que correu bem no Facebook. Foi partilhado um milhão de vezes. Isso, para mim, indica que as pessoas estão dispostas a sentar e ouvir. Mesmo que tenham 13 anos. Vão ouvir se for apresentado na linguagem deles.

Há muita gente que diz "os miúdos hoje em dia não ouvem nada, estão só nos seus telemóveis o dia todo". Isso é verdade, em alguns sentidos, mas se falares a linguagem deles, eles importam-se.

O vídeo que fiz sobre as casas em Hong Kong tem 10 minutos e é sobre leis de habitação, casas gaiola. É sobre política administrativa. As pessoas sentam-se a ouvir porque têm interesse.

Achas que o teu estilo, parecido com um Youtuber, ajuda?

Acho que ajuda. As pessoas querem que a comunicação aconteça na sua língua. Essa é uma linguagem que agora é popular. E é confortável para as pessoas mais jovens, que estão habituadas a ver uma pessoa andar por aí a falar, normalmente sobre a sua vida, o seu carro, a sua comida, mas se eu puder fazer o mesmo sobre as casas gaiola, e sobre a história de Hong Kong, eles vão ficar surpreendidos e interessar-se.

Juntar as duas coisas era algo que eu queria trazer para o “Borders”. É por isso que tenho feito mais coisas diretamente para a câmara, mais “vlogging”. Porque sinto que as pessoas se vão conectar com isso de uma maneira nova, é a sua linguagem.

Achas que o jornalismo deve adaptar-se a estas novas linguagens?

Eu acho que o jornalismo pode adaptar-se. Se mudar para esta linguagem mais vernácula, vai chegar a uma audiência maior. Não acho que tenha que o fazer. Acho que grandes organizações vão continuar a ter sucesso entre os seus leitores. Mas acho que, se eles quiserem experimentar estes outros formatos, vão chegar a audiências maiores.

E vão conectar-se com uma nova geração que eventualmente vão ter que enfrentar. Vão ter, eventualmente, porque estas pessoas crescem.

Não têm que o fazer. Nem toda a gente tem que aprender a fazer vlogs. Mas pelo menos aprender qual é a linguagem do dia e como é que as pessoas respondem, acho que é um exercício importante que as organizações deviam explorar e experimentar. Porque é uma nova geração e eles têm gostos e expectativas diferentes.

Se as empresas querem manter-se no futuro, acho que vão ter que acabar por enfrentar essa disrupção.

Tu és um repórter multimédia, consegues fazer todos as partes do processo. Sentes sempre que tens tudo sob controlo? Ou às vezes sentes que precisavas de trabalhar em equipa?

Sou um pouco um "control freak", especialmente criativamente. O que é algo que estou a tentar a combater. Porque reconheço que o trabalho será melhor se eu começar a passá-lo a pessoas que podem fazê-lo melhor. Eu cometo erros.

Nesta próxima série, estou a tentar incluir outras pessoas na equipa, para ajudar a criar estes vídeos, porque acho que serão melhores.

Acho que esta ideia de "homem dos sete instrumentos" é útil para mostrar o que é possível fazer com um orçamento baixo, mas não quero glorificá-la demasiado, porque também reconheço que a colaboração pode ser muito boa no “storytelling”. Eu conto com pessoas na minha equipa para tratar de pesquisa e “fact checking”, e conto com locais para me ajudar. Não é um "one man show", há tantas pessoas envolvidas em torná-lo bom, que não seria nunca tão bom sem elas.

Acho que podemos aprender lições do modelo "one man band". Mas temos que reconhecer que a colaboração torna o trabalho muito mais forte. Dá-lhe uma perspetiva mais aberta, ter mais olhos a olhar para a história para torná-la melhor. Estou a aprender como funciona e como pode melhorar.

Vamos ter outra série de Borders?

Sim, Colômbia! Agora estou a fazer a série como pacotes de locais. O "Borders Hong Kong" teve cinco episódios. O "Borders Colômbia" vai ter quatro, talvez cinco episódios. Depois vou fazer outro, e outro. Agora não são bem temporadas, são apenas locais. Vou fazê-las uma por uma e vários episódios para cada.

Queres continuar a trabalhar este tema das fronteiras?

Sim, pelo menos por agora. Vou continuar, porque há muitas fronteiras para cobrir. Há muitos sítios interessantes. E não será apenas sobre a fronteira, quero alargá-lo à cultura à volta da fronteira. Em Hong Kong houve um episódio sobre as luzes neon, outro sobre feng shui, habitação, história. Não é apenas sobre a fronteira, mas sobre o mundo, a cultura que existe à volta destes sítios interessantes.

