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Leigos chegam aonde sacerdotes não podem

16 nov, 2017 - 15:40 • Olímpia Mairos

Na Unidade Pastoral de Macedo, na diocese de Bragança-Miranda, sempre que não há eucaristia, há ministros extraordinários da comunhão que asseguram a celebração da Palavra. As comunidades apreciam o testemunho e realçam a ajuda para celebrar o Domingo.

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É Domingo. O relógio marca as nove horas da manhã. O sino da igreja de Vale Benfeito, na unidade pastoral de Macedo, repica. E os fiéis vão-se aproximando do templo para celebrar o Domingo.

Entram em silêncio, homens e mulheres. Uns ajoelham, outros permanecem em pé. São cerca de 50. Em clima de oração aguardam o início da Celebração da Palavra, marcada para as 9h30.

À hora marcada, Maria Nazaré Madeira, 73 anos, que veio de Macedo de Cavaleiros, dirige-se à assembleia e explica que está ali para orientar a Celebração da Palavra. É a primeira vez que está nesta aldeia, embora já tenha percorrido várias da Unidade Pastoral, onde, na ausência do sacerdote, orienta a celebração Dominical.

Colocada ao lado do altar, inicia a comunicação: “eu queria apresentar-me, porque é a primeira vez que venho a esta igreja. Chamo-me Maria Nazaré, vivo em Macedo, sou reformada, fui professora, e estou aqui com muito gosto”. E explica: “estou aqui, primeiro porque sou baptizada e, como tal, recebi a missão de evangelizar e, depois, porque o senhor padre me pediu”.

Os fiéis escutam atentamente. E Maria Nazaré prossegue: “Sinto-me indigna de muitas destas missões, mas, ao mesmo tempo, com alegria, porque estou a trabalhar na vinha do Senhor”. E de seguida pede à assembleia que a ajude “a rezar, a louvar a Deus e que, com os olhos postos em Deus, possam aceitar este humilde serviço”.

Começa a celebração com o cântico de entrada. Após o momento penitencial é proclamada a Palavra. Segue-se a partilha da reflexão alusiva aos textos bíblicos. Maria Nazaré apenas empresta a voz e lê o que o sacerdote escreveu.

“Nós só fazemos exclusivamente aquilo que os senhores padres nos dizem. O próprio comentário homilético é dado por eles ou, no caso de não poder ser, é copiado dos livros oficiais aprovados”, conta, depois, à Renascença. “Só posso ler, não posso falar por mim. Por vezes, atendendo ao ambiente e à cultura das pessoas, posso omitir uma ou outra palavra ou substituir por um sinónimo”, realça.

Voltemos à Celebração da Palavra. Após a partilha, faz-se a oração dos fiéis e, de seguida, a ministra extraordinária da comunhão abeira-se do sacrário, ajoelha, retira o cibório com Jesus Sacramento e coloca-o em cima do altar para um momento de adoração. Segue-se a distribuição da comunhão.

Concluída a celebração, são vários os fiéis que se dirigem à sacristia para cumprimentar Maria Nazaré que, sem pressa, vai conversando com cada um.

Maria Nazaré reconhece que “evangelizar dá trabalho, tal como educar dá trabalho”, mas realça que está para “cumprir a missão, a missão de evangelizar”.

“Diz-se que não é útil a si nem à Igreja aquilo que não contribui para a santificação e para o crescimento dessa mesma Igreja. E ainda para mais, Deus dá-me saúde, apesar desta idade, e tenho perninhas para andar, não me posso demitir”.

Quebrar o isolamento e a solidão

“Eu gosto muito de ir a sítios onde há pouca gente, onde realmente há isolamento, porque esta proximidade, o vir uma pessoa de fora, quebra a solidão. Por exemplo, eu hoje encontrei aqui esta senhora que não via há anos”, diz à Renascença.

A senhora é Maria da Ressurreição. Tem 81 anos. Foi nomeada ministra extraordinária da comunhão quando tinha 30 anos. Lembra-se bem que na altura foi nomeada apenas ela e “um senhor de Calvelhe e o resto eram religiosas”. Exerceu a missão “com muita alegria” e fala da felicidade “em levar a comunhão aos doentes”. E isso mesmo partilha com Maria Nazaré.

