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​Michael Palin, dos Monty Python, em entrevista: “É bom ser uma pessoa tola”

04 dez, 2017 - 16:58 • Maria João Costa

“A comédia é uma forma de protesto, é uma forma de interrogar a autoridade", diz Michael Palin, um dos seis Monty Python. Uma entrevista que vai do Brexit às viagens, do humor e ao prazer da escrita.

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Diz que não sabe quando se irá reformar. Aos 74 anos, Michael Palin, um dos seis elementos dos Monty Python, considera a escrita “o acto primordial da criatividade”. Em Viseu, onde esteve a convite do Festival Tinto no Branco, o “simpático Python”, como é conhecido, afirmou que a “comédia é uma forma de protesto e de interrogar a autoridade”.

Numa conversa com a Renascença, acompanhada por um café duplo, Palin mostra-se preocupado com o Brexit e o futuro de Inglaterra. Sempre com sorriso pronto, o comediante fala da influência que os Python tiveram e da surpresa que teve a chegar a Viseu e ver a sua cara num cartaz.

Escreve na sua biografia: “Sempre quis ser um explorador, mas, até 1988, estive destinado a ser nada mais do que uma pessoa muito tola”. Foi bom ter sido essa pessoa tola?

Acho que sim, é bom ser uma pessoa tola. É uma forma de ver a vida, não o consigo evitar. Quando estava na escola tinha sempre a tendência de ver o absurdo e o ridículo das situações, enquanto as outras pessoas as levavam a sério. Sempre tentei ter uma imaginação fértil. E estava sempre a pensar: “E se isto ou aquilo corre mal?”. Quando havia um evento na escola e alguém subia ao palco, eu pensava sempre: “E se o tecto cai? E se algum cão entra a correr e morde as pernas de toda a gente?”. Estava sempre à procura dessas situações. Por isso, acho que é bom ser meio tolo.

E ainda procura esses deslizes?

Sim. Ainda aprecio muito as coisas estranhas que acontecem na vida e tenho um olhar humorístico sobre a vida. Eu bem tento ser sério, e posso ser sério e até gosto, mas, ao mesmo tempo, é muito relaxante e libertador deixar a mente fluir em qualquer direcção.

O que é que o faz rir hoje em dia?

Qualquer coisa! Pode ser uma tropelia, ou algo que corre mal, uma casca de banana e todos rimos. Pequenas coisas como essas. Acho que é sobretudo imaginar o que poderia acontecer se... Em vez de levar a sério o que os políticos dizem, é pensar “isto é muito ridículo!”. Se se enganar numa palavra vai acabar a dizer algo completamente tonto.

Acha que o mundo precisa mais de saber rir?

Acho que sim. A comédia é uma forma de protesto, é uma forma de interrogar a autoridade. Há pessoas que dizem “isto não tem piada”, mas para mim quase qualquer coisa pode ter piada. Sabe, não estava a ser completamente sério quando disse, no início da guerra do Golfo, que em vez de tropas deveríamos ter enviado um grupo de comediantes – dessa forma, toda a gente se iria rir e seria o fim da guerra. Sei que é ridículo isto, mas digo que o humor pode ser uma forma de fazer um protesto pacífico e fazer rir as pessoas. Acho que as autoridades têm de prestar contas e temos de nos rir deles. Há pessoas que são demasiado pomposas e têm de sair do ar e aí a comédia pode ser útil.

Como vê o Brexit?

Vejo-o de forma muito negra. É como uma janela que não está limpa, através da qual não conseguimos muito bem ver para onde vamos. Acho que não era necessário, mas há razões básicas a justificar o que aconteceu. Primeiro, nós sempre estivemos um pouco à margem da Europa, talvez porque somos uma ilha...fazemos umas coisas aqui, outras ali, mas não nos juntámos realmente à União Europeia.

Fiquei muito perturbado porque penso que pelo menos a União Europeia tem unificado a Europa. Com as duas guerras mundiais havia divisões na Europa e as guerras civis foram um desastre total para a Europa, na última metade do último século. A União Europeia trouxe paz e estabilidade. Por isso, penso que temos de ter cuidado ao estarmos a destruir isso, pensando que vamos fazer melhor.

Por outro lado, a questão é: “Será que vamos fazer melhor?”. A maioria das grandes empresas em Inglaterra são propriedade de estrangeiros. Nós não somos os melhores gestores no mundo, somos sim muito inventivos, somos muito bons culturalmente, mas em termos de gestão somos inúteis. Estamos muito atrás da Europa. Por isso, estou preocupado com o que vai acontecer quando estivermos livres da Europa. Como é que vamos avançar? O referendo foi uma coisa estúpida, mas, agora que aconteceu, temos de o respeitar, mas vamos ver como será. Penso que é uma perda de talentos, porque muita gente que trabalha na politica e nos serviços sociais está a gastar energia a pensar como vamos resolver o Brexit, quando deveriam antes estar a trabalhar e a resolver coisas em áreas como os transportes, a educação.

