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Igreja confiante nos “novos ventos” que sopram em Angola

17 set, 2018 - 07:15 • Eunice Lourenço , em Luanda

Bispo auxiliar de Luanda fala em erros do passado que levam o país ao “vazio” e mostra esperança nos novos caminhos para os angolanos.

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Às três da tarde de domingo, uma “procissão bíblica” atravessa a Cidade Alta de Luanda, passa em frente à Assembleia Nacional, enquanto centenas de fieis, a grande maioria jovens, vai rezando o terço e dando “vivas” à Palavra de Deus. O Evangeliário segue num andor enfeitado com rosas amarelas, muitos dos participantes também levam as suas Bíblias na mão.

A procissão termina na Sé, onde jovens de vários grupos bíblicos recebem prémios de um concurso sobre figuras do Antigo Testamento. Foi no fim dessa celebração que D. Zeferino Zeca Martins, bispo auxiliar de Luanda, falou à Renascença. Contou como a Igreja de Luanda está a crescer e precisa de mais sacerdotes e agentes pastorais, mas também de um país que está a aprender com os erros do passado e procura agora caminhos com mais reflexão e mais trabalho.

Como é que está a Igreja de Angola neste momento?

A Igreja de Angola, de modo particular a de Luanda, é uma Igreja que está a crescer em número de fiéis, mas ao mesmo tempo que cresce em número de fiéis temos pastores – sacerdotes, religiosos e religiosas – em número bastante reduzido e isto faz com que não cheguemos facilmente aos fiéis para uma evangelização que, em alguns casos, é mesmo pastoral de primeiro anúncio, sobretudo para os novos fiéis que, procedentes das províncias, estão a instalar-se mais a Sul da cidade de Luanda, na zona do Morro Bento. Vemos que ali o número de fiéis está a aumentar, há novas casas a construir ali e a nossa pastoral não chega como deveria ser

Ou seja, se tivessem mais agentes pastorais poderiam estar a crescer mais?

A crescer ainda mais, sim. Mas o nosso seminário está cheio de jovens a prepararem-se para o ministério ordenado, a nossa estratégia é irmos ao encontro daqueles fiéis com catequistas, com agentes dos vários movimentos, bem formados e treinados para a evangelização. E nós estamos felizes como Igreja porque vemos crescer. Mas, ao mesmo tempo, a nossa tristeza radica no facto de, ao lado da nossa evangelização, vermos outras mentalidades sectárias que aderem facilmente a seitas religiosas, que prometem realizações momentâneas no sentido laboral, no sentido da saúde, no sentido da felicidade terrena …

E sente-se muito o crescimento dessas seitas?

Sente-se bastante aqui em Luanda, mas graças a Deus as próprias pessoas veem quando são enganadas e apercebem-se que, no fundo, havia um interesse mais material dos pastores, regressam à Igreja Católica. Alegra-nos ver que, afinal, Cristo opera, atua e vai guiando as pessoas.

Pode-se dizer que a Igreja de Angola vive, tal como o país, um tempo de esperança?

Muita esperança. Não há povo que viva sem esperança. A Igreja de Angola vive com muita esperança nos futuros sacerdotes. O nosso seminário inter-diocesano está cheio, com mais de 200 jovens. Os conventos religiosos vão tendo também vocações e dão-nos a esperança que o clero diocesano, o clero religioso e pessoas consagradas vai em crescendo. Tudo para o bem da Igreja e para que o país seja conhecido.

E o país também está num tempo de esperança? Fala-se muito em mudança, como está a ver este tempo?

Bem. A sociedade vai vendo que, no passado, foi cometendo erros, erros bastante crassos que fizeram com que desembocássemos num vazio. Num vazio porque fomos muito acometidos pelo materialismo, pelo imediatismo, por fazer as coisas sem fazer, sem reflexão. Agora, com esta crise económico-financeira, com os novos ventos que sopram existe mais reflexão e capacitação de reconhecer os erros do passado, em todos os sectores sociais, politico e económicos. E esta reflexão fará com que, doravante, tenhamos passos mais firmes e mais bem pensados na reconstrução de um homem novo, com espírito novo e mentalidade de trabalho, que o ajude a encontrar novos caminhos para o bem fazer e o bem viver em sociedade.

A sociedade angolana – e talvez se sinta ainda mais em Luanda – é muito desigual, com muito ricos e muito pobres. A Igreja vai desenvolvendo algum trabalho social junto dos mais pobres?

Claro. A Igreja está nos hospitais, em postos médicos, nas escolas e sobretudo escolas onde há crianças sem meios financeiros, a Igreja está no acolhimento às crianças de rua, está nos refeitórios sociais que, recentemente, foram implementados aqui na nossa arquidiocese. A Igreja está com a Cáritas que vai ao encontro das pessoas mais necessitadas. Aliás, a Igreja sem este rosto social ficaria desfigurada, deixaria de ser ela própria. Nós apresentamos Cristo, evangelizamos, mas ao mesmo tempo comprometemo-nos com o homem no seu todo e todo o homem para que, assim, o homem adira a Cristo, mas sabendo que esse Cristo o dignifica na sua totalidade, em todas as dimensões humanas. Fazemos uma pastoral integral que acolhe a pessoa no seu todo, apresenta-lhe Jesus Cristo, mas também atende as suas necessidades materiais.

E, neste momento, a Igreja sente algum tipo de dificuldade em exercer a sua atividade? Não há problemas de liberdade religiosa em Angola

Nenhuns, absolutamente nenhuns. Aliás, está na forja um acordo-quadro entre o Estado angolano e a Santa Sé. Vai muito avançado, as duas partes vão comprometer-se com a assinatura do acordo e isso fará com que a Igreja tenha mais margem de atuação porque saberá quais as balizas para atuar e, quer a Igreja quer o Estado, saibam cada um estar no seu lugar e, nesse trabalho conjunto, possamos construir uma sociedade mais benfazeja para os angolanos todos, mas também para os que não são angolanos e vivam aqui ou por aqui passem. Este é o nosso anseio: formar uma Angola que vele pelos seus cidadãos e, ao mesmo tempo, respeite e acolha todos aqueles que por aqui passem ou aqui vivam.

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