A ministra extraordinária da comunhão escuta atentamente e vai falando também da sua missão que a leva a percorrer várias aldeias, para orientar a Celebração da Palavra.

“A Celebração da Palavra é outra forma de nos reunirmos todos e, ao mesmo tempo, viver e celebrar o Domingo, enquanto na mesma unidade pastoral, à mesma hora, acontecem eucaristias”, acrescenta D. Nazaré.

“Não é a mesma coisa, mas não se pode ter tudo”

“Como o nome indica - ministro extraordinário da comunhão - portanto, é no caso de ser necessário”, reforça Nazaré, realçando que “o cristão vive da eucaristia” e que só na impossibilidade da sua realização se faz a Celebração da Palavra”.

E os leigos de Vale Benfeito têm consciência que celebração da Palavra não é eucaristia e manifestam tristeza por não ser possível ter o sacerdote na aldeia todos os Domingos.

“O ideal seria sempre eucaristia”, refere Paulo Gouveia de 42 anos, realçando que “a Igreja vive da eucaristia” e “ainda bem que há voluntários deste género e com estas capacidades que combatem a falta da eucaristia”.

Também Carlos de Sousa de 46 anos, entende que a Celebração da Palavra é “um mal menor”. “Mas pronto, ainda bem que há a disponibilidade destas pessoas que tiram da sua vida para dar o testemunho da sua fé e transmiti-la aos outros”.

“A nossa comunidade é cada vez a mais pequena e os padres, penso eu, vão mais às comunidades onde há mais gente a participar na missa”, lamenta Carlos. “A fé é que os move. Não se pode ter tudo e, quer seja a eucaristia ou a Celebração da Palavra, cá estamos sempre presentes”.

Em Vale Benfeito vivem cerca de 160 pessoas. À Celebração da Palavra costumam vir umas 55. Quando há eucaristia, a afluência é maior, porque “não é a mesma coisa”.

Maria Albertina, 58 anos, também gostava de ter eucaristia na aldeia todos os Domingos, mas compreende. “Os sacerdotes não chegam para tudo e é preciso aproveitar aquilo que temos para sermos mais cristãos e estarmos mais unidos uns com os outros”.

“É uma forma de celebrar a fé”, acrescenta Albertina, que valoriza a missão dos leigos que orientam a Celebração da Palavra e ajudam a “celebrar o Domingo”.

Maria Nazaré Madeira, tal como os restantes ministros da Palavra, recebeu da diocese de Bragança-Miranda formação específica para o exercício do ministério e periodicamente participa em outras formações de actualização.

Apesar da preparação e formação confessa sentir-se “sempre receosa”, mas também considera que é ela quem “lucra mais” com a preparação e a realização da Celebração da Palavra. “A primeira beneficiada sou eu. Levo um ‘saldo’ mais positivo do que as outras pessoas”, conclui.

Comentários
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  • miguel
    17 nov, 2017 aveiro 14:42
    Preferia ir beber uns canecos ao cafe mais próximo do que fazer parte desta tristeza. A Igreja em Portugal e no mundo está a enterrar-se no lamaçal e só a graça de Deus a tirá de lá. Porquê que em vez de se transformar o Nosso Senhor num produto de supermercado, que toda a gente tem o direito de ir buscar à prateleira, não se fazem mais orações comunitárias? Não existe Padre? Rezem o terço, as lauds, as vésperas, as completas, as ladainhas! Parece que o mundo Católico foi abalado por uma amnézia e um falta de sensibilidade que chega a doer.
  • manuel rodrigues
    17 nov, 2017 10:44
    muito bem estas pessoas sao escolhidas pelo senhor padre pois nao pode estar em todo o lado a vinha é grande e os trabalhadores são poucos e assim se culmata uma falta de sacerdote bem hajam os sacerdotes de macedo pois sabem ver que é preciso chegar as pessoas e os leigos são cada vez mais chamados a participar na eucaristia e nao se admirem por não ser o padre temos que celebrar o dia do senhor fazei tudo o que ele vos disser

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