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Brasil em choque com o homicídio de Marielle Franco

16 mar, 2018 - 12:13

A vereadora morta a tiro esta quarta-feira tornou-se referência na luta pelos direitos humanos, feminismo e igualdade racial. E pelas incómodas críticas à polícia brasileira.

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Nascida numa favela e defensora dos direitos humanos, Marielle Franco é assassinada aos 38 anos
Nascida numa favela e defensora dos direitos humanos, Marielle Franco é assassinada aos 38 anos

A morte de Marielle Franco, vereadora da Câmara do Rio de Janeiro conhecida por criticar a atuação da Polícia Militar e do Exército brasileiro naquela cidade, deixou o Brasil (e não só) em choque.

A ativista tinha acabado de deixar uma reunião no centro do Rio de Janeiro, na noite de quarta-feira, e seguia no banco traseiro de um automóvel, quando foi atingida com quatro tiros na cabeça. Ao todo, foram disparados nove tiros. Com ela, seguia o motorista Anderson Gomes, de 39 anos, e a assessora Fernanda Chaves, a única sobrevivente.

Não restam muitas dúvidas de que se trata de um crime premeditado. Os atiradores pararam num carro junto ao de Marielle, dispararam nove tiros e fugiram sem levar nada. A tese de que foi um crime político, relacionado com as críticas frequentes da ativista à polícia no Rio de Janeiro, tem sido defendida por vários atores políticos.

A Organização das Nações Unidas (ONU) condenou o crime, em comunicado. “Condenamos o profundamente chocante assassínio no Brasil da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco e de seu motorista”, lê-se numa nota assinada esta quinta-feira pela porta-voz do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), Liz Throssell.

A porta-voz pede ainda que as investigações “sejam feitas o mais rápido possível” e de forma “completa, transparente e independente”, para que os resultados “possam ser vistos com credibilidade”.

No Brasil, pede-se justiça. Em todo o país, a população saiu à rua para protestar contra o assassinato de Marielle e para exigir uma investigação transparente. Um movimento que se estendeu a vários outros países, como Chile, Argentina, Estados Unidos, França e também Portugal.

Na tarde de quinta-feira, dezenas de pessoas, a maioria brasileiros, juntaram-se na Praça Luís de Camões para homenagear a ativista. Além desta, há várias outras manifestações marcadas para diferentes cidades portuguesas nos próximos dias.

Como a Vigília pela Feminista Marielle Franco, a partir das 18h00 da próxima segunda-feira, também na Praça Luís de Camões, e Marielle Franco, Presente! O Mundo não se Cala, às 18h30 da próxima segunda-feira, em frente ao Consulado-Geral do Brasil no Porto.

Uma "cria da favela" em defesa das minorias

Marielle nasceu na favela da Maré em 1979. Mulher, negra, bissexual, mãe aos 19 anos, Marielle iniciou a militância em direitos humanos após perder uma amiga, vítima de bala perdida, num tiroteio entre polícia e traficantes. Apesar das dificuldades, formou-se em Sociologia, foi professora, investigadora e mestre em Administração Pública.

O interesse pela política cresceu e, em 2006, Marielle Franco trabalhou na campanha de Marcelo Freixo, deputado estadual do Rio de Janeiro pelo PSOL, de quem se tornou assessora parlamentar.

Marielle também assumiu a coordenação da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia até decidir candidatar-se a vereadora.

A ativista não esperava mais do que 6 mil votos quando se estreou nas eleições municipais do Rio de Janeiro em 2016. Candidata pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), teve 46.502 votos e foi a quinta vereadora mais votada numa das principais cidades do Brasil. "É uma resposta da cidade nas urnas para o que querem nos tirar, que é o debate das mulheres, da negritude e das favelas", disse, depois de o resultado ser conhecido.

Falar da história de vida da vereadora morta a tiro na última quarta-feira implica falar dos importantes projetos que apresentou na sua breve atuação na Câmara Municipal do Rio de Janeiro - e que representam as minorias que sempre quis defender.

Luta contra o racismo e a desigualdade

Em 14 meses de mandato, Marielle apresentou 16 projetos de lei - grande parte deles voltados para as mulheres. Em setembro do ano passado, conseguiu aprovar um projeto de lei para a construção de novas casas de parto e centros de parto normal em hospitais.

Outra proposta sugeria a criação de um local onde mães e pais pudessem deixar seus filhos para estudar ou trabalhar à noite – ela mesma só conseguiu retomar os estudos dois anos depois de se tornar mãe. A vereadora também tinha planos de incluir cartazes em lugares visíveis nos serviços públicos de atendimento às mulheres, a informar sobre os direitos das vítimas de violência sexual.

No ano passado, Marielle lançou o mapa "Redes Negras da Cultura", um registo territorial dos pontos de defesa da cultura negra e da luta antirracista no Rio de Janeiro. Outra proposta de destaque foi feita em conjunto com outros vereadores e tinha como objetivo garantir a assistência técnica gratuita para projeto e construção de habitação para famílias com dificuldades económicas.

Críticas à atuação da polícia

Recentemente, Marielle assumiu a função de relatora da Comissão da Câmara de Vereadores do Rio, criada para acompanhar os trabalhos das tropas de intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro. A medida dá ampla autoridade às Forças Armadas para restabelecer a ordem, e coloca as forças policiais sob o comando de um general do Exército.

Marielle criticava duramente a atuação dos militares nas favelas e costumava publicar as suas opiniões nas redes sociais. No último sábado, denunciou casos de abuso de autoridade e violência policial no bairro de Acari, zona pobre do Rio de Janeiro.

Na terça-feira, numa das suas últimas publicações no Twitter, Marielle comentou sobre a morte de um jovem atingido por uma bala perdida. "Mais um homicídio de um jovem que pode estar a entrar para a conta da PM (Polícia Militar). Matheus Melo estava saindo da igreja. Quantos mais vão precisar de morrer para que essa guerra acabe?".

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