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Alexey Sidorenko: "Incomoda-me que os meus impostos possam estar a financiar formas de manipulação"

24 mar, 2018 - 14:16 • Rui Barros

O ativista russo está em Portugal para falar sobre como o Kremlin está a controlar a internet e, em entrevista à Renascença, vaticina o fim das redes sociais, caso nada façam para impedir as “fake news”.

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A internet foi tomada por criminosos que a querem controlar, mas ainda é possível salvá-la – é a conclusão que se pode retirar da conversa com o ativista russo que veio a Portugal para falar sobre liberdade de expressão na internet.

Alexey Sidorenko lidera o Projecto Teplitsa – uma ONG que se foca no uso de tecnologias para o bem social – e está este fim de semana no Porto para falar aos centenas de participantes reunidos no 12º Encontro Nacional de Estudantes de Informática.

Sidorenko acusa Putin de estar a criar uma máquina de vigilância e um braço armado para exercer a sua influência no mundo.

À Renascença, o geógrafo de formação que divide o tempo entre Varsóvia e Moscovo aponta ainda o caso Facebook/Cambridge Analytica como um exemplo de como as plataformas têm de se tornar mais transparentes e arrisca até um vaticínio: caso o Twitter e o Facebook continuem a permitir que a informação falsa se propague tão facilmente, perderão a confiança das pessoas. E isso ditará o seu fim.


Vem a Portugal falar sobre as formas que o governo russo criou para controlar a internet. Como é que o governo russo controla a internet?

Digamos que está a tentar fazê-lo. Em 2012, na sequência dos grandes protestos contra o regime, Vladimir Putin criou uma série de leis para restringir e vigiar aquilo que os cidadãos podiam fazer online. O regime percebeu a influência que a internet teve nesses protestos e de como o controlo da informação era crucial. E por isso criou um conjunto de leis que eu chamaria de “medidas defensivas” para tentar prevenir que os cidadãos façam alguma coisa.

De que leis estamos a falar?

Podemos dizer que são leis muito anti-democráticas. A primeira destas leis serviu para bloquear alguns sites. Neste momento há mais de cem mil sites bloqueados, entre eles sites de informação que tomaram uma posição contra a anexação da Crimeia, por exemplo. E as empresas que fornecem serviços de VPN (uma espécie de túnel seguro que serve para ultrapassar bloqueios e proteger os dados) que não respeitam esta lista negra ficam proibidas de operar em território russo.

Mas não é só isto. Desde julho de 2017 que qualquer site que recolha dados sobre os seus utilizadores tem de ter servidores em território russo. E, segundo a mesma lei, se estás a recolher dados na Rússia, então os serviços secretos têm direito a aceder a esses servidores. Estes dados dizem muito sobre nós: onde andamos, com quem falamos... Isto tudo num país que tem um passado de perseguições políticas. E isso torna tudo isto muito mais assustador: o que eles podem fazer com estes dados ou que eles já estão a fazer com estes dados…

Mas isto refere-se ao controlo doméstico da internet. Ao mesmo tempo, o governo criou formas de expressar influência fora das suas fronteira.

Refere-se às chamadas “fábricas de trolls”?

Sim. Aquilo que vimos nas eleições norte-americanas é o lado “ofensivo” deste plano. Uma forma de ataque que usa a tecnologia para aumentar a influência do estado russo fora das suas fronteiras. Agentes apoiados pelo estado que criaram perfis falsos para polarizar a opinião pública e que tinham como único objectivo amplificar o sentimento anti-sistema de grupos menos privilegiados. Tudo com o objetivo de favorecer um candidato que estava mais de acordo com os interesses do Kremlin.

Como cidadão russo, o que sente ao saber que o governo do seu país poderá estar a financiar estas formas de manipulação?

Sinto-me extremamente mal, como me sinto em relação a muitas coisas feitas em nome do meu país, como a ocupação da Crimeia ou as guerras regionais apoiadas pelo governo russo. O pior é que, como cidadão, estou de alguma forma ligado a isto. Ainda tenho de pagar impostos. Pensar que parte dos meus impostos podem estar a financiar isso incomoda-me.

Mas o caso dos “trolls” não me faz sentir mal só como cidadão russo. Sinto-me mal como ser humano que vê como novas tecnologias estão a destruir um lugar tão maravilhoso como a internet costumava ser. Era um lugar livre, onde nos podíamos expressar.

Já não é esse lugar?

