Emissão Renascença | Ouvir Online
A+ / A-

Há cada vez mais militares da GNR a pedir apoio psicológico

17 jul, 2018 - 23:29 • Ana Carrilho

Linha de apoio recebeu, nos primeiros seis meses de 2018, mais chamadas do que em todo o ano passado. Centro de Psicologia e Intervenção Social da GNR tem oito psicólogos sem mãos a medir.

A+ / A-
ANA CARRILHO - GNR D17

A Linha de Apoio Psicossocial da GNR tem cada vez mais procura. Em funcionamento desde 2007, o ano passado recebeu 499 chamadas e este ano, só nos primeiros seis meses, o número subiu para 574.

A linha gratuita 800 962 000 está ativa 24 horas por dia. Tem um psicólogo em permanência e outro de apoio. Pertencem ao Centro de Psicologia e Intervenção Social da GNR. São, em muitos casos, o primeiro apoio para familiares, camaradas de serviço ou para os próprios militares que se sentem impotentes para fazer face aos inúmeros problemas com que se vêm confrontados diariamente.

O objetivo prioritário da Linha e do Centro é muito claro: prevenir o suicídio, uma realidade na corporação, nos últimos anos.

Em 2017, três militares da GNR cometeram suicídio, mas este ano “felizmente não registamos nenhum caso”, diz o tenente-coronel António Martinho, chefe do Centro de Psicologia e Intervenção Social da GNR, em entrevista à Renascença.

No entanto, frisa que entre os militares a ser acompanhados, 21 revelaram comportamentos suicidários.

António Martinho tem uma explicação para o aumento da procura da linha. Há um ano o Centro começou a ministrar o Curso de Primeiros Socorros Psicológicos, destinado a formar “pares”. São militares de todas as categorias profissionais que ficam habilitados a perceber os sinais de alarme que veem nos seus companheiros de armas (alterações de comportamento, de humor, de atenção, por exemplo), que podem sinalizá-los e encaminhá-los para o apoio psicológico.

Por outro lado, contribuem para reduzir o estigma e a vergonha que existe em relação à consulta de Psicologia. “E quando regressam aos quartéis levam uma mensagem de prevenção”, conclui António Martinho.

Até ao momento, mais de 150 militares de todas as categorias e todas as zonas do país já passaram pelas 12 edições do curso.

GNR e família: a conciliação difícil

Nem sempre são os próprios militares a pegar no telefone para pedir ajuda. Alguns casos chegam ao conhecimento do Centro de Psicologia e Intervenção Social através das mulheres ou maridos, namoradas, pais, filhos, colegas ou os comandantes das unidades.

O pedido de apoio tem causas diversas: doença crónica, problemas relacionais e familiares, económicos e dentro da organização, por exemplo disciplinares. “Mas este ano o quadro de ideação suicida tem estado à frente. Já tivemos 21 militares nessa situação”, revela António Martinho.

No entanto, “é a dificuldade de conciliar a vida familiar com as exigências da carreira militar que gera as maiores crises nos relacionamentos, que pode levar a ruturas de casamentos ou namoros e gerar crises suicidárias, algumas fatais”. Esta é a conclusão de um estudo realizado por António Martinho com 167 militares que atendeu no Porto, na consulta de Psicologia Clínica, antes de assumir as atuais funções.

“É a dificuldade de ser militar e ao mesmo tempo ter uma família, ser pai, mãe e estar presente na educação e na vida dos filhos. “Muitas vezes, ao fim de semana, que é quando a família quer ter algum tempo de lazer em conjunto, também é quando os militares da GNR têm mais serviço. É quando se marcam as grandes operações de fiscalização, quando há mais movimento nas estradas. E quando se quer auferir um salário extra, também é ao fim de semana que se fazem os policiamentos gratificados em eventos desportivos ou recreativos”. Segundo António Martinho, este stress tem impacto nos relacionamentos. Raramente há violência doméstica mas, agravando-se, pode levar à rutura.

Recentemente, houve promoções na GNR, que implicam transferências, frequentemente, para longe de casa. E nas famílias mais vulneráveis, as crises podem acontecer. “Nos próximos meses, a procura de ajuda psicológica vai aumentar”, prevê o chefe do Centro de Psicologia e Intervenção Social da GNR.

