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Manifestação. "Marielle Franco morreu por ser preta, mulher e lésbica"

19 mar, 2018 - 22:14

Cinquenta manifestantes em Braga defenderam que a partir de agora Mariella é "a bandeira" da luta pelos direitos humanos.

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O nome da vereadora brasileira Marielle Franco, assassinada "por ser preta, mulher, lésbica, favelada" e "ousar ocupar o lugar das elites" é agora "a bandeira" da luta pelos direitos humanos, defenderam esta segunda-feira cerca de 50 manifestantes em Braga.

O frio do início da noite não afastou o grupo que com cartazes, faixas e lágrimas lembrou a "cidadã, mãe, ativista e excecional" mulher de 38 anos que, defenderam, foi vítima de um assassinato político no Rio de Janeiro com quatro balas na cabeça, num "ataque à democracia" que matou também o motorista da vereadora e deixou ferida uma outra mulher.

"Nove, foram nove tiros. Atingiram a mulher, a democracia, os direitos humanos e o sonho de um país livre", explicou à Lusa Márcio Sales, ativista brasileiro a tirar o mestrado em Portugal.

"Foram nove tiros. Era a concretização do desejo de matar todas as dimensões e possibilidades daquele ser. O primeiro foi na negra, que ousou ocupar o lugar feito para as elites, o parlamento", apontou.

O segundo tiro foi na mulher feminista que incomodava. O terceiro tiro estraçalhou a lésbica que afrontava a heteronimação. O quarto tiro atingiu a mãe, que deixa órfã mais uma jovem brasileira. O quinto tiro atingiu a favelada, que povo abusado", continuou.

"E ainda era pouco para os fascistas", disse, já de voz embargada: "Veio o sexto tiro que atingiu a todos que militam pelos direitos humanos. O sétimo tiro foi na democracia e emudeceu o Estado de direito. O oitavo tiro atingiu-me também. Fiquei tonto, cai no chão, ofegante, espantado. Atingiu Anderson [o motorista de Mariella], ele era nós no volante daquele carro", salientou

E continuou. "Veio o nono tiro, dado por aquele que fazem comentários estúpidos diante do corpo inerte e do sangue vertendo", finalizou a contagem, deixando um apelo.

"Não vamos esperar o décimo", rogou.

E seguiu-se o silêncio de quem contou tiro a tiro, disparo a disparo. A evocação do nome de Mariella Franco rompeu com o silêncio do grupo, acordou-lhes o espírito de luta.

"Fascismo nunca mais. Que não seja mais uma morte em vão", ouviu-se.

O regresso do fascismo, da ditadura é um dos medos do estudante brasileiro: "Foi um assassinato político. Isso é óbvio. Mais significativo ainda porque ocorreu um dia após ela ter denunciado os assassinatos no morro e fazendo ela parte de uma parte da câmara que investigava a intervenção militar no Rio de janeiro", afirmou.

Para Márcio, "quando se mata alguém dos direitos humanos, que no dia anterior denunciou os abusos da polícia militar é muito mais do que isso, é querer calar toda uma sociedade".

Deste lado do oceano, o estudante, que se assumiu como "ativista, democrata, sonhador e lutador", vê no Brasil um país à deriva. "Vejo terrivelmente péssimo, não consigo ver luz no fundo do túnel após o golpe, existiu um golpe [referindo-se à destituição de Dilma Rousseff], há o regresso da escravidão, a Central de leis trabalhistas está a ser mudada e desde esse momento, em que se tiram direitos aos trabalhadores, volta a escravidão", lamentou.

Márcio descreve um país "no qual 80% da pobreza ainda é com os negros e está também a escravidão a voltar e a voltar o fascismo, é um país está entregue a senadores corruptos, traficantes, com escravos, com candidatos à presidência que mandam matar tudo pela frente, um Presidente como Temer, golpista, envolvido em diversos casos de corrupção, cresce o fascismo".

Ainda assim, "apesar do medo", Márcio quer voltar à Pátria.

"Volto em junho, tenho lá trabalhos sociais com moradores de rua e reabilitação de viciados. Volto correndo em junho porque acredito que fugir não é a solução", disse.