As fronteiras são um ângulo interessante, mas não é apenas sobre o conflito. Em termos jornalísticos, estamos sempre à procura do conflito, mas quero também dizer que há algo interessante em cada sítio além do conflito e da divisão. As pessoas interessam-se por isso. As pessoas não querem apenas conflito.

Acho que essa é outro erro em que caímos no jornalismo, procurar onde está o conflito sensacionalista, onde está o sangue. Mas as pessoas ficam a ver um vídeo sobre habitação, não é sangue. É sobre algo que está a acontecer. Vamos apelar à curiosidade das pessoas, em vez de simplesmente assustá-las.

Ficaste surpreendido com o interesse das pessoas?

Sim, fiquei. De início, pensei "como é que as pessoas estão a ficar a ver estes vídeos longos, de 10, 12, 15 minutos"? Mas elas ficam, portanto eu continuo a testar e a aumentar.

A primeira vez que fiz um vídeo de sete minutos, fiquei "nem pensar que as pessoas vão ver isto". Mas depois viram, e pensei "vou fazer um vídeo de 10 minutos, um vídeo de 15". E elas veem.

Foste nomeado para os Emmys, na categoria “Outstanding Video Journalism”. O que significa para ti?

Acho que é fixe, é divertido estar nos Emmys, mas é um monte de pessoas brancas, que são os "gatekeepers" da indústria. Eu penso "fixe, vocês gostam do que faço". Mas eu importo-me muito mais com o que os locais, os que vivem em Hong Kong, pensam. Não quero desvalorizar os Emmys. Acho que é maravilhoso e é uma honra muito boa.

É um "boost" para o ego, mas não é a finalidade do meu trabalho. Os prémios são uma cereja no topo do bolo divertida, não são o que me dá validação.

O que é que te dá validação?

O que me dá validação é que muitas pessoas estejam a conectar-se com o conteúdo e a aprender. E estão a ver outro mundo que não conheciam. Isso é mais importante que 100 Emmys. Isso é muito mais gratificante porque essa é a minha missão, é o que quero fazer com a minha vida.

Se ganhar um prémio, é fixe, mas essas pessoas, os jurados dos Emmys, são só um grupo de pessoas, que talvez tenham bom gosto e são parte da indústria da televisão.

Onde gostavas de ir a seguir?

Indonésia, Índia e Chipre. São os sítios que tenho em mente. A fronteira no Chipre é fascinante, tem muito boas histórias.

Tens uma família, dois filhos pequenos. Que influência é que isso tem no teu trabalho?

Tem uma grande influência. Tenho um filho com cinco anos, que tem autismo. E ele quer saber sobre tudo. Ele adora saber sobre os cabos do telefone. Porque é que os cabos do telefone são assim? Como é que funcionam? Ele pergunta, pergunta, pergunta. E eu tenho de explicar. Esta criança não tem qualquer perspetiva, tenho de lhe explicar porque é que a eletricidade vai de um sítio para o outro, como é gerada.

Isso influencia a minha capacidade de explicar coisas. Se eu tiver que explicar uma coisa básica sem assumir qualquer conhecimento da outra parte, como é que eu faço?

A minha família influencia também a minha empatia com as pessoas cuja história estou a contar. Quando vejo uma família... por exemplo, estava na fronteira com o Texas um dia e vi um pai e um filho, que tinham vindo das Honduras. De repente ele começou a chorar, tinham passado por uma experiência terrível.

Como pai, isso marcou-me de uma maneira totalmente nova. De repente, isso significa muito mais. É muito mais do que "isto é bom jornalismo", de repente significa que é a vida real. Ponho-me nessa posição. Isso ajuda-me a humanizar estas famílias que têm que passar fronteiras e têm que lidar com tanta coisa.

Não têm casa. Eu dependo de uma casa, de uma rotina. Ver isso ser-lhes tirado dá-me mais empatia.

E também não posso ser aquela pessoa que está sempre a viajar. Tenho que voltar a casa, a minha mulher dá-me um limite de sete dias (risos). Quer dizer, agora consegui alongar para 10 dias. E ela às vezes também vem. Mas, claro, ela tem de cuidar dos miúdos quando estou fora.

Isso influenciou-me a todos estes níveis. E tornou-me mais eficiente. Não posso ficar até às 22 horas todos os dias no trabalho, tenho que ir para casa, portanto tenho que ser muito rápido. A família ajudou-me a focar no que interessa.

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