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Georges Casmoussa, bispo siro-católico no Iraque

“Reconciliação no Iraque tem de ser liderada por leigos”

19 jul, 2018 - 15:05 • Filipe d'Avillez

Foi o primeiro clérigo cristão a ser raptado no Iraque, em 2005, mas sobreviveu ao drama. Georges Casmoussa, bispo siro-católico, reconhece que é difícil perdoar depois do genocídio levado a cabo pelo autoproclamado Estado Islâmico. Para os cristãos, ainda assim, é mais fácil fazê-lo, diz.

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Para os cristãos continuarem a viver no Iraque é necessário perdoar, considera o bispo Georges Casmoussa.

O antigo bispo siro-católico de Mossul, no Iraque, está em Portugal para participar no Encontro Internacional das Equipas de Nossa Senhora e esta quinta-feira fez uma conferência sobre a importância do perdão, dando o seu próprio exemplo de ter sido o primeiro clérigo cristão no Iraque a ser raptado por homens armados em, 2005. Libertado alguns dias depois – ainda hoje não sabe porque é que foi raptado, nem porque o libertaram – disse imediatamente que tinha perdoado os criminosos que o levaram.

Mas enquanto bispo, como lida com os seus fiéis que viram filhos, maridos ou mulheres assassinados, casas destruídas e pilhadas, ou as filhas raptadas e vendidas nos mercados? Devem eles perdoar quem os perseguiu nos últimos anos no Iraque?

“Em primeiro lugar, o facto de não se perdoar não resolve problema nenhum. Se criarmos agressividade e apreensão entre cristãos e muçulmanos, então não é boa ideia permanecermos no Iraque”, diz, “porque somos vizinhos e temos alguns interesses em comum. Temos de convencer estas pessoas a viver juntas.”

“Os nossos fiéis nem sempre compreendem bem isto, sobretudo agora, depois da invasão, quando viram os vizinhos a roubar-lhes as casas, as igrejas e as cidades. Não é fácil. Precisamos de sábios, anciãos, que ajudem muçulmanos e cristãos a repensar as suas relações. Somos cidadãos do mesmo país e para nosso bem, e dos nossos filhos, temos de continuar juntos, vivendo em respeito e compreensão”.

O bispo Georges Casmoussa reconhece que para os cristãos esta caminhada é mais fácil, pois a religião tem como ideia basilar a noção do perdão. Mas o processo seria mais suave se o Governo de Bagdad se esforçasse por corrigir as injustiças que permanecem. “Precisamos de apoio na reconstrução, indemnizações pelas nossas casas e igrejas, que foram destruídas e incendiadas.”

Com a derrota militar do autoproclamado Estado Islâmico e a sua expulsão de Mossul e arredores, muitos cristãos começaram a regressar às suas terras, mas o bispo diz que isto só foi possível graças à ajuda de organizações cristãs de países ocidentais.

“O Governo nada fez para conquistar a confiança dos cristãos. Pelo contrário. Os soldados, polícias, governantes e administradores públicos são todos muçulmanos, porquê? Pelo menos as nossas localidades deviam ser administradas por cristãos, ou por gente local. Mesmo na universidade, que nos esforçámos muito por construir, mandaram um reitor muçulmano que não tem formação académica quando temos muitos professores doutorados”, lamenta.

Lições do Estado Islâmico

O pesadelo do denominado Estado Islâmico parece ter terminado. Foi um tempo em que os cristãos e outras minorias perderam tudo, mas houve lições que permaneceram, diz o bispo Georges Casmoussa. Uma delas é que devem ser os leigos a tomar as rédeas da reconciliação.

“Agora existem alguns grupos jovens, compostos por cristãos e muçulmanos, que se reúnem para discutir a convivência. Mas este diálogo deve ser assumido pelos leigos, e não por líderes religiosos. Ao longo da história os líderes religiosos, muçulmanos e cristãos, sempre foram maus a apelar à união, porque pensavam na sua própria religião. Os leigos têm uma melhor noção do ambiente. Há muitas iniciativas, e isso deixa-me contente, mas ficarei triste se forem lideradas por religiosos ou por políticos, porque estes podem mudar a face para vencer eleições ou popularidade, não são os melhores para reconstruir um futuro em conjunto”, diz.

E apesar de longe de todos estes focos de conflito, é também em Fátima que esta missão de unidade ganha força. “Ficamos muito contentes que Nossa Senhora esteja no centro da mensagem de Fátima. Ela é muito respeitada nas sociedades cristãs, mas também pelos muçulmanos. No Líbano, por exemplo, o dia da Anunciação, 25 de Março, é um feriado nacional e há uma oração, na Igreja, que une cristãos e muçulmanos. A mensagem de Fátima será a mensagem da unidade, a mensagem da primazia do espírito”, conclui.

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