Lisboa junta 500 pessoas

Cerca de 500 pessoas concentraram-se na praça Luís de Camões, Lisboa, para protestarem contra o assassínio da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, que consideram ter sido "silenciada pelo Governo Temer".

A 14 de março, Marielle, de 38 anos, foi morta à saída de uma favela do Rio, com quatro tiros na cabeça, com balas da Polícia Militar, cujos excessos ela diariamente denunciava desde que o Presidente, Michel Temer, ordenou, há cerca de um mês, uma intervenção do Exército, que tem matado muitos civis, por serem das favelas, negros e pobres, fazendo a população sair à rua em protestos no país.

"Não acabou! Tem que acabar! Eu quero o fim da Polícia Militar!", "Fora Temer!", "Golpistas, fascistas - não passarão!", "Racistas, machistas - não passarão!" e "Importam vidas pretas!" foram algumas das palavras de ordem repetidas pela multidão concentrada junto à estátua de Camões, onde o Coletivo Andorinha -- Frente Democrática Brasileira de Lisboa, um dos movimentos que convocaram o protesto, afixou um enorme retrato desenhado de Marielle Franco.

Em baixo, lia-se "Marielle presente", um mote da manifestação, ao qual os participantes respondiam "Hoje e sempre!", e depois também "Anderson presente! Hoje e sempre!" (Anderson era o nome do homem que conduzia a viatura onde Marielle seguia e que foi também assassinado).

Para Ana Caroline Santos, do Coletivo Andorinha, a importância desta concentração é que haja "uma solidariedade internacional perante o que acontece no Brasil, [porque] o assassínio de duas pessoas, sendo uma delas uma mulher negra, política, defensora dos direitos humanos, é algo que mostra para o mundo o que, de facto, está acontecendo no Brasil".

"Os assassínios de Marielle e de Anderson são oriundos da violência que acontece hoje no Brasil, mas foram assassínios diferenciados: Marielle foi silenciada, assim como milhares e milhares de mulheres e homens, pessoas que lutam desde 2016 contra a derrocada da democracia no Brasil", sublinhou.

Segundo a ativista, "conjugaram-se várias opressões: de raça, de classe, de género e da falta de democracia".

A intervenção militar no Rio de Janeiro "demonstrou que são vários os cenários" possíveis daqui para a frente no Brasil "e que, inclusive, um deles é não haver eleição presidencial em 2018", comentou Ana Caroline Santos.

"Temos várias coisas a acontecer e a conjuntura muda muito rápido no Brasil, mas isto demonstrou, com certeza, a necessidade de se discutir a participação política para além de eleições", acrescentou a ativista, expressando o desejo de que "esta e outras manifestações que estão a realizar-se" contribuam "para um cenário de mudança", num país dividido entre quem "está a ir para a rua para exigir democracia" e "quem acha que quem defende Direitos Humanos é quem defende os bandidos".

Entre os presentes, vários empunhavam cartazes em que se liam frases como "Quem mandou matar Anderson e Marielle?", "Execução sem disfarce", "Marielle executada por ser negra e combativa", "Contra a intervenção federal no Rio de Janeiro" e "Lisboa louva Marielle", e alguns emocionavam-se à menção do nome da feminista brasileira, ela própria originária de uma favela, a Maré.

Houve muitos discursos ao megafone, não só de figuras políticas, como as deputadas socialista Isabel Moreira e comunista Rita Rato e da bloquista Joana Mortágua, como de figuras da cultura, como as atrizes Maria João Luís e Marina Albuquerque, e de imigrantes brasileiros em Portugal, cujo denominador comum foi a necessidade de transformar "o luto em luta".

"Tentaram enterrá-la, mas mal sabiam que Marielle era semente", disse um dos cidadãos brasileiros que discursaram.