A crise dos 11 aos 15 anos

A maior parte das crises suicidárias na GNR ocorrem entre os 11 e os 15 anos de serviço, revela o tenente-coronel António Martinho.

“É uma fase em que os militares pretendem estabilizar, ter um relacionamento estável, filhos e um lugar garantido na corporação. E é quando surgem também as maiores dificuldades de conciliação. Alguns chegam a não concorrer para progredir na carreira para não pôr a estabilidade familiar em causa.

“É nesta faixa dos 11-15 anos que surgem grande parte dos comportamentos suicidários e que ocorreram os suicídios nos últimos anos.”

Pelo mesmo motivo – a dificuldade de conciliação da vida familiar com a profissional – as estatísticas também mostram que as segundas e sextas-feiras são os dias mais perigosos. Assim como os meses de Verão e o período a seguir ao Natal.

Uma equipa pronta a atuar

O Centro de Psicologia e Intervenção da GNR tem oito psicólogos que se encarregam da divulgação das medidas e recursos existentes e dos cursos de Primeiros Socorros Psicológicos. Mas sobretudo do atendimento permanente na Linha 808 962 000 e em situações de emergência, - nomeadamente, a tentativa de suicídio - na deslocação imediata de uma equipa ao local onde está o militar ou os militares que necessitam de apoio.

A situação é avaliada e, ou é resolvida na altura ou, em caso mais grave, é encaminhada para as Urgências de Psiquiatria do hospital mais próximo. Mesmo que tal aconteça, há sempre um acompanhamento da equipa de psicólogos da GNR até que o militar tenha alta. E as recaídas também acontecem, admite António Martinho.

“Como a vida é dinâmica, muitas vezes o indivíduo está a recuperar, mas ainda em situação vulnerável e acontece outra coisa. Está a recuperar de um processo de separação ou divórcio e ocorrem problemas económicos, dívidas. Ou uma doença, ou um luto”. Exemplifica António Martinho.

Normalmente a arma de serviço é o instrumento à mão para pôr fim à vida. Por isso, as medidas preventivas incluem a restrição do uso de arma em militares que revelam intenções suicidárias. “Porque a arma raramente encrava na Hora H”. O apoio psicológico alarga-se também à família.

Outra das tarefas da equipa do Centro de Psicologia e Intervenção Social é a realização de reavaliações periódicas de todo o efetivo e no fim do primeiro ano de serviço, aos recém ingressados na Guarda.

Equipa sem mãos a medir

A falta de recursos faz com que a equipa de oito psicólogos, liderados por António Martinho – o único com a categoria de oficial – tenha que se adaptar aos muitos desafios e trabalho diário. Mas o Tenente – Coronel admite que precisava de mais gente.

“Pelo menos não era um esforço tão grande para os que existem. Há dias muito complicados, lidamos muito de perto com a morte ou com o suicídio, com doenças graves, incidentes críticos. E os próprios psicólogos têm que garantir a sua própria saúde mental para conseguir ajudar os outros. E quando a equipa é pequena, é difícil.

Também temos que investir e fazer terapia aos próprios psicólogos, frisa António Martinho.

Neste momento, o Centro acompanha 47 militares da GNR, oito dos quais relacionados com os incêndios de Pedrógão, ocorridos há um ano.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • nometo
    18 jul, 2018 lisboa 10:21
    Aqui parece estar a luta entre a consciência formatada e as ordens que têm q cumprir contra a população,coimas etc provocando perda da auto estima e revolta.As delocaçoes não ajudam assim como os vencimentos.O serem olhados de lado nas comunidades q frequentam tb altera comportamento.Perante um estado trucidário tudo começa a desmoronar-se aos poucos.Se começassem a carreira a auferir ordenados como certos senhores em inicio de carrira 3 600,00 euros brutos só? não haveria tanta doença.
  • 18 jul, 2018 aldeia 08:42
    Das duas uma: ou são desequilibrados emocionalmente quando vão para a GNR ou esta GNR desequilibra-os emocionalmente.

Destaques V+