Por que razão doou o seu arquivo pessoal à British Library?

Tinha muitas caixas cheias de guiões, papéis com material escrito dos Monty Python, ideias para filmes em que trabalhei com o Terry Jones [outro dos Python]. Está tudo ali em cadernos e pedaços de papel. Pensei que poderia ser útil, porque há ainda muito interesse nos Monty Python e naquilo que fizemos. Eram apenas caixas a ganhar pó e na British Libary têm condições para catalogar tudo, dar-lhe ordem e tornar o arquivo acessível a todos. O que farão, não sei.

Está mais dedicado às viagens nos últimos anos, com os programas de televisão que tem feito. Imagina a incluir Portugal num desses programas?

Consigo pensar fazer programas de viagens em qualquer parte do mundo. Há ainda muitos recantos do mundo onde passei pouco tempo e Portugal é um deles. Gostava de passar aqui mais tempo. Estive no Porto e agora estou aqui em Viseu. É apenas uma questão de saber quantas vidas teremos! Viajo muito, mas comecei apenas aos 45 anos, quando iniciei o programa. Agora, viajo menos até porque tenho três netos. É bom estar em família. Além disso, acho que fiz o programa usando uma fórmula e, se não tenho cuidado, torna-se um cliché. Tenho de pensar outra forma de viajar. Fiz sete séries, das quais me orgulho muito, mas penso que agora há outras pessoas a fazerem programas muito parecidos e gostava de fazer algo diferente. Vir a um festival literário como este em Viseu, é como ir ver como está a água, como é Portugal...e é muito sedutor.

Viaja sempre com livros?

Viajo sempre com cadernos de apontamentos. Sempre o fiz, aponto coisas que ouço e vejo. Normalmente ao final do dia aponto as coisas. O problema é que às vezes já bebi alguns copos de vinho e depois já não consigo ler. [risos] Acho que escrever sobre as minhas viagens é muito importante. Não quero perder nada. Registo os pequenos detalhes.

O que escreveria sobre Viseu?

Não estive aqui muito tempo. Mas devo dizer que ia caindo do carro quando cheguei a Viseu e vi a minha cara num cartaz! Aquilo costuma ser só para raparigas muito glamorosas! E ali estava eu, como um dos elementos do festival literário. Há muito tempo que não me via num cartaz. Foi preciso chegar a Viseu, para ver isso!

Em que medida acha que os Monty Python influenciaram o humor em todo o mundo?

Muita gente diz que foi influenciada pelos Monty Python. Acho que tem de colocar a pergunta a eles, o que é que eles encontraram nos Python.

Acho que encontraram uma forma genuína e criativa para o humor. Não era algo que tinha sido desenhado pelos programadores, produtores ou agentes. Vinha de dentro do grupo. Era comédia pura escrita e representada por nós. Isso significava que poderíamos experimentar qualquer coisa. Acho que aquilo que as pessoas gostavam nos Python é que a cada programa aconteciam muitas coisas ao mesmo tempo, nunca se sabia o que vinha a seguir.

Acho que era desse nível de liberdade criativa que as pessoas gostavam. Mas também porque a maior parte dos programas hoje em dia são planeados: “Vamos fazer uma comédia sobre isto ou aquilo.” Isso não era o que acontecia com os Python, nós simplesmente dizíamos: “Vamos escrever algo que talvez ninguém ache graça, mas nós os seis achamos!” E conseguimos fazer isso de forma muito livre. A BBC não interferiu, colocou-nos num horário muito tardio, na esperança que ninguém nos visse, mas acabaram por nos ver e criou-se um culto. E quando se tem isso, é difícil de o perder. Também acho que nós não fizemos demasiados programas, soubemos parar – quer no cinema quer na televisão – quando estávamos no auge. Assim ninguém pode dizer que os Python já não tinham graça. Felizmente não chegamos a isso.

Ainda pensa em representar?

Adoro representar e estou disponível. Tem havido projectos interessantes. Mas prefiro escrever. Acho que a escrita é o acto primordial da criatividade. Sem a escrita não há representação ou livros. Gosto de escrever, mas também é muito relaxante representar.

Sabe quando se vai reformar?

Não. Adoro trabalhar. Adoro estar com pessoas, conhecê-las. A minha comédia sempre teve um factor de observação, depende do que vejo no mundo. Por isso, irei continuar enquanto puder. Teria muita pena se ficasse doente e não me pudesse mexer. Ficaria impossível de aturar, e a minha mulher sabe disso, por isso tenta manter-me saudável na medida do possível.

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