Comentários
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  • CPLP
    20 mar, 2018 lisboa cplp 17:37
    Lá andam alguns movimentos ulta a dar mais uma machadada a CLPL.Da grande vitória de Putin está tudo calado ,sobre a morte de uma extremista de esquerda cujas medidas e projetos punham RIO como uma cidade em guerra e morte dos cidadãos comuns é noticia de abertura e replicada a todo o instante.Querem viver em regimes ultatra necrotantes emigram para os mesmos e curtam.
  • Luiz Passeiro
    20 mar, 2018 Belo Horizonte 16:17
    Não é só porque morreu que virará santa... Alguns dos projetos de lei de Marielle Franco -Projeto de Lei 0016/2017 - Aborto legal e livre no Rio de Janeiro Assim as novinhas poderiam dar á vontade nos bailes funk sem problema de ter de criar filhos. -Projeto de lei 0072/2017 - Incluir dia da luta contra homofobia, lesbofobia, bifobia e transfobia no calendário oficial. E o direito de ser hétero e não ter que conviver com bichas escandalosas ? -PL 0082/2017 - Incluir o dia da visibilidade lésbica no calendário oficial. E mais uma vez pergunto, e o hétero?? -PL 0288/2017 - Criar o dia municipal de luta contra o encarceramento da juventude negra Ou seja, se for jovem bandido branco ta tudo bem, pode ser preso, se for bandido negro não pode. Defendia tb a liberalização das drogas, o que pode ter sido fatal, pois os amigos da favela não iriam gostar de ter os negócios deles virar franquia, tipo cacau show... Ainda sobre o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, nas palavras do.Antropólogo , Sociólogo e ativista dos direitos humanos, Sandro Silva A vereadora carioca, assassinada ontem à noite no Rio de Janeiro, era uma ultra esquerdista, com ideias nefastas e totalmente tortas, uma eterna defensora de bandidos, defendia liberação das drogas, era contra a intervenção federal na segurança do estado, defendia a doutrinação de esquerda nas universidades e escolas, pregava o ódio em tempo integral, pregava a divisão entre as pessoas (...)
  • Joaquim Santos
    20 mar, 2018 Tojal 11:56
    "Foram nove tiros. Era a concretização do desejo de matar todas as dimensões e possibilidades daquele ser. O primeiro foi na negra, que ousou ocupar o lugar feito para as elites, o parlamento", Por ser negra! Para mim ele é branca! Meditemos para não pisarmos o nosso próprio rabo: Se as balas eram da policia quem as disparou não era da dita elite, menos ainda da policia. Neste fim dos tempos os grupos revolucionários sejam eles de que tendência forem, tendem a anular-se pela guerrilha, entre si. Assim aconteceu na segunda guerra mundial Hitler avançou em a conivência de Estaline, por fim mutuamente se de-gladiam. Amanhã o senhor Edogam tem a unificação dos 54 países para atacar Israel. Porém apenas verão as muralhas de Jerusalém, ao longe. Querendo vingar a derrota viram-se contra os cristãos da Europa. O seu destino será o mesmo a luta fratricida entre os 54, em que poucos ficarão para contar. E como diz a Bíblia “Quem tiver que morrer à espada, à espada morrerá.
  • Adélio
    20 mar, 2018 lisboa 11:43
    Portugal desde o confronto com Angola perdeu já postos de trabalho e 20% das exportações.Querem enfrentar o Brasil força mas depois não se queixem economicamente e relacionamento internacional, Brasil não é Europa.Leia-se a imprensa internacional inclusive a brasileira e verifiquem a complexidade do problema.Rio de Janeiro está em situação de emergencia para assegurar a vida dos cidadãos e o aproveitamento desta morte para fins que nada tem a ver com a mesma é forçar a barra.As favelas cercam as cidades e são o refugio de todo o tipo de marginais que as dominam para alem das que não tem outra opção.Embandeirar em arco é falta de conhecimento abrangente da situação Brasileira e um fenómeno inadequado de extremismo ideológica.A coreia do Norte ,Cuba,Venezuela são os paradigmas defebndidos?
  • Zilmar Vargas Ilha
    20 mar, 2018 Passo Fundo -RS- Brasil 00:23
    Ela não morreu por ser mulher, preta e lésbica....ela morreu por estar inserida num meio violento, e morreu como centenas de outras pessoas nos últimos meses, que não eram isto que a descreveu....Entre estes mortos estavam mulheres e homens brancos, héteros, e também e principalmente policiais.

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