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Exortação apostólica "Gaudete et Exsultate"

Caminho para a santidade passa por combater "consumismo e egoísmo"

09 abr, 2018 - 11:00 • Aura Miguel Aura Miguel, com Redacção

"Se não lutarmos contra esta febre que a sociedade de consumo nos impõe para nos vender coisas, acabamos por nos transformar em pobres insatisfeitos", diz Francisco, na exortação apostólica "Gaudete et Exsultate" - "Alegrai-vos e Exultai" -, divulgada esta segunda-feira

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O Papa Francisco sublinha, na exortação apostólica "Gaudete et Exsultate", divulgada esta segunda-feira, que a santidade é para todos e que Deus "quer-nos santos e espera que não nos resignemos com uma vida medíocre, superficial e indecisa".

O Vaticano divulgou, esta segunda-feira, a exortação apostólica "Gaudete et Exsultate" - "Alegrai-vos e Exultai", dedicada à santidade no mundo contemporâneo.

Francisco explica que esta exortação "não é um tratado sobre a santidade, com muitas definições e distinções”, mas que tem por objetivo "fazer ressoar, mais uma vez, a chamada à santidade, procurando encarná-la no contexto atual, com os seus riscos, desafios e oportunidades".

A classe média da santidade

Para ser santo, lembra o Papa, “não é necessário ser bispo, sacerdote, religiosa ou religioso”. Francisco gosta de o ver "nos pais que criam os seus filhos com tanto amor, os homens e mulheres que trabalham a fim de trazer o pão para casa, nos doentes, nas consagradas idosas que continuam a sorrir".

Nessa "constância de continuar a caminhar dia após dia", Francisco diz ver "a santidade da Igreja militante", que "é, muitas vezes, a santidade 'ao pé da porta', daqueles que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus, ou - por outras palavras - da 'classe média da santidade'".

Muitos exemplos e pequenos gestos

A exortação incentiva os católicos a “não ter medo”, “nem vergonha de ser santo”, com vários exemplos da vida quotidiana: “Por exemplo, uma senhora vai ao mercado fazer as compras, encontra uma vizinha, começam a falar e… surgem as críticas. Mas esta mulher diz para consigo: 'Não! Não falarei mal de ninguém'. Isto é um passo rumo à santidade. Depois, em casa, o seu filho reclama a atenção dela para falar das suas fantasias e ela, embora cansada, senta-se ao seu lado e escuta com paciência e carinho. Trata-se doutra oferta que santifica. Ou, então, atravessa um momento de angústia, mas lembra-se do amor da Virgem Maria, pega no terço e reza com fé. Este é outro caminho de santidade. Noutra ocasião, segue pela estrada fora, encontra um pobre e detém-se a conversar carinhosamente com ele. É mais um passo.“

Francisco recheia o texto com dezenas de exemplos da vida de santos de várias épocas e contextos, alertando para duas heresias que falsificam a santidade: o gnosticismo e o pelagianismo.

Falsificações da santidade

O gnosticismo pretende “domesticar o mistério” e “supõe uma fé fechada no subjetivismo, onde apenas interessa uma determinada experiência ou uma série de raciocínios e conhecimentos que enclausuram a pessoa”. Trata-se de uma “vaidosa superficialidade” que pode acontecer, não apenas aos “racionalistas inimigos da fé cristã”, como também “dentro da Igreja, tanto nos leigos das paróquias como naqueles que ensinam filosofia ou teologia em centros de formação”.

Por outro lado, o pelagianismo substitui a vontade pelo mistério e a graça. Quando viver em santidade é dizer, como Santo Agostinho: “faz o que podes e pede o que não podes”. E nos tempos que correm não faltam novos pelagianismos: “A obsessão pela lei, o fascínio de exibir conquistas sociais e políticas, a ostentação no cuidado da liturgia, da doutrina e do prestígio da Igreja, a vanglória ligada à gestão de assuntos práticos, a atração pelas dinâmicas de autoajuda e realização autorreferencial”. E nem a Igreja escapa a estes perigos, pois “contra o impulso do Espírito, a vida da Igreja transforma-se numa peça de museu ou numa propriedade de poucos. Verifica-se isto quando alguns grupos cristãos dão excessiva importância à observância de certas normas próprias, costumes ou estilos. Assim se habituam a reduzir e manietar o Evangelho, despojando-o da sua simplicidade cativante e do seu sabor. “

Contracorrente

O Papa nota que as bem-aventuranças e as obras de misericórdia são a grelha de conduta para a santidade, mas que “o mundo propõe-nos o contrário: o entretenimento, o prazer, a distração, o divertimento", dizendo-nos "que isto é que torna boa a vida".

"O mundano ignora, olha para o lado… O mundo não quer chorar: prefere ignorar as situações dolorosas, cobri-las, escondê-las", enfatiza Francisco.

"Na obsessão de nos divertirmos, acabamos por estar excessivamente concentrados em nós mesmos, nos nossos direitos e na exacerbação de ter tempo livre para gozar a vida. Será difícil dar a mão a quem está mal”, insiste o Papa, defendendo que, "se não cultivarmos uma certa austeridade, se não lutarmos contra esta febre que a sociedade de consumo nos impõe para nos vender coisas, acabando por nos transformar em pobres insatisfeitos que tudo querem ter e provar".

"O próprio consumo de informação superficial e as formas de comunicação rápida e virtual podem ser um fator de estonteamento que ocupa todo o nosso tempo e nos afasta da carne sofredora dos irmãos.”

Contra a agressividade nas redes sociais e nos media

“Pode acontecer também que os cristãos façam parte de redes de violência verbal através da internet e vários fóruns ou espaços de intercâmbio digital. Mesmo nos media católicos, é possível ultrapassar os limites, tolerando-se a difamação e a calúnia e parecendo excluir qualquer ética e respeito pela fama alheia. Gera-se, assim, um dualismo perigoso, porque, nestas redes, dizem-se coisas que não seriam toleráveis na vida pública e procura-se compensar as próprias insatisfações descarregando furiosamente os desejos de vingança. É impressionante como, às vezes, pretendendo defender outros mandamentos, se ignora completamente o oitavo: «não levantar falsos testemunhos» e destrói-se sem piedade a imagem alheia. Nisto se manifesta como a língua descontrolada «é um mundo de iniquidade; (…) e, inflamada pelo Inferno, incendeia o curso da nossa existência» (Tg 3, 6).

Comentários
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  • Pois é!
    10 abr, 2018 da conchichina 16:06
    Mas que sociedade de consumo? Cada um compra o que pode e precisa. E não se pode fazer generalizações. Se há alguns que tenham exagero, não se poderá dizer o mesmo de outros que não o tenham e por todos no mesmo saco. Não podemos viver com os salários iguais aos de antigamente, em que não havia internet, telémóveis, computadores e outras tecnologias... Os tempos mudaram. Ou então este mundo será só dos ricos. O mais grave é que as pessoas já não ganham para comer, quanto mais para este consumo que chego a não perceber que consumo é este. O que é pecado mesmo são aqueles que andam a roubar, os que enriquecem à custa da mais pobreza e as pessoas passarem a não ter dignidade de vida, como temos o caso dos hospitais sem condições, reformados sem dignidade e famílias com tão poucos rendimentos que chegam a meio do mês a contar os tostões a ver se chega para comprar comida para os seus filhos. Isto é que o devia preocupar. Será que quem ganha o salário minimo anda a consumir o que não deve? Sinceramente!

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