21 fev, 2018 - 23:03 • Eunice Lourenço
A irmã Lúcia, da congregação das Franciscanas Hospitaleiras, já estava a ficar confrangida, mas por mais sinais que fizesse não estava a conseguir que o Presidente da República Portuguesa desse por findo o jogo de Futebol de 5 que estava a apitar no campo de jogos entre a escola e a igreja. Marcelo, divertido, ia marcando faltas, assinalando golos, sem sequer desapertar o nó da gravata, muito menos tirar o casaco.
A comitiva começava a desesperar. Afinal, era suposto o Presidente ir receber os partidos da oposição santomense e ainda estava ali, na zona de Neves, a cerca de 40 quilómetros da capital. Às tantas, Marcelo lá cedeu e entregou o apito a outro. Mas fez questão de ainda visitar as valências que lhe faltavam ver as obras que as Franciscanas têm naquela região.
Uma obra que começou quando a irmã Lúcia, que veio para São Tomé dar aulas de português, se apercebeu do drama das crianças deixadas todo o dia ao abandono sem irem à escola. “Isto nasce tudo do amor que se tem ao povo, das necessidades que se vão sentindo, do amor que existe...”, começa por contar à Renascença. “Comecei a dar aulas na escola secundária e comecei a ver a necessidade das crianças abandonadas, sozinhas, sem escola e sentiu-se necessidade de as começar a acolher”, continua esta freira que está em São Tomé há 18 anos já foi condecorada por Cavaco Silva.
A obra que começou debaixo de uma árvore hoje tem berçário, creche, infantário e escola até ao quinto ano, abrangendo mais de 1200 crianças. Tem também lar de idosos com 20 internos, presta cuidados ao domicilio a outros 70 e dá cabazes mensais a outros 150. A alimentação e o “abandono da família” são as maiores dificuldades que encontra no trabalho com os idosos.
A obra tem uma oficina de carpintaria e um atelier de costura que ajudam a angariar fundos, mas uma boa parte vem das verbas da cooperação portuguesa, como reconhece o bispo diocesano.
Ministro põe Presidente a cantar
O jogo atrasou, pois, o Presidente que parecia preferir ficar em Neves do que voltar a descer à capital. Os encontros com os partidos da oposição tiveram de ser adiados para depois do jantar com a comunidade portuguesa na chancelaria com vista para o mar.
Antes do jantar buffet ainda os discursos, com Marcelo a salientar tudo o que de bom em termos económicos, culturais e futebolísticos tem acontecido a Portugal, a fazer uma breve referência aos incêndios e a prometer voltar a São Tomé em breve.
“Prometo-vos que não demorarei 18 anos a voltar a São Tomé e Príncipe. Voltarei muito antes disse”, garantiu o Presidente. A última visita presidencial tinha sido feita por Jorge Sampaio em 2000.
Terminado o discurso e ouvidos os hinos dos dois países, começou a ser servido o jantar no jardim. Mas passada uma hora, o Presidente não tinha ainda sequer conseguido vislumbrar as mesas onde estava a comida. Entre cumprimentos, conversas e fotografias, Marcelo pouco conseguiu prosseguir além do palanque.
A noite, contudo, ainda reservava mais uma surpresa. Às tantas começa-se a ouvir no jardim um grupo a cantar “Grândola, vila morena”. E no meio do grupo, lá estava o Presidente da República que tinha sido desafiado pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva.
O ministro, que também já foi da Educação, conversava com um grupo de professores e, no grupo, estava também um mecânico que queria cantar a música que foi uma das senhas da Revolução. E Santos Silva disse-lhe que conseguiu pôr Marcelo a cantar. E assim foi. E mais uma vez, o protocolo começava a desesperar com o atraso, pois a oposição santomense estava à espera e o Presidente continuava sem jantar.
A visita de Estado a São Tomé e Príncipe termina esta quinta-feira no Príncipe, que é uma região autónoma, onde o Presidente vai visitar uma escola, doar livros, visitar o Parque da Biodivesidade e até ter um encontro com curandeiros.