Acho que não. O mundo ficou consciente em relação aos exércitos "trolls" por volta de 2013, mas como bloguer comecei a sentir isso desde 2005. Essa técnica, antes de ser usada fora da Rússia, foi aperfeiçoada lá dentro. Provocava-se alguém para elevar a discussão a um ponto “nojento”. Bombardeavam-se fóruns com mensagens radicalizadas. Tudo isto foi testado dentro, antes de ser exportado. E foi muito triste ver isto a aparecer. Foi como ver o primeiro vírus informático. É ver algo que consideramos bom a ser usado para atividade maliciosa.

O fascínio era tão grande que nos esquecemos que a mesma ferramenta podia ser usada para manipular?

Não acho que nos tenhamos esquecido, só acho que nunca esperamos que isso fosse acontecer. Acredito que as pessoas que desenvolvem tecnologia deixam de alguma forma a sua marca nas suas criações. E as pessoas que criaram a internet criaram-na com uma perspectiva muito aberta. Mas agora há outras pessoas, com outras formas de pensar, que a usam de uma forma completamente diferente.

É triste ver isso acontecer, mas o bom da internet é que é um meio muito transparente. É possível ver o que está a acontecer, bem como perceber o que aconteceu. E podemos aprender e começar a proteger-nos. A nós e às próximas gerações. É tal e qual como uma doença. Primeiro ficamos doentes, mas depois o nosso corpo vai criando anticorpos e imunidades.

Perdemos a confiança na internet?

Não acho que a confiança tenha sido abalada. Mas isto mostra as falhas de um sistema que nunca foi perfeito. O mais importante é a forma como reagimos. Tomemos como exemplo a forma como Mark Zuckerberg reagiu ao escândalo Cambridge Analytica. Disse que iria resolver o problema, mas nem sequer falou da dimensão humana de tudo aquilo.

As pessoas do mundo da tecnologia têm uma visão muito mecanicista da sociedade e as pessoas que têm uma visão mais humana de como a sociedade funciona não costumam ter conhecimentos tecnológicos profundos. E quanto mais complexa a tecnologia se torna, mais profundo este fosso se torna.

Facebook, Cambridge Analytica e Kogan assumem responsabilidades, mas negam ter culpas do uso de dados
Facebook, Cambridge Analytica e Kogan assumem responsabilidades, mas negam ter culpas do uso de dados

Como é que o Facebook deveria reagir a este caso?

É importante que estas plataformas nos digam que dados estão a partilhar e a recolher. O Facebook permite-nos descarregar os nossos dados, mas não sabemos realmente se nos deram tudo.

Compreendo que nunca nos mostrem exatamente como funciona o algoritmo deles. Faz parte do negócio. Mas como sociedade temos o direito de saber, por exemplo, quem é que está a pagar pela publicidade que está associada a assuntos de política ou causas sociais. A transparência nestes casos é importante.

A internet tornou-se a máquina de propaganda perfeita ou ainda é possível salvá-la?

Acredito profundamente que ainda há espaço – muito espaço – para salvar a internet. É uma invenção fantástica e acho que o lado bom da comunidade que a compõe pode ajudar a cuidada dela, ainda que algumas mentes criminosas estejam a tentar estragá-la.

Mas ainda precisamos de algumas coisas. Os nativos digitais e as pessoas que começaram a usar agora a internet precisam de perceber como tudo isto funciona para olhar para a informação de forma mais crítica. E precisamos de começar a trabalhar com quem paga pela publicidade online. Talvez não devessem estar a apoiar financeiramente sites cujo o modelo de negócio é gerar tráfego com base em teorias da conspiração.

Mas também acho que o sistema de reputação vai de alguma forma corrigir isto. Se o Twitter e o Facebook continuarem a permitir que informação não verificada circule tão rapidamente, vão perder a influência que têm.

Comentários
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  • pericles
    25 mar, 2018 lisboa 13:45
    A NET é como os computadores não se quer viver inteiramente com eles mas tornaram-se imprescindíveis.As vredes sociais irao existir sempre pois são uma conquista na área comunicacional.Caberá a cada um as diferentes opções .Inverdades e intervenções em outros países sempre houve ,não percebo a indignação.A informação agradece-se mas anulação é um ato de pensamento alegadamente único.O mundo democrático ideal não existe ,cada pais no mundo OCIDENTAL tem a sua democracia e constituição.Chamar democracia a ditaduras é que é reprovável.
  • lurdes
    25 mar, 2018 lisboa 12:57
    A Net como tudo não é segura e é como tudo manipulavel .Os EUA ainda no tempo Obama foram acusados de espiar governantes europeus etc.A espionagem entre potencias na tecnologia,industria,movimentos ,conspirações etc são uma realidade.Este SNR vem ensinar ou fazer politica? O ensino deve ter todas as vertentes independentemente das ideologias de cada um e regime.
  • Tim
    24 mar, 2018 mundo 21:23
    Às vezes sinto o mesmo.

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